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Além do Fed: "sistema bancário paralelo" e o mercado global de dólares

06/06/2025

Além do Fed: "sistema bancário paralelo" e o mercado global de dólares

Nota da edição:

Este artigo é a tradução do quinto capítulo do livro do economista Robert P. Murphy, Understanding Money Mechanics [“Entendendo a mecânica do dinheiro”, em tradução livre]. Nas próximas semanas, vamos publicar seções traduzidas do livro no site do Instituto Mises Brasil, com o objetivo de trazer ao nosso público a oportunidade de acessar o rico conteúdo sobre teoria monetária produzido por Bob Murphy.

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Embora evoque imagens assustadoras, o termo “sistema bancário paralelo” (shadow banking) se refere simplesmente a operações bancárias realizadas por intermediários financeiros que não são bancos comerciais tradicionais. O termo foi cunhado em 2007 pelo economista Paul McCulley e está relacionado ao fato de que as regulamentações bancárias padrão muitas vezes não se aplicam a instituições não bancárias (como fundos de hedge e credores de private equity), que, por isso, operam “nas sombras”. De acordo com estimativas sobre a intermediação não bancária de crédito feitas pelo Conselho de Estabilidade Financeira (Financial Stability Board), “o sistema paralelo global atingiu o pico de US$ 62 trilhões em 2007, caiu para US$ 59 trilhões durante a crise e se recuperou para US$ 92 trilhões até o final de 2015”[i].

A existência de um sistema bancário paralelo, portanto, limita a capacidade dos governos de regulamentar os mercados de crédito se eles se concentrarem apenas nos bancos tradicionais. Para compreender a mecânica do sistema monetário atual, é importante reconhecer que a ligação entre poupadores e tomadores de empréstimos não passa, necessariamente, por um banco comercial, como os livros de economia frequentemente dão a entender.

Da mesma forma, os tratamentos apresentados em livros didáticos americanos costumam oferecer uma perspectiva específica dos Estados Unidos, embora, na realidade, exista um mercado global para os dólares norte-americanos. Neste capítulo, forneceremos uma visão geral dessas complicações a fim de apresentar uma descrição mais precisa das práticas monetárias e bancárias.

 

Mises e Hayek sobre regulação versus realidade econômica

Embora não tenham utilizado o termo "sistema bancário paralelo", os economistas austríacos Ludwig von Mises e Friedrich von Hayek fizeram observações condizentes com o tema deste capítulo. Mises argumentou que o Peel’s Act de 1844, na Inglaterra, fracassou em sua tentativa de mitigar o ciclo econômico porque limitava a capacidade dos bancos de emitirem notas bancárias em papel sem lastro em ouro, mas não limitava a capacidade dos bancos de emitirem depósitos em conta corrente acessíveis por meio de talões de cheque. Essa regulamentação inconsistente, que ignorava a equivalência econômica entre notas bancárias e o “dinheiro de cheque”, acabou desacreditando a Currency School, que (na visão de Mises) percebia corretamente o crédito bancário sem lastro como a fonte da instabilidade nos negócios[ii]. Veremos no capítulo 8 mais detalhes sobre a teoria do ciclo de expansão e contração de Mises. Consulte as notas de rodapé deste capítulo para um artigo acadêmico que expande a teoria misesiana do ciclo econômico à luz do sistema bancário paralelo[iii].

Por sua vez, Hayek, em uma palestra de 1931, fez uma observação bastante moderna sobre as questões envolvidas com o sistema bancário paralelo, embora não tenha utilizado esse termo:

“[É] necessário levar em conta certas formas de crédito não conectadas aos bancos que ajudam, como se costuma dizer, a economizar dinheiro, ou a realizar funções para as quais, se essas formas não existissem, o dinheiro no sentido mais estrito da palavra seria necessário. O critério pelo qual podemos distinguir esses créditos circulantes de outras formas de crédito que não atuam como substitutos do dinheiro é que eles conferem a alguém os meios para adquirir bens sem, ao mesmo tempo, diminuir o poder de gasto monetário de outra pessoa. Isso é mais claramente observado quando o credor recebe uma letra de câmbio que ele pode repassar como pagamento por outros bens. Isso também se aplica a várias outras formas de crédito comercial, como, por exemplo, quando o crédito em conta é simultaneamente introduzido em várias etapas sucessivas da produção, substituindo pagamentos em dinheiro, e assim por diante. A peculiaridade característica dessas formas de crédito é que elas surgem sem estarem sujeitas a qualquer controle central, mas, uma vez existentes, sua conversibilidade em outras formas de dinheiro deve ser possível para que se evite um colapso do crédito[iv] (ênfase adicionada).

