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Direito

As cortes federais americanas e o caso do X

16/09/2024

As cortes federais americanas e o caso do X

A recente decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de ordenar a transferência de R$ 18,35 milhões da empresa X (anteriormente Twitter) para a União pode ter repercussões internacionais significativas, especialmente à luz do Foreign Sovereign Immunities Act (FSIA), americano. O FSIA, codificado em 28 U.S.C. §§ 1602-1611, estabelece as condições e procedimentos pelos quais uma entidade estrangeira, incluindo governos e seus representantes, pode ser processada nos Estados Unidos.

O FSIA confere, via de regra, imunidade soberana aos governos estrangeiros, protegendo-os de processos em tribunais americanos. Contudo, a lei prevê exceções criteriosas que permitem ações judiciais contra governos estrangeiros quando suas ações extrapolam certos limites, como em casos de atividades comerciais ou violações do direito internacional. As seções 1602 a 1611 delineiam meticulosamente essas exceções e os procedimentos para contestar a imunidade soberana.

O §1605(a) do FSIA, por exemplo, aborda a "commercial activity exception", que viabiliza ações quando o governo estrangeiro se envolve em atividades comerciais com efeito direto nos Estados Unidos. Já o §1605(a)(3) contempla a "expropriation exception", aplicável em situações onde bens de cidadãos ou empresas americanas são confiscados em violação ao direito internacional.

Neste contexto, as empresas de Elon Musk — X e Starlink — poderiam argumentar de forma contundente que a decisão do STF impacta diretamente suas operações comerciais e financeiras globais, uma vez que a transferência compulsória de fundos viola contratos internacionais e constitui uma expropriação potencialmente ilegal. A complexidade do caso é amplificada pelo fato de que tais ações podem ser interpretadas como uma extensão do controle arbitrário do Judiciário brasileiro sobre empresas estrangeiras, conforme discutido no artigo "Crônicas do Indevido Processo Legal", onde critiquei o uso excessivo do poder jurídico para fins políticos.

Para uma compreensão mais aprofundada das exceções aplicáveis, postas na lei americana, é pertinente transcrever alguns trechos relevantes do FSIA, em tradução livre:

- §1602 (Declaração de Política): "O Congresso reconhece que, sob a lei internacional, os governos estrangeiros são geralmente imunes à jurisdição dos tribunais dos Estados Unidos, mas em determinadas circunstâncias os governos estrangeiros não devem receber tal imunidade."

- §1605(a)(2) (Commercial Activity Exception): "Um Estado estrangeiro não será imune à jurisdição dos tribunais dos Estados Unidos ou dos Estados em qualquer caso... em que a ação se baseie em uma atividade comercial realizada nos Estados Unidos pelo Estado estrangeiro; ou em um ato praticado nos Estados Unidos em conexão com uma atividade comercial do Estado estrangeiro em outro lugar; ou em um ato fora do território dos Estados Unidos em conexão com uma atividade comercial do Estado estrangeiro em outro lugar e esse ato cause um efeito direto nos Estados Unidos."

- §1605(a)(3) (Expropriation Exception): "Um Estado estrangeiro não será imune à jurisdição dos tribunais dos Estados Unidos ou dos Estados em qualquer caso... em que direitos de propriedade tomados em violação ao direito internacional estejam em questão e essa propriedade ou qualquer propriedade trocada por tal propriedade esteja presente nos Estados Unidos em conexão com uma atividade comercial realizada nos Estados Unidos pelo Estado estrangeiro."

Diante desse cenário jurídico complexo, as empresas de Musk podem encontrar respaldo legal substancial nos tribunais americanos para contestar a legalidade das ações de Moraes. Além de potenciais sanções, o Brasil pode enfrentar pressões diplomáticas internacionais e sofrer danos à sua reputação econômica e diplomática, caso a decisão seja considerada ilegal à luz do FSIA. Isso exemplifica como decisões internas, frequentemente politizadas, podem ter repercussões globais, minando a confiança internacional no Brasil como um ambiente de negócios estável e previsível.

Adicionalmente, os tratados bilaterais entre os dois países, como o Tratado de Assistência Jurídica Mútua em Matéria Penal (MLAT), o Acordo de Cooperação e Facilitação de Investimentos (ACFI) e acordos internacionais de proteção à propriedade intelectual, fornecem bases jurídicas robustas para tal argumentação.

O MLAT pode ser invocado estrategicamente para solicitar a cooperação jurídica internacional em casos que envolvem alegações de abusos de poder ou violações de direitos fundamentais, como liberdade de expressão e direitos empresariais, assegurando que a jurisdição americana tenha acesso a provas e colaborações relevantes. O ACFI, por sua vez, reforça a proteção de investimentos estrangeiros e pode ser um elemento crucial para argumentar que as ações de Alexandre de Moraes, incluindo censura digital e sanções, prejudicam diretamente investimentos e operações de empresas americanas, notadamente as lideradas por Musk. Ademais, acordos de propriedade intelectual, como o TRIPS, garantem que litígios relacionados à inovação e tecnologia recebam a proteção adequada, fator essencial em uma disputa envolvendo as sofisticadas operações tecnológicas de Musk no Brasil.

