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Economia

Como os bancos criam dinheiro?

Richard Werner e o “experimento” de criação de crédito

03/09/2025

Como os bancos criam dinheiro?

Richard Werner e o “experimento” de criação de crédito

Richard Werner discutiu três visões distintas sobre o funcionamento dos bancos durante sua participação no programa de Tucker Carlson:

- A teoria da intermediação financeira;

- A teoria das reservas fracionárias (que inclui o conceito de “multiplicador monetário”);

- A teoria da criação de crédito.

Werner afirma ter comprovado empiricamente a teoria da criação de crédito ao observar um banco concedendo um empréstimo. Com base nessa constatação, ele rejeita as outras duas teorias.

A teoria da intermediação financeira sustenta que os bancos captam recursos de depositantes e poupadores e usam esses fundos como base para conceder empréstimos a tomadores, como financiamentos empresariais, hipotecas etc. Dessa forma, os bancos atuariam como meros intermediários entre quem poupa e quem toma emprestado. Werner argumenta que essa visão é predominante e que levou a profissão de economista, de maneira geral, a desconsiderar inadequadamente os bancos e sua real influência sobre a economia.

A teoria das reservas fracionárias parte da teoria da intermediação financeira, mas depois pergunta: “O que acontece quando aqueles que recebem empréstimos bancários gastam esse dinheiro e ele é depositado em outros bancos?” A resposta é: esses outros bancos passam a ter a capacidade de conceder crédito. Como os bancos mantêm apenas uma fração dos depósitos em reserva, novos depósitos possibilitam novos empréstimos. O chamado “multiplicador monetário” refere-se à medida em que o sistema bancário pode expandir a oferta de dinheiro com base na razão entre reservas e empréstimos.

Já a teoria da criação de crédito afirma que os bancos não consideram as reservas ao conceder empréstimos. Em vez de receber primeiro os depósitos e depois emprestar com base em uma proporção desejada de reservas, os bancos criam novo dinheiro ao conceder empréstimos fundamentados apenas na lucratividade esperada da operação. Dessa forma, os bancos criam crédito (e dinheiro) ex nihilo (“do nada”).

Então, qual teoria está correta e quais das duas restantes estão erradas?

Infelizmente, essa é a pergunta errada. Ela parte do pressuposto de que as teorias são mutuamente exclusivas. Uma questão melhor, se não assumirmos exclusividade, seria: “Qual teoria nos oferece a visão mais completa ou a explicação mais abrangente sobre o que realmente acontece no sistema bancário”?

 

Exemplo A

Considere um único banco, o Banco A, que recebe um novo depósito na quantia de US$ 100 de Richard. Logo após essa transação, o Banco A tem novos ativos (+ US$ 100 em reservas) e novos passivos (+ US$ 100 na demanda por depósitos à vista). A próxima pessoa na fila do banco é Bob, que está procurando um empréstimo de US$ 90 para comprar um tabuleiro de xadrez. O Banco A, amparado pelo depósito feito por Richard, considera o crédito de Bob, a taxa de juros que ele está disposto a pagar e a probabilidade de Richard, ou de outros depositantes, querer retirar seus depósitos antes que Bob devolva o dinheiro ao banco. Diante disso, o Banco A concede o empréstimo.

Até aqui, descrevemos uma situação que se assemelha à teoria da intermediação financeira. Existem alguns debates (e questões não resolvidas, ainda mais discussões não resolvidas e até mais do que simples discussões) entre os defensores do sistema de reservas integrais de inspiração rothbardiana e os defensores do sistema de reservas fracionárias (conhecidos como “free bankers”), a respeito da natureza dos depósitos à vista e se eles realmente representam a poupança dos depositantes. Mas isso foge ao ponto que estamos abordando aqui. Deixando essas questões de lado, o Banco A está usando o depósito de Richard como base para conceder um novo empréstimo a Bob.