Essas breves referências ilustram que os economistas têm consciência das questões envolvendo o sistema bancário paralelo há um século. As estruturas específicas de mercado podem ser novas, mas a questão em si não é.

 

Sistema bancário paralelo durante o boom imobiliário

A natureza e os potenciais problemas do sistema bancário paralelo tornaram-se evidentes durante o boom imobiliário dos anos 2000. Para ilustrar, podemos considerar um exemplo típico: suponha que, em 2006, no auge do boom, um casal em Phoenix solicitasse uma hipoteca tradicional em seu banco local. O banco aprova a solicitação e concede o empréstimo ao casal, que então compra a casa, a qual serve como garantia do financiamento. No entanto, em vez de manter a hipoteca por trinta anos como um ativo em seu próprio balanço, o banco comercial de Phoenix imediatamente a vende para um grande banco de investimento em Nova York.

O banco de investimento sediado em Wall Street então pega a hipoteca vinculada à casa em Phoenix e a agrupa com centenas de outras hipotecas associadas a imóveis em todo os Estados Unidos, a fim de criar um título lastreado em hipotecas (mortgage-backed security, ou MBS). Todos os meses, os pagamentos das hipotecas feitos pelos compradores de imóveis espalhados pelo país fluem para o “balde” representado pelo MBS. O banco de investimento então vende “tranches” (fatias) desse MBS para outros investidores, sendo que essas tranches apresentam diferentes níveis de risco. Por exemplo, as reivindicações mais seguras representam a “fatia” mais baixa do balde que é preenchido a cada mês, enquanto as reivindicações mais arriscadas correspondem à fatia superior do balde. Se, em determinado mês, alguns compradores de imóveis atrasarem seus pagamentos hipotecários, então as fatias superiores do balde não serão preenchidas, e os investidores que detêm essas tranches específicas não receberão pagamento. Esse risco relativo, no entanto, já estava refletido no preço original (mais baixo) dessas tranches; havia a possibilidade de obter uma taxa de retorno mais alta se tudo corresse bem, mas isso vinha acompanhado de um risco maior de prejuízo.[v]

Em contraste, os investidores que compraram as tranches mais seguras dos MBS achavam que estavam sendo bastante prudentes — e, de fato, as agências de classificação de risco (como Moody’s, Fitch e S&P) concordavam com essa avaliação, atribuindo a esses ativos derivativos complexos notas de crédito triplo A. Como a carteira de hipotecas estava distribuída por todo o país e as pessoas acreditavam que “o mercado imobiliário era algo local”, parecia muito improvável que os compradores de imóveis deixassem de pagar suas hipotecas ao ponto de comprometer todo o “balde”. Embora os modelos computacionais das agências de risco reconhecessem que, por exemplo, o mercado imobiliário de Phoenix poderia desabar subitamente em 20%, a possibilidade de que o mesmo acontecesse simultaneamente em Miami ou São Francisco era tratada como um evento estatístico independente. Em retrospecto, o que de fato aconteceu, ou seja, todos os grandes mercados imobiliários dos EUA entrarem em colapso ao mesmo tempo, havia sido modelado como um cenário que só ocorreria uma vez em mil anos.

Como as principais agências de classificação atribuíram seu selo máximo de aprovação a (certos tipos de) ativos derivativos atrelados a hipotecas, fundos de pensão e outros investidores institucionais — inclusive estrangeiros — puderam se expor ao aquecido mercado imobiliário, aparentemente sem assumir o risco habitual. Como o banco comercial em Phoenix não pretendia manter a hipoteca original em sua carteira, teve menos incentivo para avaliar cuidadosamente a solicitação apresentada pelo casal, verificando, por exemplo, se eles tinham renda estável e se podiam arcar com os custos da casa. Todo esse processo ajuda a explicar por que as salvaguardas de crédito tradicionais foram abandonadas e como os compradores continuaram a impulsionar os preços dos imóveis à medida que a bolha crescia.

