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Economia

A moeda é ou não é neutra?

A neutralidade e a não neutralidade da moeda sob a perspectiva de diferentes escolas de pensamento econômico

26/04/2024

A moeda é ou não é neutra?

A neutralidade e a não neutralidade da moeda sob a perspectiva de diferentes escolas de pensamento econômico

O conceito de moeda neutra ou não neutra se refere ao impacto que mudanças no estoque de moeda causam na economia. E isso importa porque diferentes políticas econômicas serão ou não adotadas dependendo de como os formuladores entendem esse conceito.

Novos-clássicos

A dicotomia clássica, ponto fundamental da escola Clássica, refere-se à separação entre as variáveis reais e as variáveis nominais da economia. Para os Clássicos, apenas as variáveis nominais são afetadas pelo lado monetário, enquanto as variáveis reais, como o Produto Interno Bruto (PIB) real e desemprego, por exemplo, não são. Desse modo, aumentos no estoque monetário gerariam apenas aumentos de preços, conforme pressupõe a Teoria Quantitativa da Moeda (TQM). Ou seja, para os Clássicos a moeda é neutra.

Seguindo a tradição Clássica, a escola dos novos-clássicos, formada por economistas como Robert Lucas, Thomas Sargent e Neil Wallace, também trata a moeda como neutra. Apesar de se basearem muito nas premissas monetaristas, e terem sofrido considerável influência de Friedman, os novos-clássicos basearam seus modelos de equilíbrio geral de acordo com a metodologia Walrasiana, enquanto Friedman utilizou os modelos de Marshall. Além disso, consideram que as expectativas não são formadas olhando para trás (backward-looking), conforme Friedman supunha com sua teoria das expectativas adaptativas, mas a partir das informações que o agente dispõe. Essa teoria supõe que os agentes são racionais, ou seja, erros sucessivos não são cometidos, já que os agentes aprendem com seus erros e utilizam todas as informações disponíveis para tomar suas decisões. A teoria das expectativas racionais rendeu a Lucas o Nobel em 1995.

Em um modelo onde os agentes possuem expectativas racionais, as políticas econômicas não são capazes de atingir seus objetivos, visto que os agentes irão se antecipar, prevendo os resultados. Consequentemente, a política econômica implantada tem um resultado diferente do esperado. Por exemplo, considerando que os agentes econômicos saibam que aumentos da oferta de moeda têm como consequência uma tendência de elevação de preços, um anúncio de uma política monetária expansionista por parte do banco central faria com que os agentes se antecipassem e reajustassem os preços e salários. Dessa forma, o único resultado obtido por essa política seria o aumento de preços. Portanto, para os novos-clássicos a moeda é super neutra, não tendo impacto sobre as variáveis reais da economia.

Segundo essa visão, a dicotomia clássica só é quebrada em algumas situações de curto prazo, já que uma política monetária surpresa poderia afetar as variáveis reais. Entretanto, essa quebra não traria benefícios para a economia, pois um banco central que não emite sinais claros aos agentes econômicos perde sua credibilidade, promovendo muito mais instabilidade econômica.

Outro importante ponto abordado pelos novos-clássicos se refere à assimetria de informação. Apesar dos agentes formarem suas expectativas de forma racional, eles utilizam as informações disponíveis para tomarem suas decisões, e isso não significa que as informações sejam perfeitas ou completas. Portanto, mesmo com expectativas racionais, os agentes podem cometer erros.

Muitas vezes, os agentes conhecem bem o seu nicho de mercado, mas não têm uma leitura macroeconômica perfeita. Assim, certos agentes, em determinados momentos, não conseguem distinguir se aumentos de preços se deram por um aumento da demanda pelos seus produtos e serviços, ou se o que está havendo é um aumento do nível geral de preços. Essa dificuldade de distinção entre uma variação de preços relativos e um aumento do nível geral de preços faz com que o agente decida expandir sua produção. Nessas situações, uma expansão monetária afeta as variáveis reais da economia no curto prazo. Porém, conforme os agentes percebam seus equívocos, começam a reajustar seus planos, e a moeda continua sendo neutra no longo prazo.

Portanto, para os novos-clássicos, políticas monetárias não têm impacto no lado real da economia e, quando têm, isso se dá apenas no curto prazo por motivos indesejados. Dessa forma, não são recomendadas.

