Políticas dos bancos centrais desde a crise financeira de 2008
Nota da edição:
Este artigo é a tradução do sexto capítulo do livro do economista Robert P. Murphy, Understanding Money Mechanics [“Entendendo a mecânica do dinheiro”, em tradução livre]. Nas próximas semanas, vamos publicar seções traduzidas do livro no site do Instituto Mises Brasil, com o objetivo de trazer ao nosso público a oportunidade de acessar o rico conteúdo sobre teoria monetária produzido por Bob Murphy.
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No Capítulo 4, revisamos a análise tradicional presente nos livros-texto sobre como um banco central compra dívida do governo em “operações de mercado aberto” para adicionar reservas ao sistema bancário, com as quais os bancos comerciais podem então conceder empréstimos a seus próprios clientes. No entanto, após a crise financeira de 2008, o Federal Reserve e outros bancos centrais ao redor do mundo adotaram novas “ferramentas” (termo frequentemente usado) para influenciar a atividade econômica.
Neste capítulo, vamos primeiro detalhar a política monetária convencional e, em seguida, explicar por que ela aparentemente “perdeu força” após o outono de 2008. Depois, resumiremos algumas das principais mudanças na prática dos bancos centrais desde a crise financeira. Embora foquemos no Federal Reserve, grande parte da nossa análise se aplica a outros bancos centrais.
Antes de prosseguir, devemos esclarecer ao leitor que a maior parte da discussão neste capítulo será de natureza técnica convencional, com muitos dos detalhes provenientes de publicações do Federal Reserve. No entanto, embora seja legítimo recorrer a fontes estabelecidas para documentar o que foi feito, é mais questionável aceitar sem reservas as explicações dessas fontes sobre por que tais ações foram tomadas. Alguns céticos, por exemplo, poderiam argumentar que certas mudanças na política do Fed — como a compra não apenas de títulos do Tesouro, mas também de títulos lastreados em hipotecas (conhecidas como mortgage-backed securities), ou o início do pagamento de juros sobre as reservas bancárias — foram implementadas com o objetivo de beneficiar determinadas empresas e coalizões com influência política, e não por preocupação com o bem-estar geral. No entanto, examinar as motivações por trás das mudanças descritas neste capítulo está além do escopo deste livro.
Política monetária do Federal Reserve antes da crise de 2007–08
No Capítulo 4, introduzimos os mecanismos por meio dos quais um banco central que desejasse adotar uma política monetária mais “flexível” ou “expansionista” poderia (1) comprar ativos por meio das chamadas operações de mercado aberto e, assim, (2) aumentar as reservas dos bancos comerciais, o que normalmente (3) resultaria em um aumento na concessão de crédito pelos bancos comerciais e, consequentemente, (4) pressionaria as taxas de juros de mercado para baixo. No entanto, na prática, o Federal Reserve historicamente adotou diferentes metas como objeto imediato do uso desse mecanismo convencional. Outra forma de dizer isso é que o regime de política do Fed mudou ao longo do tempo.
Por exemplo, os economistas acreditam que foi em algum momento da década de 1980 que o Fed deixou de mirar a quantidade total de dinheiro e/ou de reservas bancárias, e passou a utilizar seus instrumentos para direcionar as taxas de juros.[i] Especificamente, desde a década de 1980 até a véspera da crise financeira de 2008, os comunicados oficiais do Fed sobre decisões de política diziam respeito à sua meta para a chamada taxa dos fundos federais (federal funds rate).
A taxa dos fundos federais (federal funds rate) é a taxa de juros que os bancos comerciais cobram entre si por empréstimos overnight (de um dia para o outro) de reservas. Devido aos requisitos legais de reserva (que, nos Estados Unidos, foram abolidos na primavera de 2020), os bancos comerciais eram obrigados a manter uma certa quantidade de reservas, que, vale lembrar, consistem em moeda em papel guardada no cofre do banco ou saldos eletrônicos depositados diretamente no próprio Fed, para “lastrear” os depósitos à vista mantidos pelos clientes junto ao banco. Por exemplo, com um requisito de reserva de 10%, se os clientes do Citibank, em conjunto, possuírem US$ 1 bilhão em suas contas correntes, então o Citibank deve manter US$ 100 milhões em reservas – talvez US$ 30 milhões em papel-moeda nos cofres do próprio Citibank e os US$ 70 milhões restantes em saldo eletrônico na conta do Citibank no sistema do Fed.