Dependendo de suas visões de mundo e orientações políticas, os analistas tiveram reações bastante distintas ao boom e ao colapso do mercado imobiliário. Alguns culparam a “desregulamentação” e apontaram para o sistema bancário paralelo como prova de que mais fiscalização governamental era necessária para tapar as brechas. Outros argumentaram que o governo jamais conseguiria acompanhar a evolução dos mercados e que os culpados eram os subsídios habitacionais estatais e os bancos centrais, com suas políticas de crédito fácil.[vi] De qualquer forma, é importante compreender o papel do sistema bancário paralelo para entender a crise financeira que eclodiu no outono de 2008.

 

LIBOR e o Eurodólar

LIBOR é a sigla para London Inter-Bank Offered Rate (taxa interbancária oferecida em Londres) e representa a média de uma pesquisa sobre a taxa de juros que os principais bancos em Londres estimam que lhes seria cobrada por empréstimos de outros bancos. Tradicionalmente, a Thomson Reuters calculava a LIBOR para cinco moedas diferentes (dólar americano, euro, libra esterlina, iene e franco suíço) e para sete prazos de empréstimo (variando de um empréstimo overnight até vencimentos de um ano). Durante décadas, a medida relevante da LIBOR serviu como referência para calibrar outras taxas de juros e ativos derivativos. No entanto, após acordos judiciais decorrentes de acusações de manipulação de preços por grandes bancos e outros fatores relacionados à evolução das finanças globais, a LIBOR foi programada para ser descontinuada ao final de 2021.

O termo Eurodólar refere-se, na verdade, a qualquer depósito denominado em dólares americanos mantido em uma instituição financeira fora dos Estados Unidos, ou até mesmo a um depósito em dólares mantido por um banco estrangeiro dentro dos EUA. Portanto, o termo não tem relação com a moeda euro, nem se restringe a dólares mantidos na Europa; trata-se de depósitos em dólares que não estão sujeitos às mesmas regulamentações que os dólares mantidos por bancos americanos, nem contam com a proteção da FDIC (Federal Deposit Insurance Corporation, agência americana responsável por assegurar depósitos), razão pela qual costumam oferecer uma taxa de retorno mais elevada. Conforme explica o CME Group em seu site:

“Após a Segunda Guerra Mundial, à medida que as economias em recuperação começaram gradualmente a acumular dólares americanos, alguns países preferiram não repatriar esses dólares por meio de bancos dos Estados Unidos, optando por mantê-los em offshores, principalmente em bancos sediados em Londres, fora do alcance do governo dos EUA.

“Com o tempo, formou-se um mercado de empréstimos bancários em torno desse volume de recursos.

“Os banqueiros britânicos passaram a se referir às taxas de empréstimo nesse mercado como London Inter-Bank Offer Rate, também conhecida como ICE LIBOR”[vii].

Por sua própria natureza, o mercado de eurodólares é mais difícil de quantificar do que o mercado convencional com base nos Estados Unidos. No entanto, um estudo estimou que, em seu pico antes da crise financeira de 2008, o tamanho do mercado de eurodólares correspondia a 87% do sistema bancário norte-americano[viii].

 

O mercado de recompra (repo) e o Fed

Um contrato de recompra (ou repo, no termo em inglês) é um método prático utilizado pelos participantes do mercado para negociar empréstimos de curto prazo com garantia. Se uma empresa possui ativos líquidos, como títulos do Tesouro dos EUA (US Treasuries), mas precisa de uma injeção rápida de dinheiro, ela pode vender esses títulos acompanhados de uma obrigação contratual de recomprá-los num futuro próximo, por um preço ligeiramente maior. Conceitualmente, esse arranjo equivale a tomar dinheiro emprestado com o compromisso de devolver o principal mais os juros, oferecendo os títulos do Tesouro como garantia em caso de inadimplência. (Um reverse repo é a mesma operação, mas do ponto de vista da contraparte que, na prática, está emprestando seu excesso de caixa.) À medida que o mercado tem adotado os repos como método popular de financiamento de curto prazo, os bancos centrais e outros reguladores passaram a demonstrar maior interesse por eles.