Novos-keynesianos

Seguindo algumas das mesmas premissas, os novos-keynesianos têm uma visão um pouco diferente. Economistas como Mankiw, Blanchard, Bernake e Yellen, por exemplo, discordam dos novos-clássicos e apresentam um questionamento maior no que consideram ser o cerne da questão a respeito da lenta recuperação econômica após uma recessão, justificando a existência de ciclos econômicos através da imperfeição dos mercados e a rigidez dos preços e salários.

Baseado nessas hipóteses, para os novos-keynesianos a moeda não é neutra no curto prazo, e sua não neutralidade é justificada por fatores como a rigidez de preços e salários, que impede um ajuste instantâneo da economia. Dessa forma, eles encaram a política monetária atuante como um fator que pode apresentar resultados positivos e que se utilizada da maneira correta pode retirar a economia de uma espiral deflacionária e curar uma recessão. Não é à toa que essa é a escola dominante no controle dos bancos centrais, já que consideram a política monetária eficaz no sentido de afetar as variáveis reais da economia, podendo causar efeitos positivos no produto e na redução do desemprego. Entretanto, os novos-keynesianos consideram a neutralidade da moeda no longo prazo, quando, teoricamente, a economia tenha atingido o equilíbrio de pleno emprego.

Pós-keynesianos

Seguindo a vertente keynesiana, porém uma ala mais radical, temos a escola pós-keynesiana. Buscando retomar as propostas de Keynes da "Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda", publicada em 1936, a teoria pós-keynesiana tem por objetivo resgatar as ideias fiéis a Keynes. Minsky, Davidson e um dos principais defensores da famosa e terrível teoria monetária moderna, Randall Wray, são alguns dos economistas que representam essa escola. E, como a teoria monetária moderna é parte dessa linha de pensamento, não é difícil supor qual a visão deles em relação a intervenções na economia.

Diferente das escolas anteriormente apresentadas, para os pós-keynesianos a moeda não é neutra nem no longo prazo. Isto é, alterações na oferta monetária impactam a economia real, inclusive no longo prazo. E esse impacto, segundo eles, é positivo.

De acordo com os pós-keynesianos, em um ambiente de incerteza, o investimento privado depende das expectativas dos agentes frente ao futuro. Quando a expectativa de demanda futura não é positiva, os empresários não estarão dispostos a investir. Esse é o princípio da demanda efetiva em Keynes. Em um cenário de pessimismo por parte dos agentes, o espírito animal do empresário se mantém cauteloso, evitando assumir o risco, dificultando uma retomada da economia.

Para os pós-keynesianos, operações de mercado aberto, nas quais o banco central atua comprando e vendendo títulos, podem impactar nas decisões empresariais, já que investidores pesam em suas escolhas a rentabilidade e a liquidez dos ativos que irão compor seus portfólios. Quando títulos possuem uma taxa de juros que supera o retorno esperado do investimento em bens de capital, investidores irão alocar seus recursos em títulos, já que, além de um retorno superior, também conferem a eles maior liquidez. Dessa forma, uma intervenção do banco central no sentido de reduzir a taxa de juros da economia pode estimular a demanda por bens de capital, afetando as decisões do setor privado. Portanto, a política monetária se torna eficiente quando consegue fazer com que o dinheiro flua do circuito financeiro – investimento em títulos – para o circuito industrial – investimento em bens de capital –, promovendo com isso um incentivo ao investimento, renda e emprego.

Escola Austríaca

Assim como os pós-keynesianos, a Escola Austríaca de economia também considera a moeda como não neutra, inclusive no longo prazo. Entretanto, os motivos para isso são diametralmente opostos.

Para a Escola Austríaca, as consequências geradas pela expansão da oferta monetária são sempre negativas. Esta ideia está fundamentada no efeito Cantillon, teoria que recebeu esse nome devido a Richard Cantillon (1680-1734), sendo posteriormente tratada por Mises no desenvolvimento da teoria austríaca dos ciclos econômicos.

O efeito Cantillon se refere à forma como esse novo dinheiro introduzido na economia não é distribuído uniformemente aos agentes econômicos. Portanto, como a moeda atinge diferentes setores da economia de maneira heterogênea, o impacto gerado nas diferentes mercadorias não se dá de forma proporcional, provocando distorção nos preços relativos. Ou seja, a distribuição não se dá de forma neutra e impacta o setor real da economia.