Agora, quando os bancos comerciais ainda estavam sujeitos a esse requisito de reserva (que era verificado no final de cada dia útil), se concedessem novos empréstimos, poderiam precisar obter mais reservas para atender à exigência. Continuando com o exemplo acima: se o Citibank concedesse US$ 10 milhões em novos empréstimos a tomadores, então, imediatamente após creditar os US$ 10 milhões em suas contas correntes, mas, antes que qualquer quantia fosse gasta, a nova posição do Citibank seria: US$ 1,01 bilhão em saldos totais de contas correntes de clientes, com US$ 30 milhões ainda no cofre e US$ 70 milhões ainda depositados no Fed. Ao final do expediente, para evitar penalidades, o Citibank precisaria agora ter US$ 101 milhões em reservas (US$ 1,01 bilhão × 10% = US$ 101 milhões). Mas, no momento, ele só possui US$ 100 milhões (US$ 30 milhões + US$ 70 milhões = US$ 100 milhões). Com um déficit de US$ 1 milhão em reservas, o Citibank recorreria ao mercado de fundos federais e tomaria emprestado (por uma noite) US$ 1 milhão em reservas excedentes de outros bancos comerciais que, naquele momento, tivessem mais reservas do que o necessário para atender aos seus próprios requisitos legais. A taxa de juros determinada pelo mercado (cotada numa base anual, mesmo que o empréstimo dure apenas um dia) sobre esse empréstimo overnight de US$ 1 milhão seria a taxa dos fundos federais.
Para reforçar: durante o período que vai da década de 1980 até o surgimento da crise de 2007–08, quando o Federal Reserve fazia um anúncio, normalmente informava ao mundo o que estava fazendo em relação à sua meta para a taxa dos fundos federais. Quando a taxa efetiva dos fundos federais no mercado estava acima da meta do Fed, o banco central comprava mais ativos, injetando novas reservas bancárias no sistema e, assim, pressionava a taxa para baixo. Por outro lado, quando o Fed elevava sua meta e desejava aumentar a taxa efetiva dos fundos federais, fazia o oposto: vendia parte de seus ativos, retirando reservas bancárias do sistema e (uma vez que a quantidade disponível de reservas ficava menor) aumentava a taxa de juros que os próprios banqueiros precisavam pagar a outros banqueiros para tomar reservas emprestadas.
Outra “ferramenta” à moda antiga: a janela de redesconto
Embora o uso de operações de mercado aberto para alcançar a meta desejada da taxa dos fundos federais tenha sido a principal “ferramenta” utilizada pelo Fed desde a década de 1980 até 2008, o banco central sempre teve, desde sua criação, outro poder: a capacidade de conceder empréstimos diretos a instituições financeiras por meio da chamada janela de redesconto (discount window). Como explica o site oficial do Federal Reserve:
“Quando o Sistema da Reserva Federal foi estabelecido em 1913, o empréstimo de fundos de reserva por meio da janela de redesconto era concebido como o principal instrumento das operações de um banco central. Embora a janela tenha sido há muito tempo superada pelas operações de mercado aberto como a ferramenta mais importante da política monetária, ela ainda exerce um papel complementar. A janela de redesconto funciona como uma válvula de escape para aliviar pressões nos mercados de reservas; a concessão de crédito pode ajudar a aliviar tensões de liquidez em uma instituição depositária e no sistema bancário como um todo”.[ii]
Para os propósitos de um texto introdutório, o mais importante a destacar é que, quando o Fed tenta reduzir as taxas de juros por meio de operações de mercado aberto, ele não está emprestando diretamente novas reservas aos bancos. Em vez disso, ele entrega reservas recém-criadas aos vendedores de ativos financeiros, em troca de sua propriedade. Quando essas novas reservas são depositadas no sistema bancário, os bancos que as recebem tendem a emprestá-las a outros bancos, o que (geralmente) pressiona para baixo a taxa dos fundos federais.