Para se ter uma ideia do tamanho e da importância do mercado de repo, podemos citar um artigo de 2020 do Federal Reserve Bank de Richmond:

“Em 17 de março de 2020, em meio à turbulência nos mercados causada pela pandemia de coronavírus, o Federal Reserve reintroduziu sua linha de crédito para negociadores primários, conhecida como PDCF (Primary Dealer Credit Facility). O Fed havia criado essa linha de crédito pela primeira vez durante a crise financeira de 2007-2008 para aliviar as severas tensões no mercado de “repos”. Embora seja amplamente invisível ao público em geral, o mercado de repos desempenha um papel importante na transmissão da política monetária. Ele também é uma fonte crítica de financiamento para empresas financeiras não bancárias, incluindo corretoras de valores mobiliários e fundos de investimento imobiliário especializados em hipotecas. No final de 2019, as empresas financeiras dependiam dos mercados de repos para mais de US$ 4 trilhões em fundos emprestados para apoiar suas atividades. A renovada PDCF foi projetada para conceder empréstimos a negociadores primários de títulos do Tesouro dos EUA, que estão posicionados para canalizar liquidez para os mercados de repos em um ambiente econômico que os formuladores de políticas esperam ser difícil”.[ix]

Em setembro de 2019 (bem antes do pânico causado pelo coronavírus), houve um aumento repentino nas taxas de juros (implícitas) nos mercados de repos, onde a taxa de empréstimos overnight saltou de 2,2% para 6% em dois dias. Em resposta, o Fed de Nova York anunciou que entraria no mercado de repos para fornecer seu próprio financiamento (e, assim, suprimir as taxas de juros), comprometendo-se a fornecer até US$ 75 bilhões para empréstimos overnight e pelo menos US$ 30 bilhões para financiamento de 14 dias.[x]

Defensores do Fed foram rápidos em negar que essas ações no mercado de repos em setembro de 2019 fossem uma retomada do “QE” (quantitative easing), descrevendo-as, em vez disso, como uma mera operação técnica para promover a eficiência do mercado. De qualquer forma, o episódio destacou, no mínimo, a contínua fragilidade do setor financeiro dos EUA e a dificuldade de remover a presença do banco central após sua intervenção maciça após a crise de 2008.

 

O BIS e os Acordos de Basileia

O Banco de Compensações Internacionais (BIS) foi fundado em 1930 e tem sua sede na Basileia, Suíça. Conforme descrito em seu site oficial, sua missão é “apoiar os bancos centrais na busca pela estabilidade monetária e financeira por meio da cooperação internacional, e atuar como um banco para os bancos centrais”. Atualmente, o BIS é propriedade de 63 bancos centrais, representando países de todo o mundo que, juntos, respondem por aproximadamente 95% do PIB global.

Após o colapso final do sistema de Bretton Woods em 1971 (discutido brevemente no capítulo 2), os banqueiros centrais das principais potências buscaram um novo marco regulatório para as finanças globais. Consequentemente, o BIS formou, em 1974, o que hoje é chamado de Comitê de Basileia para Supervisão Bancária (BCBS), com o objetivo declarado de aprimorar “a estabilidade financeira por meio da melhoria do conhecimento em supervisão e da qualidade da supervisão bancária em todo o mundo”.[xi]

O Comitê de Supervisão Bancária da Basileia (BCBS) forneceu, ao longo dos anos, três atualizações principais em suas diretrizes para bancos centrais e governos. O primeiro Acordo da Basileia (ou Basileia I) foi formalmente emitido em 1988. Entre outras disposições, recomendava que bancos operando internacionalmente mantivessem uma razão de capital para ativos ponderados pelo risco de, no mínimo, 8%. O Basileia I também definiu os tipos de capital "nível 1" e "nível 2", designando as diferentes fontes de financiamento que os bancos poderiam usar para satisfazer esse requisito. O capital de nível 1 inclui ações ordinárias dos acionistas, sendo a fonte mais confiável de financiamento, já que não pode ser "resgatado" ou retirado pelos contribuintes originais em caso de queda do mercado. O capital de nível 2 inclui instrumentos híbridos, alguns dos quais, como dívidas subordinadas, misturam características de ações e dívidas.

O Basileia II foi emitido em 2004 e refinou as definições de vários conceitos regulatórios usados no Basileia I, utilizando a classificação de crédito de certos ativos para determinar sua ponderação de risco. Também introduziu a noção de capital de nível 3, que é menos confiável do que os níveis 1 ou 2. O Basileia III foi publicado em 2010 e introduziu requisitos adicionais de "teste de estresse" para a solidez dos bancos após a crise financeira. O Acordo eliminou o uso do capital mais fraco (nível 3) para satisfazer os requisitos regulatórios e destacou o perigo de instituições financeiras que eram "grandes demais para falir".