Essa entrada de dinheiro novo impactando as mercadorias de maneira desproporcional foi chamada de Efeito Cantillon, termo cunhado por Blaug em 1989. Essa expressão traz a ideia de que as alterações dos preços dos bens e serviços causados por um aumento da quantidade de dinheiro dependem da forma como o dinheiro novo é inserido na economia.

Dessa forma, para os economistas Austríacos, a não neutralidade da moeda se dá pela forma como ela distorce os preços relativos, afetando diferentes indivíduos de maneira heterogênea. Esse dinheiro novo causa uma redistribuição de renda na sociedade, já que promove uma realocação de recursos na medida em que vai penetrando nos diferentes setores de maneira não uniforme.

A partir desse entendimento, intervenções da autoridade monetária no sentido de buscar estimular a economia através de políticas monetárias expansionistas são veementemente rejeitadas pela Escola Austríaca. Para eles, o único resultado obtido com expansões artificiais da quantidade de dinheiro na economia e manipulações da taxa de juros para estimular a tomada de crédito é o aumento e uma prejudicial distorção na estrutura de preços. Dessa forma, como a expansão não ocorre de maneira homogênea, grupos de indivíduos que acessam esse dinheiro novo de forma antecipada se beneficiarão em detrimento dos menos favorecidos, que só terão acesso a esse dinheiro quando todos os preços ou a maioria deles já tiverem subido, comprometendo seu poder de compra.

Portanto, a não neutralidade da moeda não deve ser utilizada com objetivos de promover estímulos artificiais na economia, já que o resultado desse tipo de política econômica é perverso, pois desestimula a poupança, promove distorções nos preços relativos, desigualdade social e crescimento insustentável. Quando essas políticas são intensas e duradouras, as consequências em geral são nefastas, criando ciclos econômicos que terminam em recessão e, em última instância, crises agudas como a Grande Depressão de 1929 e a crise financeira global de 2008.

Conclusão

Há bastante divergência entre as linhas de pensamento econômico acerca do impacto que a moeda pode causar na economia. Como é possível notar, considerar a moeda como neutra ou não neutra não significa compreender as consequências de uma expansão monetária da mesma maneira. Cada escola tem suas hipóteses e um entendimento específico e diferenciado quanto aos efeitos da manipulação da oferta de moeda através de intervenções governamentais via política monetária.

A expansão monetária se revela bastante útil quando governos precisam gastar mais para aquecer a economia por motivos eleitoreiros, criando um ambiente favorável na economia no curto prazo, mas que no longo prazo apresenta um resultado geralmente problemático, como aumento de preços, malinvestments e ciclos econômicos.

O monopólio estatal do controle da moeda vem gerando ao longo das décadas a perda de poder de compra da população, empobrecimento da sociedade, bolhas financeiras, ciclos econômicos e o desperdício de recursos escassos. É essa expropriação silenciosa via inflação monetária que possibilita o contínuo agigantamento dos estados. Conforme dito por Hayek, não é sensato crer que o estado tenha qualquer interesse em nos fornecer um “dinheiro bom". O que o estado realmente quer é o monopólio da produção do dinheiro, de modo que ele possa distribuir favores e benesses para seus grupos de eleitores favoritos. Nas palavras de Hayek, “a moeda é certamente um instrumento muito perigoso para ser deixado à fortuita conveniência dos políticos”.

 

Para continuar a leitura:

Expectativas e a Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos

Bastiat versus MMT

As três categorias de proponentes da MMT

O tenebroso conto de fadas da Teoria Monetária Moderna

Cantillon, os ciclos econômicos e a não-neutralidade da moeda

A falácia da (super)neutralidade da moeda

Sobre a não neutralidade da moeda

A deflação provoca uma redistribuição arbitrária da riqueza?

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Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil.

Sobre o autor

Bernardo Santana e Elaine Arantes

Bernardo Santana, economista pela UFRJ, Mestre em Economia na UFF. Elaine Arantes, Mestre e Doutora em Administração (PUC/PR) com Pós-doutorado em Ciências Aeroespaciais (UBI/Portugal), docente no IFPR. Ambos são especialistas em Escola Austríaca de Economia pelo Instituto Mises Brasil.

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