 

Exemplo B

A história continua: Bob pega os US$ 90 que tomou emprestado e compra um tabuleiro de xadrez de Tom. Tom é cliente do Banco B, e, portanto, deposita lá os US$ 90 recebidos. O Banco B fica satisfeito com o depósito de Tom, pois agora pode conceder novos empréstimos lucrativos a outros clientes. Se tanto o Banco A quanto o Banco B decidirem que manter 10% em reservas é uma proteção prudente contra as demandas de saque dos depositantes e contra a compensação interbancária, então o Banco B poderá conceder novos empréstimos de até US$ 81 a tomadores. Esses tomadores, por sua vez, gastam o dinheiro e o depositam em seus respectivos bancos, e o ciclo continua. A cada etapa, a oferta de moeda (que inclui os depósitos à vista) cresce em uma quantidade menor, mas esse crescimento pode atingir um máximo teórico de dez vezes o valor do depósito inicial. (Nesse exemplo, o multiplicador monetário é igual a dez, calculado pelo inverso da taxa de reservas de 10%).

Não introduzimos nenhuma suposição absurda. Apenas consideramos o que pode acontecer quando os tomadores pegam o dinheiro emprestado e o utilizam. O resultado: a teoria das reservas fracionárias da atividade bancária.

Essas duas “teorias”, portanto, não são propriamente teorias, e tampouco são mutuamente exclusivas. Elas apenas descrevem diferentes aspectos da forma como depositantes, bancos e tomadores interagem. A visão da intermediação financeira observa um depositante, um banco e um tomador. Já a visão das reservas fracionárias analisa o que acontece quando outro banco recebe fundos emprestados pelo banco original e, em seguida, concede um novo empréstimo, ou seja, considerando múltiplos depositantes, múltiplos bancos e múltiplos tomadores.

 

Exemplo C

Em algum outro lugar no sistema bancário, está o Banco C. Ele não está envolvido na história que envolve o Banco A, Banco B, Richard, Bob, Tom e todos os demais tomadores e depositantes que poderiam ser afetados pelo depósito inicial de Richard. Suponha que Joe entre no Banco C procurando uma hipoteca de US$ 300.000. O Banco C avalia a capacidade de crédito de Joe, a taxa de juros que ele está disposto a pagar e a probabilidade de que seus depositantes queiram sacar seus fundos antes que Joe devolva o empréstimo. O Banco C concede o financiamento.

Esse ato, por si só, não foi necessariamente precedido por alguém fazendo um depósito para que, então, o Banco C decidisse retornar à sua proporção de reservas desejada ao conceder o empréstimo a Joe. Pode ser que o Banco C tenha considerado que sua proporção de reservas anterior já era mais do que suficiente para cobrir as demandas de saque e a compensação interbancária e, por isso, concedeu o empréstimo simplesmente criando novos passivos para si mesmo ex nihilo.

Agora temos uma situação que se assemelha à teoria (ou visão) da criação de crédito.

 

Visões restritas e visões sistêmicas

Lembra-se, no entanto, de quando o Banco A concedeu um empréstimo para o Bob? Essa ação isolada parece ser exatamente a mesma do que a descrita no empréstimo concedido ao Joe! Tudo o que fizemos foi colocar Richard, o depositante, na fila antes de Bob, o tomador de empréstimo. Nós poderíamos facilmente ter trocado suas posições na fila e teríamos uma história similar para contar:

“Considere um banco individual, o Banco A, que recebe um novo pedido de empréstimo de Bob, no valor de US$ 90. Bob quer usar o dinheiro para comprar um tabuleiro de xadrez. O Banco A avalia a capacidade de crédito de Bob, a taxa de juros que ele está disposto a pagar e a probabilidade de que outros depositantes queiram sacar seus fundos antes que Bob devolva o empréstimo. O Banco A concede o financiamento. O próximo cliente na fila é Richard, que deposita US$ 100 em sua conta corrente (…)”.

Portanto, a teoria da criação de crédito tem uma visão mais restrita, observa apenas a concessão de um empréstimo. É óbvio que as três visões não são incompatíveis umas com as outras. Elas apenas descrevem partes diferentes da história.