É importante ressaltar que, estritamente falando, os Acordos da Basileia são apenas recomendações ou diretrizes, das quais os diversos governos e bancos centrais ao redor do mundo podem adotar partes para sua própria regulação doméstica do setor financeiro. Por exemplo, embora o Basileia III tenha sido publicado no final de 2010, o Federal Reserve dos EUA esperou até o final de 2011 para anunciar que adotaria a maioria das novas diretrizes e, mesmo assim, elas seriam implementadas ao longo de vários anos.

 

Reservas bancárias versus capital bancário

Conforme explicado na seção anterior, um dos principais aprendizados decorrentes dos Acordos de Basileia foi o fortalecimento dos requisitos de capital para os bancos (e outras instituições financeiras relevantes). Esses requisitos diferem das exigências de reservas, que são abordadas nos livros didáticos padrão sobre dinheiro e bancos. Nesta seção final do capítulo, ilustraremos essa distinção por meio de um exemplo simplificado.

Considere o caso hipotético do Banco Comercial Acme. Quando o Acme é legalmente constituído, ele recebe US$ 5 milhões de investidores que desejam se tornar acionistas do novo banco. Em seguida, o banco inicia suas operações e aceita US$ 95 milhões de clientes que depositam esses fundos em suas novas contas correntes no Acme. Suponha ainda que todo o dinheiro transferido para a posse do Acme venha na forma de cheques emitidos em contas correntes pré-existentes em outros bancos. Quando o Acme envia esses cheques para processamento, o que acontece, em última análise, é que o Federal Reserve debita o montante das contas de outros bancos (como o Bank of America, Citibank etc.) mantidas no Federal Reserve e credita o valor correspondente na conta mantida pelo Acme.

Neste ponto, os gerentes do Acme possuem US$ 100 milhões em ativos, na forma de depósitos eletrônicos refletidos na conta do Acme junto ao Federal Reserve. No entanto, o Acme precisa manter parte desse dinheiro na forma de moeda física em seus cofres (e caixas eletrônicos), caso seus clientes queiram sacar parte de seus saldos em conta corrente. Portanto, o Acme solicita US$ 6 milhões em moeda física, o que reduz seu saldo eletrônico junto ao Fed para US$ 94 milhões. Dessa quantia, o Acme então empresta US$ 90 milhões a novos compradores de imóveis que solicitam hipotecas ao Acme. (Assuma que todo o dinheiro gasto nas casas seja depositado por clientes de outros bancos.) Após a conclusão dessas operações, o balanço patrimonial do Acme se apresenta da seguinte forma:

 

Ativos

Passivos e Patrimônio líquido

US$: 6 milhões em dinheiro no cofre

US$: 95 milhões em saldos de contas correntes de clientes

US$: 4 milhões em depósitos eletrônicos com o Fed

US$: 5 milhões em patrimônio líquido (Capital do Banco Acme)

US$: 90 milhões em hipotecas residenciais

 

-

TOTAL = US$:100 milhões

TOTAL = US$:100 milhões

 

Neste exemplo simples, o Banco Acme atenderia a um requisito de reserva de 10%. Especificamente, os clientes do Acme possuem, no total, US$ 95 milhões depositados em contas correntes no banco. O tradicional requisito de reserva de 10% — que nos Estados Unidos foi descontinuado em 2020, conforme explicamos no capítulo 7 — significa que o Acme deve manter pelo menos US$ 9,5 milhões na forma de reservas, o que inclui tanto moeda em caixa quanto depósitos eletrônicos mantidos no Federal Reserve. Conforme indicado no balanço patrimonial, o Acme mantém, na verdade, US$ 10 milhões em reservas (US$ 6 milhões em dinheiro no cofre e US$ 4 milhões em depósitos eletrônicos junto ao Fed). Assim, ele atende aos requisitos tradicionais de reserva e ainda possui US$ 500 mil em reservas excedentes, que o Acme estaria autorizado a emprestar para novos tomadores de empréstimos.

No entanto, ao calcularmos a razão entre o capital do Acme e seus ativos totais, vemos que ela é de apenas 5% (US$ 5 milhões / US$ 100 milhões = 5%). Se o Acme estiver sujeito a um regime regulatório que exija uma razão mínima de capital de 8%[xii], então ele está abaixo do exigido. Mesmo que o Acme cumpra os requisitos de reserva, os reguladores ainda poderiam afirmar que o banco está “altamente alavancado” ou “subcapitalizado”, porque sua carteira de ativos depende excessivamente de recursos obtidos de depositantes, em vez de investidores. Considere: se o mercado imobiliário sofresse uma queda inesperada e o valor de mercado das hipotecas do Acme caísse meros 5% (ou seja, US$ 4,5 milhões), o capital do Acme, definido como ativos menos passivos, seria quase completamente eliminado. É por isso que, mantendo-se todas as outras condições constantes, quanto mais capital uma instituição financeira possui, melhor ela pode lidar com uma queda acentuada no valor de seus ativos.