Em contraste, quando uma instituição depositária recorre à janela de redesconto, ela está tomando emprestado diretamente do próprio Federal Reserve reservas recém-criadas. Para manter a janela de redesconto como uma opção de último recurso, o Fed normalmente fixa a taxa de juros aplicada a esses empréstimos, chamada de taxa de redesconto, acima da taxa dos fundos federais.[iii]
Sai a meta da taxa dos fundos federais, entra o “QE”
A mudança mais evidente na condução da política monetária desde 2008 foi a perda de ênfase nas taxas de juros e o foco no tamanho (e composição) das compras de ativos. Especificamente, investidores e o público em geral passaram a se preocupar com o que o Fed faria em relação às várias rodadas de “afrouxamento quantitativo”, ou simplesmente “QE” (do inglês quantitative easing). (Vale observar que o Federal Reserve nunca usou oficialmente esse termo popular para descrever suas operações.)
Antes da crise financeira, a maioria das pessoas provavelmente nunca pensava sobre, e o próprio Fed certamente não destacava, o fato de que, ao cortar ou elevar as taxas de juros, o Fed não simplesmente apertava um botão, mas sim precisava comprar ou vender ativos, criando ou destruindo reservas em dólar dentro do sistema financeiro. Mas, quando a taxa dos fundos federais caiu de 4% no final de 2007 para praticamente zero até o final de 2008, ficou claro que os dirigentes do Fed já não podiam mais anunciar cortes adicionais de juros para mostrar ao mundo que estavam “ajudando” a economia. (Para deixar claro, muitos economistas da Escola Austríaca discordam da ideia de que afrouxar ainda mais a política monetária seja a solução para uma economia em dificuldade, como explicamos no capítulo 8.)
Nesse contexto, logo após o início da crise financeira, o Fed passou a anunciar não apenas seus planos para a trajetória futura da taxa dos fundos federais, mas também suas intenções quanto à escala, ritmo e composição das compras de ativos. Por exemplo, em novembro de 2010, o Comitê Federal de Mercado Aberto (FOMC, na sigla em inglês) anunciou seus planos para aquilo que a imprensa financeira logo apelidaria de "QE2":
“Para promover um ritmo mais forte de recuperação econômica e ajudar a garantir que a inflação, ao longo do tempo, permaneça em níveis consistentes com seu mandato [meta de inflação], o Comitê decidiu hoje expandir suas participações em títulos. O Comitê manterá sua política atual de reinvestimento dos pagamentos de principal provenientes de suas carteiras de títulos. Além disso, o Comitê pretende adquirir mais US$ 600 bilhões em títulos do Tesouro de longo prazo até o final do segundo trimestre de 2011, a um ritmo de cerca de US$ 75 bilhões por mês”.[iv]
Quando essa segunda rodada de afrouxamento quantitativo não surtiu o efeito esperado, o Fed anunciou, em setembro de 2012, aquilo que viria a ser apelidado de “QE3”, no qual compraria US$ 40 bilhões adicionais por mês em títulos lastreados em hipotecas[v]. (Como esse programa não tinha um limite fixo de valor total, alguns críticos também o apelidaram de “QE-infinito”.) Alguns meses depois, em dezembro de 2012, o Fed anunciou que também começaria a comprar US$ 45 bilhões adicionais por mês em títulos do Tesouro de longo prazo, o que significava que, a partir daquele momento, o QE3 consistia na adição de US$ 85 bilhões por mês em novos ativos ao balanço patrimonial do Fed.[vi]
E assim, o que antes eram considerações técnicas mantidas nos bastidores passou a ocupar o centro do palco: o Fed deixou de depender apenas das metas para a taxa de juros como forma de comunicar suas intenções ao público, passando a anunciar descrições detalhadas de seus planos de compras de ativos. Como a taxa dos fundos federais já havia atingido o piso no final de 2008, as rodadas subsequentes de afrouxamento quantitativo permitiram ao Fed mostrar que ainda não havia “ficado sem munição”, e que poderia continuar a injetar dinheiro na economia numa tentativa de estimular os gastos por meio do “efeito riqueza” e da redução das taxas de juros de longo prazo.