O fato de a visão da criação de crédito ter um foco mais estreito não significa, necessariamente, que ela esteja errada. Como Bob Murphy destacou em nosso episódio do Human Action Podcast sobre esse tema, a emissão de empréstimos pelos bancos de reserva fracionária é justamente o modo pelo qual a oferta monetária se expande. Vale a pena dedicar um tempo para observar esse ato singular, pois é aí que a “magia” (sombria) acontece. A perspectiva das reservas fracionárias/multiplicador monetário adota uma visão mais abrangente, considerando de forma sistemática o que possibilita e o que limita a criação de dinheiro pelos bancos. Veja, por exemplo, o livro Mystery of Banking, de Rothbard (p. 97), para um exemplo do ato de criação de crédito por um banco aumentando a oferta monetária. Embora Rothbard destaque o fato de que o empréstimo de um banco de reserva fracionária cria dinheiro ex nihilo, ele amplia a análise em seguida, examinando o sistema bancário como um todo para explicar o multiplicador monetário no capítulo oito.

 

O “experimento” de Werner

No teste empírico de Richard Werner, ele observou o balanço patrimonial de um banco antes e depois de obter um empréstimo dele, testando a seguinte hipótese:

“Caso seja possível notar que o banco é capaz de creditar o principal do empréstimo na conta do tomador sem ter que retirar dinheiro de qualquer outra conta interna ou externa, ou sem transferir o dinheiro de qualquer fonte interna ou externa, isso constituiria, de imediato, uma prova que o banco foi capaz de criar o principal do empréstimo do nada”.

Isso, entretanto, não testa as teorias. Todas as três podem explicar tal observação. Se você se concentrar de forma restrita no ato singular do empréstimo, como Werner fez, verá apenas a criação de crédito. Se você desconsiderar as decisões tomadas em nível de diretoria, como as expectativas de demandas de saque, as necessidades de compensação interbancária, qual nível de reservas é suficiente, que tipos de tomadores e projetos devem receber crédito, etc., então nunca verá o que os defensores da intermediação financeira afirmam que ocorre dentro dos bancos individuais. Se você desconsiderar o que os tomadores fazem com os recursos, como outros bancos acabam tendo reivindicações entre si e como os bancos podem conceder empréstimos em função de uma proporção de reservas desejada (e o que acontece quando as taxas de reserva mudam), você nunca verá o que os defensores do multiplicador monetário estão de fato descrevendo.

Além disso, logo antes da conclusão do seu paper, Werner lamenta que “outras transações bancárias” ocorreram ao longo do seu período de observação de dois dias:

“A evidência não tem uma interpretação tão fácil como foi desejado, uma vez que na prática é impossível parar todas as demais transações bancárias que podem ter sido iniciadas por clientes do banco (que são capazes, hoje em dia, de realizar transações bancárias por meio da internet mesmo em feriados)”.

Mas essas confusas “outras transações” são fundamentais para as demais visões. Se você desconsiderar Richard no Exemplo A, “confirmará” a teoria da criação de crédito. Se você desconsiderar o depósito de Tom e os empréstimos subsequentes realizados por outros bancos no Exemplo B, novamente “confirmará” a teoria da criação de crédito.

Werner, no entanto, limitou seu experimento desde o início:

“Foi assinado um acordo escrito confirmando que as transações planejadas fariam parte de um teste empírico científico, e que o pesquisador não se apropriaria dos fundos quando estes fossem transferidos para sua conta pessoal, comprometendo-se a reembolsar imediatamente o empréstimo após a conclusão do teste”.

Antes do “teste”, Werner prometeu que reembolsaria imediatamente o empréstimo. Ora, é claro que o banco não se preocuparia com reservas! É claro que ele não se preocuparia com demandas de saque ou compensação interbancária! Isso é como “testar” a disposição de um amigo em lhe emprestar o carro logo após assinar um contrato que diz: “Eu não vou dirigir o seu carro. Na verdade, um segundo depois de você me entregar as chaves, eu as devolverei imediatamente”. Nesse caso, você não testou nada além da disposição do seu amigo em participar de um “experimento” bobo.

Além disso, a janela de observação limitada impediu Werner de confirmar ou rejeitar as chamadas teorias da intermediação financeira ou das reservas fracionárias. Para isso, ele teria que sacar o cheque ou de alguma forma gastar o dinheiro emprestado do banco observado (para verificar a intermediação financeira) ou depositar o dinheiro emprestado em outro banco e observar a atividade de empréstimos subsequentes (para ver o multiplicador monetário em ação).