 

Notas:

[i] Consulte Laura E. Kodres, "Shadow Banks: Out of the Eyes of Regulators", Finance and Development, 31 de maio de 2018, https://www.imf.org/external/pubs/ft/fandd/basics/52-shadow-banking.htm.

[ii] Ver Joseph T. Salerno, “Ludwig von Mises as Currency School Free Banker”, em Jörg Guido Hülsmann, ed., The Theory of Money and Fiduciary Media: Essays in Celebration of the Centennial (Auburn, Ala.: Mises Institute, 2012), cap. 5. https://cdn.mises.org/Theory%20of%20Money%20and%20Fiduciary%20Media.pdf.

[iii] Consulte Arkadiusz Sieron, “The Role of Shadow Banking in the Business Cycle”, Quarterly Journal of Austrian Economics 19, no. 4 (2016), disponível em: https://mises.org/wire/role-shadow-banking-business-cycle

[iv] F.A. Hayek, “Lecture IV: The Case for and Against an ‘Elastic Currency,’” em Joseph T. Salerno, ed., Prices and Production and Other Works: F.A. Hayek on Money, the Business Cycle, and the Gold Standard (1931; repr., Auburn, Ala.: Ludwig von Mises Institute, 2008), pp. 283–300,

https://mises.org/library/prices-and-production-and-other-works.

[v] Para obter uma introdução sobre investimentos em tranches derivadas de ativos baseados em hipotecas, consulte: James Chen, “Tranches”, Investopedia, última modificação em 27 de novembro de 2020, https://www.investopedia.com/terms/t/tranches.asp.

[vi] O Capítulo 11 argumenta que o Federal Reserve contribuiu para a bolha imobiliária dos EUA. Para um tratamento mais elaborado, incluindo o papel dos programas e regulamentações do governo federal que incentivaram os empréstimos hipotecários a tomadores de alto risco, consulte Thomas E. Woods, Jr., Meltdown: A Free-Market Look at Why the Stock Market Collapsed, the Economy Tanked, and Government Bailouts Will Make Things Worse (Washington, D.C.: Regnery Publishing, 2009).

[vii] Consulte CME Group, “What Is ICE LIBOR/What Is Eurodollar,” Curso de Introdução sobre Eurodolares, acessado em 21 de junho de 2021, https://www.cmegroup.com/education/courses/introduction-to-eurodollars/what-is-libor-what-is-eurodollar.html#.

[viii] Veja Neels Heyneke and Mehul Daya, The Rise and Fall of the Eurodollar System (Nedbank, September 2016), p. 3, https://www.nedbank.co.za/content/dam/nedbank-crp/reports/Strategy/NeelsAndMehul/2016/September/TheRiseAndFallOfTheEurodollarSystem_160907.pdf.

[ix] Veja: https://www.richmondfed.org/publications/research/econ_focus/2020/q1/federal_reserve.

[x] Veja: https://www.newyorkfed.org/markets/opolicy/operating_policy_190920.

[xi] Grande parte do material sobre os Acordos da Basileia nesta seção foi extraído de James Chen, “Basel Accord”, última modificação em 10 de março de 2021, https://www.investopedia.com/terms/b/basel_accord.asp.

[xii] No mundo real, os requisitos de capital contidos nos Acordos da Basileia e nas regulamentações específicas de cada país normalmente medem o capital em relação aos ativos “ponderados pelo risco”. Em nosso exemplo, estamos ignorando o risco das hipotecas para manter as coisas simples.

 

Este artigo foi inicialmente publicado no Mises Institute.

 

Recomendações de leitura:

Capítulo 1: A teoria e uma breve história do dinheiro e dos bancos

Capítulo 2: Uma breve história do padrão ouro, com um foco no caso americano

Capítulo 3: A história e a estrutura do Federal Reserve

Capítulo 4: Operações padrão de mercado aberto: como o Fed e os bancos comerciais “criam dinheiro”

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Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil.

Sobre o autor

Robert P. Murphy

É Ph.D em economia pela New York University, economista do Institute for Energy Research, um scholar adjunto do Mises Institute.

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