Outra grande inovação: o Fed passa a pagar juros sobre as reservas
Outra mudança significativa na política do Fed foi o anúncio, em setembro de 2008, de que, a partir de outubro daquele ano, começaria a pagar juros aos bancos comerciais sobre os saldos de reservas que mantivessem depositados (ou “estacionados”) no próprio Fed. Como muitos comentaristas argumentam que essa nova política foi ao menos parcialmente responsável pelo fato de as injeções extraordinárias de novas reservas feitas pelo Fed não terem resultado em um aumento proporcional no volume de empréstimos bancários e na inflação dos preços ao consumidor, abordaremos esse tema com mais detalhes no capítulo 13.
Para os nossos propósitos neste capítulo, basta observar que a nova política de pagamento de juros sobre as reservas permitiu ao Fed desvincular suas compras de ativos da meta para a taxa dos fundos federais. Especificamente, em outubro de 2008, o Fed desejava (entre outras coisas) acalmar o pânico no setor financeiro comprando grandes quantidades de títulos lastreados em hipotecas (que, na época, eram considerados “ativos tóxicos”). Normalmente, compras de ativos em tão grande escala inundariam o sistema com novas reservas e pressionariam para baixo a taxa dos fundos federais. Mas como o Fed ainda não queria que essa taxa caísse para zero, ele estabeleceu um “piso” para a taxa dos chamados fed funds por meio do pagamento de juros aos bancos comerciais sobre as reservas que estes mantinham depositadas no próprio Fed. A intuição por trás disso é a seguinte: um banco comercial sempre poderia obter um retorno garantido do próprio Fed mantendo suas reservas excedentes “estacionadas” lá, em vez de emprestá-las a outros bancos comerciais. Portanto, se um banco comercial precisasse tomar emprestado reservas excedentes para cumprir seus requisitos legais de reserva, teria que oferecer ao menos uma taxa equivalente àquela que o Fed estava pagando pelas reservas depositadas.
No outro extremo do ciclo, quando o Fed começou a “normalizar” sua postura de política monetária e finalmente passou a elevar sua meta para a taxa dos fed funds em dezembro de 2015, ele não o fez vendendo parte de seus ativos (e, assim, retirando reservas do sistema bancário), como sugeriria a descrição tradicional de política monetária encontrada nos livros-texto. Em vez disso, o Fed manteve seu estoque de ativos em circulação e fez com que a taxa dos fed funds subisse, aumentando a taxa de juros que pagava aos bancos sobre as reservas mantidas no Fed. Dessa forma, o Fed pôde elevar as taxas de juros sem precisar vender seus grandes volumes de títulos do Tesouro e de títulos lastreados em hipotecas, ações que poderiam ter colocado em risco a ainda frágil recuperação dos mercados financeiros.
Para resumir, entre outras implicações[vii], a nova política iniciada em outubro de 2008, de pagar juros sobre as reservas, permitiu ao Fed desvincular suas compras de ativos da meta desejada para a taxa dos fed funds que equilibra o mercado.