Esses tratados, quando analisados em conjunto, criam uma base jurídica sólida e multifacetada para que uma ação nos EUA não apenas questione a legalidade das ações brasileiras, mas também solicite reparações e medidas protetivas sob a jurisdição americana, amplificando a complexidade e as potenciais ramificações do caso.

Nos tribunais americanos, Musk poderia fundamentar sua ação de maneira ainda mais robusta citando precedentes da Suprema Corte dos Estados Unidos (SCOTUS) que tratam da aplicação do FSIA e suas exceções à imunidade soberana de governos estrangeiros.

No caso emblemático Republic of Argentina v. Weltover, Inc. (1992), a SCOTUS estabeleceu um precedente importante ao esclarecer que a "commercial activity exception" do FSIA aplica-se quando uma ação comercial de um governo estrangeiro tem efeito direto nos Estados Unidos, mesmo que o ato ocorra fora do país. Esse precedente pode ser crucial na argumentação de Musk, uma vez que a decisão de Moraes afeta diretamente as operações financeiras globais da X e de outras empresas de Musk, com repercussões tangíveis no mercado americano.

Além disso, no caso Bolivarian Republic of Venezuela v. Helmerich & Payne International Drilling Co. (2017), a SCOTUS reforçou de maneira contundente que, sob a "expropriation exception" do FSIA, o confisco de bens pertencentes a entidades americanas em violação ao direito internacional pode ser contestado judicialmente nos EUA. Essas decisões fornecem uma base jurisprudencial sólida para que as empresas de Musk argumentem que a decisão do STF, ao ordenar a transferência compulsória de fundos, configura uma expropriação potencialmente ilegal, com efeitos diretos sobre suas operações comerciais nos EUA, justificando, assim, uma ação judicial sob jurisdição americana.

A decisão de Moraes também se alinha com as preocupações levantadas no meu artigo "A matéria da Folha: luzes sobre o que estamos vivendo?", no qual se criticou o controle excessivo do Judiciário sobre empresas de tecnologia e redes sociais. Tal postura judicial, frequentemente justificada como defesa da democracia, cria precedentes potencialmente perigosos para a liberdade de expressão e as garantias fundamentais, especialmente quando o Judiciário assume um papel que pode ser interpretado como agente de censura velada. A transferência de valores da empresa X para a União insere-se nesse processo mais amplo de possível erosão das liberdades, com consequências econômicas e políticas potencialmente significativas para o Brasil no cenário internacional.

Este padrão não é um fenômeno isolado. Ele se insere em um contexto mais amplo de intervenções judiciais que podem minar direitos constitucionais e subverter o devido processo legal, conforme apontado nas "Crônicas do Indevido Processo Legal" e nas críticas publicadas na matéria da Folha. A crescente politização do Judiciário, sob o pretexto de proteção institucional, pode acabar por violar as próprias liberdades que deveria preservar, com efeitos que ultrapassam as fronteiras nacionais e impactam a percepção internacional sobre a estabilidade jurídica e democrática do Brasil.

Tal como em "Dom Casmurro", onde Bentinho acredita ver sinais de traição em todos os cantos, mesmo quando a verdade permanece nebulosa, a atuação de Alexandre de Moraes, sob o pretexto de defender a democracia, revela um Judiciário que se arvora a julgar intenções ocultas, muitas vezes construindo narrativas que servem a fins políticos.

Assim como a dúvida de Bentinho envenenou sua vida e o levou a trágicas decisões, o excesso de poder concentrado no STF, sem os devidos freios, corrói as bases da liberdade e do Estado de Direito, lançando o país em um mar de incertezas jurídicas. O Brasil, como Bentinho, pode acabar consumido por suas próprias suspeitas e temores, comprometendo sua imagem perante o mundo.

Ao transferir valores de empresas estrangeiras sem fundamento jurídico sólido, o Judiciário brasileiro assemelha-se à personagem Quincas Borba, cuja filosofia do "Humanitismo" justificava, em tom irônico, qualquer ação sob a lógica da sobrevivência do mais forte. Nessa linha, a lógica jurídica de Moraes parece buscar legitimar, em nome de um suposto bem maior, ações que violam direitos fundamentais e ameaçam a ordem internacional.

Na linha do desfecho trágico de "Memórias Póstumas de Brás Cubas", onde o narrador morre sem ter alcançado suas ambições, o Brasil corre o risco de ver seus esforços de projetar uma imagem de estabilidade e segurança jurídica afundarem. As decisões erráticas de seus tribunais podem resultar não em glória, mas em um epitáfio que celebra as liberdades sacrificadas e a confiança internacional perdida. Assim, as empresas de Musk, como testemunhas desse processo, podem ser a voz que denuncia, tal qual Machado fez, os absurdos de uma nação que se perde em seus próprios excessos.

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Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil.

Sobre o autor

Leonardo Corrêa

Advogado - LL.M pela University of Pennsylvania (EUA).

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