Como explicar os processos antitruste contra o Google?
Nas palavras de Edwin S. Rockfeller:
Ataques do governo sobre uma alegada monopolização são raros, mas há sempre o perigo para os empresários de sucesso, especialmente os inovadores, de que os concorrentes perdedores irão pressionar funcionários ativistas do governo a fazer algo. Assistidos por advogados e economistas criativos, perdedores podem impor ao empresário bem-sucedido pesados ??custos financeiros para defender o sucesso do seu negócio contra ações vultosas, com resultados imprevisíveis.[2]
Se uma determinada empresa pretende ficar longe de processos antitruste, o estudo minucioso da história mostra que o segredo para isso é não ser eficiente demais e, consequentemente, nunca alcançar o domínio de um mercado específico de bens e/ou serviços.
Caso isso ocorra, a probabilidade de que as leis antitruste sejam usadas contra essa empresa é extremamente alta, seja para restringir ou impedir um ato de concentração empresarial que vise a otimizar sua logística, reduzir seus custos fixos, aumentar sua eficiência ou ampliar seu alcance geográfico (uma fusão ou a aquisição de um concorrente, por exemplo), seja para reprimi-la pela adoção de uma estratégia empresarial inovadora (condenação pela prática de "abuso de posição dominante", por exemplo, uma conduta descrita na lei de modo propositalmente vago).
Para comprovar a veracidade de tais afirmações, é imprescindível mencionar o que está acontecendo atualmente com o Google: em 2011, o Presidente Executivo da empresa, Eric Schmit, foi convocado para uma audiência na comissão antitruste do Senado americano, onde teve de responder a acusações -- feitas por presidentes de empresas rivais, obviamente![3] -- de que estava cometendo abuso de posição dominante no serviço de busca na Internet, em detrimento de concorrentes menores.[4]
Como o Google é uma empresa com atuação global, essas acusações foram replicadas perante outras autoridades antitruste, instaurando-se uma verdadeira cruzada contra essa empresa. A propósito, confira-se a seguinte notícia, publicada pelo próprio CADE, a agência antitruste brasileira, em seu site:
CADE investiga supostas práticas anticompetitivas do Google no mercado brasileiro de buscas online
11.10.2013
A Superintendência-Geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica -- CADE instaurou, por meio de despachos publicados no DOU desta sexta-feira (11/10), três processos administrativos para apurar supostas práticas anticompetitivas adotadas pelo Google Inc. e pelo Google Brasil Internet Ltda. no mercado brasileiro de buscas online. A investigação teve início a partir de denúncias apresentadas ao órgão antitruste pelas empresas E-Commerce Media Group Informação e Tecnologia Ltda., detentora dos sites Buscapé e Bondfaro, e também pela Microsoft Corporation, controladora do site de buscas Bing.
O site de busca online Google, hoje amplamente utilizado por usuários da internet, disponibiliza gratuitamente uma ferramenta de busca que permite o livre e rápido acesso a informações e conteúdos na web. Parte dos resultados da busca entregue ao internauta é divulgada em um espaço da página conhecido como "busca orgânica", na qual os sites listados não pagam ao Google Buscas nenhum tipo de remuneração, e são supostamente buscados e ordenados por meio de um algoritmo estabelecido pelo Google, segundo determinados critérios. Outro espaço na página de busca expõe como resultados os chamados "links patrocinados", compostos por sites que promovem campanhas publicitárias de seus produtos e remuneram o Google para serem ali divulgados.
Existem também sites especializados nas chamadas buscas temáticas, serviços de pesquisa específica a consumidores e empresas, tais como comparação de preços de produtos ofertados na internet. É o que oferecem, por exemplo, os sites Buscapé e Bondfaro. O próprio Google possui sites de busca temática, como o Google Images, o Google Books, o Google News e o Google Shopping – este especializado em busca de lojas e de preços de produtos.