Uma linha do tempo das novas “ferramentas” adicionadas ao kit do Fed
Com base na linha do tempo do Federal Reserve, a tabela a seguir resume algumas das inovações na política do Fed introduzidas quando os mercados imobiliário e de crédito começaram a se deteriorar no final de 2007. (As descrições na segunda coluna são citações diretas da linha do tempo do Fed de St. Louis, com o negrito adicionado pelo autor do texto.)[viii]
Data |
Ação |
12/12/2007 |
O Conselho do Federal Reserve anuncia a criação do chamado Term Auction Facility (TAF, Mecanismo de Leilão a Prazo, em tradução livre) no qual montantes fixos de fundos a prazo serão leiloados para instituições depositárias contra uma ampla variedade de garantias. O FOMC autoriza acordos cambiais recíprocos temporários (linhas de swap) com o Banco Central Europeu (BCE) e o Banco Nacional Suíço (BNS). |
11/03/2008 |
O Federal Reserve Board anuncia a criação do Term Securities Lending Facility (TSLF, Mecanismo de Empréstimo de Títulos a Prazo, em tradução livre) que emprestará até US$ 200 bilhões em títulos do Tesouro por prazos de 28 dias contra dívidas de agências federais, títulos hipotecários residenciais (MBS) de agências federais, MBS residenciais de marca própria AAA/Aaa sem agência e outros títulos. |
16/03/2008 |
O Conselho do Federal Reserve estabelece o Primary Dealer Credit Facility (PDCF, Mecanismo de Crédito para Vendedores Primários, em tradução livre) conceder crédito a negociantes primários à taxa de crédito primária contra uma ampla gama de títulos com grau de investimento |
24/03/2008 |
O Federal Reserve Bank de Nova York anuncia que fornecerá financiamento a prazo para facilitar a aquisição da The Bear Stearns Companies Inc. pelo JP Morgan Chase & Co. Uma sociedade de responsabilidade limitada (Maiden Lane) é formada para controlar US$ 30 bilhões dos ativos do Bear Stearns, que são dados como garantia de US$ 29 bilhões em financiamento a prazo para o Fed de Nova York como sua principal taxa de crédito. |
13/06/2008 |
O Conselho do Federal Reserve autoriza o Federal Reserve Bank de Nova York a emprestar para a Associação Federal de Hipotecas Nacionais (conhecida como Fannie Mae) e para a Associação Federal de Corporações de Hipotecas de Empréstimos Imobiliários (conhecida como Freddie Mac), caso tais empréstimos se provem necessários. |
16/09/2008 |
O Conselho do Federal Reserve autoriza o Federal Reserve Bank de Nova York a emprestar até US$ 85 bilhões para a empresa de seguradora American International Group (AIG) utilizando a Seção 13(3) do Federal Reserve Act. |
18/09/2008 |
O FOMC expande as linhas de swap existentes em US$ 180 bilhões e autoriza novas linhas de swap com o Banco Central do Japão, o Banco Central da Inglaterra e o Banco Central do Canadá. |
19/09/2008 |
O Conselho do Federal Reserve anuncia a criação do Asset-Backed Commercial Paper Money Market Mutual Fund Liquidity Facility (AMLF) para conceder empréstimos sem recurso à taxa de crédito primária a instituições depositárias e holdings bancárias dos EUA para financiar a compra de papéis comerciais lastreados em ativos de alta qualidade de fundos mútuos do mercado monetário. O board do Federal Reserve também anuncia planos de comprar notas de desconto de agências federais (obrigações de dívida de curto prazo emitidas pela Fannie Mae, Freddie Mac e bancos federais de empréstimos imobiliários) de negociantes primários. |
21/09/2008 |
O Conselho do Federal Reserve aprova aplicações dos bancos de investimento Goldman Sachs e Morgan Stanley para se tornarem holdings bancárias. |
29/09/2008 |
O FOMC autoriza uma expansão de US$ 330 bilhões em linhas de swap com o Banco Central do Canadá, o Banco Central da Inglaterra, o Banco Central do Japão, o Nationalbank da Dinamarca, o BCE, o Norges Bank, o Banco Central da Austrália, o Sveriges Riksbank e o Banco Nacional Suíço. As linhas de swap totalizam agora US$ 620 bilhões. |
26/09/2008 |
O Conselho do Federal Reserve anuncia que o Fed pagará juros sobre os saldos de reservas obrigatórias e excedentes das instituições depositárias em uma média da taxa alvo de fundos federais menos 10 pontos-base sobre as reservas obrigatórias e menos 75 pontos-base sobre as reservas excedentes |
7/10/2008 |