 

Werner ignora alguns trechos inconvenientes

Werner cita Paul Samuelson em sua revisão da literatura sobre a teoria das reservas fracionárias:

“Ele [o banco] pode expandir seus empréstimos e investimentos em US$ 4.000 (…)?

A resposta é definitivamente ‘não’. Por quê? O total de ativos é igual ao total de passivos. As reservas em caixa cumprem o requisito legal de serem 20% do total de depósitos. Até aqui, tudo bem. Mas como o banco paga pelos investimentos ou ativos geradores de receita que compra? Como qualquer outra pessoa, ele emite um cheque, para o homem que vende o título ou assina a nota promissória. (…) [*] O tomador gasta o dinheiro em mão de obra, em materiais ou talvez em um automóvel. Muito em breve, portanto, esse dinheiro terá que ser desembolsado do banco. (…) Um banco não pode ter as duas coisas ao mesmo tempo”.

Samuelson (apesar de todos os seus defeitos) tem um bom ponto. Na época que existia requisitos legais para reservas fracionárias, os bancos não poderiam emprestar dinheiro em um nível que os deixasse com reservas insuficientes. Ele não está dizendo que os bancos literalmente retiram dinheiro das reservas para conceder empréstimos, está dizendo que, assim que um banco faz um empréstimo, espera que o tomador gaste esse dinheiro, o que significa que o banco deve estar pronto para liquidar (reduzindo suas reservas) com os outros bancos que receberão os fundos emprestados. Hoje não temos mais requisitos legais de reservas, mas os bancos ainda mantêm reservas para compensar com outros bancos e porque o Federal Reserve paga juros sobre os saldos de reservas. No texto de Samuelson, basta trocar a expressão “requisito legal” por “nível desejado” e a lógica permanece a mesma.

Aqui está a parte curiosa: nos colchetes de reticências que marquei com um asterisco ([*] na citação anterior), Werner deixou de fora a seguinte frase de Samuelson: “Se todas essas pessoas prometessem não sacar o cheque do banco ou, o que dá no mesmo, manter todo esse dinheiro congelado em depósito no banco, então, é claro, o banco poderia comprar o quanto quisesse sem perder nenhum dinheiro”.

Parafraseando: “Se alguém entra no banco pedindo um empréstimo, mas promete de forma crível não sacar o cheque e, em vez disso, devolvê-lo imediatamente, é claro que o banco não se preocuparia em ficar abaixo do nível de reservas desejado e não precisaria mover fundos de lugar algum”. Samuelson já havia antecipado o experimento falso de Werner lá em 1948.

Aqui encontramos um ponto raro de concordância entre Murray Rothbard e Paul Samuelson. Rothbard também demonstrou que, se todos os empréstimos concedidos por um banco permanecessem como depósitos no mesmo banco e se seus depositantes não corressem para sacar os fundos, “ele poderia continuar expandindo suas operações e sua parcela da oferta monetária impunemente”.

 

Conclusão

Na melhor das hipóteses, o experimento de Werner tem resultados duvidosos. Ele criou um espantalho das teorias alternativas e estruturou seu experimento de tal forma que apenas sua teoria preferida pudesse ser confirmada. Mesmo assim, admitiu que as evidências não eram tão claras quanto desejava, devido a “outras transações bancárias”.

Essas outras transações bancárias, incluindo as que ocorreram antes e depois da janela de observação de dois dias, são partes cruciais das teorias que ele tentou rejeitar. Sua teoria preferida, interpretada da melhor forma possível, não está incorreta, mas se limita a observar de forma estreita um único empréstimo feito por um banco de reservas fracionárias. Já a teoria das reservas fracionárias, juntamente com o multiplicador monetário, abrange a teoria da criação de crédito de Werner e fornece uma explicação muito mais completa sobre como o sistema bancário realmente funciona.

 

Este artigo foi originalmente publicado no Mises Institute.

 

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Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil.

Sobre o autor

Jonathan Newman

Professor no Mises Institute.

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