O Conselho do Federal Reserve anuncia a criação do Commercial Paper Funding Facility (CPFF, Mecanismo de Financiamento de Papéis Comerciais, em tradução livre) que fornecerá uma proteção de liquidez aos emissores de papéis comerciais dos EUA por meio de um meio com propósito específico que comprará papéis comerciais não garantidos e garantidos por ativos de três meses diretamente de emissores elegíveis. |
8/10/2008 |
O Conselho do Federal Reserve autoriza o Federal Reserve Bank de Nova York a tomar emprestado até US$ 37,8 bilhões em títulos de renda fixa com grau de investimento do American International Group (AIG) em troca de garantias em dinheiro. |
21/10/2008 |
O Conselho do Federal Reserve anuncia a criação do Money Market Investor Funding Facility (MMIFF, Mecanismo de Financiamento para Investidores do Mercado Monetário, em tradução livre). De acordo com a linha de crédito, o Federal Reserve Bank de Nova York fornece financiamento sênior garantido a uma série de veículos de propósito específico para facilitar a compra de ativos de investidores qualificados, como fundos mútuos do mercado monetário dos EUA. Entre os ativos que a linha de crédito comprará estão certificados de depósito denominados em dólares americanos e commercial papers emitidos por instituições financeiras altamente classificadas com vencimento de 90 dias ou menos. |
29/10/2008 |
O FOMC também estabelece linhas de swap com o Banco Central do Brasil, Banco do Mexico, Bank of Korea e a Autoridade Monetária de Cingapura em até US$ 30 bilhões cada. |
10/10/2008 |
O Conselho do Federal Reserve e o Departamento do Tesouro Americano e o FDIC (Federal Insurance Deposit Corporation) anunciam uma reestruturação do apoio financeiro do governo a instituição AIG (...). O Conselho do Federal Reserve também autoriza o Federal Reserve Bank de Nova York a estabelecer dois novos mecanismos de empréstimo para o AIG: O Residential Mortgage-Backed Securities emprestará até US$ 22,5 bilhões para uma nova LLC para que ela compre, do AIG, títulos lastreados em hipotecas residenciais; já o Mecanismo de Obrigações de Dívida Colateralizada emprestará até US$ 30 bilhões para uma nova LLC para que ela compre obrigações de dívida colateralizadas do AIG (Maiden Lane III LLC). |
23/10/2008 |
O Conselho do Federal Reserve, o Departamento do Tesouro Americano e o FDIC anunciam coletivamente um acordo com o Citigroup para fornecer um pacote de garantias, acesso à liquidez e capital. O Citigroup emitirá ações preferenciais para o Tesouro e a FDIC em troca de proteção contra perdas em um pool de US$ 306 bilhões em títulos comerciais e residenciais detidos pelo Citigroup. O Federal Reserve garantirá o risco residual no conjunto de ativos por meio de um empréstimo sem recurso. |
25/11/2008 |
O Conselho do Federal Reserve anuncia a criação do Term Asset-Backed Securities Lending Facility (TALF, Mecanismo de Empréstimo de Títulos Lastreados em Ativos a Prazo, em tradução livre) segundo o qual o Federal Reserve Bank de Nova York emprestará até US$ 200 bilhões, sem recurso, a detentores de títulos lastreados em ativos com classificação AAA e empréstimos recentemente concedidos a consumidores e pequenas empresas. |
25/11/2008 |
O Conselho do Federal Reserve anuncia um novo programa para comprar obrigações diretas de empresas patrocinadas pelo governo (GSEs) relacionadas a moradias - Fannie Mae, Freddie Mac e Federal Home Loan Banks - e títulos lastreados em hipotecas (MBS) garantidos pelas GSEs. As compras de até US$ 100 bilhões em obrigações diretas das GSEs serão conduzidas como leilões entre os negociantes primários do Federal Reserve. As compras de até US$ 500 bilhões em MBS serão realizadas por gestores de ativos. |
22/12/2008 |
O Conselho do Federal Reserve aprova a aplicação da empresa de financiamento com valor de US$ 81 bilhões, CIT Group Inc., para que ela se torne uma holding bancária. |
16/01/2009 |
O Federal Reserve, o Departamento do Tesouro Americano e o FDIC anunciam um pacote de garantias, acesso à liquidez e capital para o Bank of America. O Tesouro dos EUA e o FDIC entrarão em um acordo de compartilhamento de perdas com o Bank of America em uma carteira de empréstimos, títulos e outros ativos no valor de US$ 118 bilhões em troca de ações preferenciais. Além disso, e se necessário, o Federal Reserve fornecerá um empréstimo sem recurso para cobrir o risco residual da carteira. |
10/02/2009 |
O Conselho do Federal Reserve anuncia que está preparado para expandir o Term Asset-Backed Securities Lending Facility (TALF, Mecanismo de Empréstimo de Títulos Lastreados em Ativos a Prazo, em tradução livre) para até US$ 1 trilhão e ampliar a garantia elegível para incluir títulos lastreados em hipotecas comerciais com classificação AAA, títulos lastreados em hipotecas residenciais de marca própria e outros títulos lastreados em ativos. |
18/03/2009 |
O FOMC decide aumentar o tamanho do balanço patrimonial do Federal Reserve comprando até US$ 750 bilhões adicionais de títulos garantidos por hipotecas de agências, elevando o total de compras desses títulos para até US$ 1,25 trilhão este ano, e aumentar suas compras de dívida de agências este ano em até US$ 100 bilhões, para um total de até US$ 200 bilhões. O FOMC também decide comprar até US$ 300 bilhões em títulos do Tesouro de prazo mais longo nos próximos seis meses para ajudar a melhorar as condições dos mercados de crédito privado. Por fim, o FOMC anuncia que prevê expandir a gama de garantias elegíveis para o TALF. |
19/03/2009 |
O Conselho do Federal Reserve anuncia uma expansão das garantias qualificadas para empréstimos concedidos pelo mecanismo de empréstimo de títulos lastreados em ativos (TALF) para incluir títulos lastreados em ativos garantidos por adiantamentos de serviços hipotecários, empréstimos ou arrendamentos relacionados a equipamentos comerciais, arrendamentos de frotas de veículos e empréstimos de plantas baixas. |
Como a tabela acima deixa claro, a crise que se formou nos mercados imobiliário e de crédito em 2007-08 permitiu um aumento extraordinário no poder do Federal Reserve. Esse desenvolvimento levou o presente autor a descrever o então presidente do Fed, Ben Bernanke, como “o FDR dos banqueiros centrais”.[ix]
As compras de ativos pós-crise pelo Fed foram legais?
Como explicado na seção anterior, desde o surgimento da crise financeira, o Federal Reserve aumentou drasticamente não apenas o montante dos ativos que compra, mas também os tipos de ativos. A figura abaixo ilustra a expansão dramática e a mudança na composição do balanço patrimonial do Fed:
Gráfico que mostra a composição dos ativos do Fed em valores percentuais em relação ao PIB (eixo y) ao longo dos anos (eixo x), indicando também as diferentes rodadas de QE. Importante notar não só o aumento dos ativos em relação ao PIB, mas a diversificação dos tipos de ativos mantidos ao longo do tempo. Fonte: Market Realist, Federal Reserve.
Além das questões profundas sobre a eficácia e a sabedoria do novo papel desempenhado pelo Fed na economia, há também a questão crítica sobre se essas ações pós-crise foram legais. Para evitar um convite óbvio à corrupção, a legislação que autoriza o Federal Reserve impõe limites ao que o banco central dos EUA pode adquirir. Afinal, se as pessoas que dirigem o Federal Reserve Bank de Nova York pudessem criar dinheiro eletrônico para comprar ações específicas da Bolsa de Wall Street, haveria inúmeras oportunidades para abusos.
Ao justificar os novos poderes que assumiram após a crise financeira, as autoridades do Fed normalmente apelaram para a seção do Federal Reserve Act que lhes dá poderes abrangentes para emprestar dinheiro a instituições financeiras. Na prática, o Fed emprestou dinheiro para as recém-criadas Limited Liability Corporations (LLCs) denominadas “Maiden Lane”, referindo-se à rua no distrito financeiro de Nova York, que, em seguida, usariam o dinheiro emprestado do Fed para comprar os ativos desejados.[x]
Notas:
[i] Na verdade, é difícil identificar com precisão quando o Fed mudou sua abordagem, pois não fez nenhum anúncio formal - mas uma análise das transcrições das reuniões do Fed sugere que foi em 1982. Consulte Daniel L. Thornton, “When Did the FOMC Begin Targeting the Federal Funds Rate? What the Verbatim Transcripts Tell Us” (Documento de trabalho do Federal Reserve Bank of St. 2004-015B, Federal Reserve Bank of St. Louis, St. Louis, MO, agosto de 2004, rev. maio de 2005), disponível em Louis, St. Louis, MO, agosto de 2004, rev. maio de 2005), disponível em https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=760518.
[ii] Consulte “The Federal Reserve Discount Window,” Federal Reserve Discount Window and Payment Risk (website), última modificação em 22 de junho de 2015, https://www.frbdiscountwindow.org/pages/general-information/the-discount-window.
[iii] Observe que há diferentes taxas cobradas pelo Fed com base na duração do empréstimo e na qualidade de crédito do tomador e, para todos esses empréstimos com desconto, o tomador deve oferecer garantias de qualidade adequada.
[iv] Consulte “FOMC Statement”, Press Releases, Board of Governors of the Federal Reserve System, 3 de novembro de 2010, https://www.federalreserve.gov/newsevents/pressreleases/monetary20101103a.htm.
[v] Veja “Federal Reserve Issues FOMC Statement,” Press Releases, Board of Governors of the Federal Reserve System, Sept. 13, 2012, https://www.federalreserve.gov/newsevents/pressreleases/monetary20120913a.htm.
[vi] Veja “Federal Reserve Issues FOMC Statement,” Press Releases, Board of Governors of the Federal Reserve System, Dec. 12, 2012, https://www.federalreserve.gov/newsevents/pressreleases/monetary20121212a.htm.
[vii] George Selgin dedicou uma pesquisa inteira sobre as consequências (talvez não intencionais) da decisão do Fed de começar a pagar juros sobre as reservas: “Floored! How a Misguided Fed Experiment Deepened and Prolonged the Great Recession” (Cato working paper, no. 50/CMFA no. 11, Center for Monetary and Financial Alternatives, Cato Institute, Washington, DC, 1º de março de 2018, rev., 13 de março de 2018), disponível em https://www.cato.org/sites/cato.org/files/pubs/pdf/working-paper-50-updated-3.pdf , publicado como Floored! How a Misguided Fed Experiment Deepened and Prolonged the Great Recession (Washington, DC: Cato Institute, 2018).
[viii] Tabela extraída de “The Financial Crisis: A Timeline of Events and Policy Actions”, Federal Reserve Bank of St. Louis, http://timeline.stlouisfed.org/index.cfm?p=timeline. Louis, . Essa página não está mais no ar, mas o Federal Reserve Archival System for Economic Research (FRASER) preservou a linha do tempo. Veja FRASER, Federal Reserve Bank of St. Louis, acessado em 24 de fevereiro de 2020, https://fraser.stlouisfed.org/timeline/financial-crisis.
[ix] Robert P. Murphy, “Ben Bernanke, The FDR of Central Bankers,” em The Fed at One Hundred: A Critical View on the Federal Reserve System, ed. David Howden and Joseph T. Salerno (London and New York: Springer, 2014), pp. 31–41.
[x] Para um artigo que discute a legalidade duvidosa desse acordo, consulte Alexander Mehra, “Legal Authority in Unusual and Exigent Circumstances: The Federal Reserve and the Financial Crisis”, University of Pennsylvania Journal of Business Law 13, no. 1 (2010): 221-73, https://www.law.upenn.edu/journals/jbl/articles/volume13/issue1/Mehra13U.Pa.J.Bus.L.221(2010).pdf.
Este artigo foi originalmente publicado no Mises Institute.
Recomendações de leitura:
Capítulo 1: A teoria e uma breve história do dinheiro e dos bancos
Capítulo 2: Uma breve história do padrão ouro, com um foco no caso americano
Capítulo 3: A história e a estrutura do Federal Reserve
Capítulo 4: Operações padrão de mercado aberto: como o Fed e os bancos comerciais “criam dinheiro”
Capítulo 5: Além do Fed: "sistema bancário paralelo" e o mercado global de dólares
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Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil.
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