Os processos administrativos instaurados pela Superintendência-Geral investigam as seguintes condutas:
• Processo Administrativo n.º 08012.010483/2011-94: apura, conforme denúncia da E-Commerce, se o Google Buscas estaria inadequadamente privilegiando, nos resultados da busca orgânica, os seus próprios sites temáticos, como o Google Shopping, em detrimento de sites concorrentes, como Buscapé e Bondfaro. Também será apurada a alegação da E-Commerce de que o Google Shopping estaria indevidamente sendo posicionado de modo privilegiado em outros espaços da página (entre os links patrocinados), novamente com o intuito de se beneficiar frente aos concorrentes. O processo investiga, ainda, se o Google Buscas estaria diminuindo o espaço da busca orgânica em relação à patrocinada e se estaria adotando mecanismos para confundir o usuário na identificação dos resultados de busca orgânica e patrocinada, com potenciais efeitos anticompetitivos.
Outra conduta investigada nesse processo relaciona-se à alegação de que o Google Buscas, de forma potencialmente discriminatória, permitiria a veiculação de anúncios com foto – supostamente uma forma mais atraente de exposição – pelo Google Shopping, mas não por sites temáticos concorrentes. A denúncia feita ao CADE alega que o Google teria, primeiramente, recusado a venda de espaço para anúncio com foto ao rival Buscapé, e, posteriormente, exigido o fornecimento de dados concorrencialmente sensíveis do concorrente para permitir o anúncio.
• Processo Administrativo n.º 08700.009082/2013-03: apura denúncia de prática denominada "scraping". Trata-se de suposta "raspagem", pelo Google, de conteúdo concorrencialmente relevante de sites temáticos rivais para uso em seus buscadores temáticos. Segundo a representação da E-Commerce, o Google Shopping teria indevidamente se apropriado de reviews (comentários de clientes opinando sobre qualidades ou defeitos de lojistas e produtos) reunidos pelos sites de comparação de preços Buscapé e Bondfaro. De acordo com a denúncia, uma vez que as opiniões dos usuários sobre produtos e serviços agregam informações relevantes e são um atrativo para ferramentas de buscas temáticas para compras, com essa prática o Google estaria subtraindo vantagens competitivas detidas por esses rivais e delas se beneficiando. Ainda segundo as alegações feitas ao Cade, o Google impediria que seus concorrentes fizessem a "raspagem" de sites temáticos a ele pertencentes.
• Processo Administrativo n.º 08700.005694/2013-19: apura supostas restrições anticompetitivas do contrato de prestação de serviços da plataforma de publicidade online do Google, conhecida como Google AdWords. Por meio dessa plataforma, os anunciantes que compram espaços publicitários na página do Google gerenciam suas campanhas publicitárias, definindo, por exemplo, as palavras-chave às quais querem associar seus anúncios, de modo que apareçam nos resultados de buscas por determinadas expressões, tais como "televisão" ou "celular". Também é por meio dessa plataforma que são selecionados os anunciantes que aparecem no espaço limitado de links patrocinados do Google, disputa essa que ocorre por mecanismo de leilão, segundo critérios como valor do lance e qualidade do anúncio. De acordo com a Microsoft, o Google teria imposto restrições que dificultam que os anunciantes gerenciem suas campanhas publicitárias, simultaneamente, no Google e em outros buscadores concorrentes – tipo de interoperabilidade denominada, em inglês, multihoming. Segundo as alegações trazidas ao CADE, o multihoming facilita e diminui os custos de montar e gerenciar campanhas nas diferentes plataformas de busca, e possibilita comparar o desempenho de cada plataforma. Ainda segundo a denúncia, ao impor restrições de compartilhamento de informações nas plataformas de anúncios, o Google acabaria por desestimular os anunciantes a também veicularem campanhas em buscadores rivais, prejudicando o desenvolvimento desses concorrentes, já com reduzida fatia do mercado.
As condutas investigadas, caso comprovadas, podem dificultar a entrada e o desenvolvimento de concorrentes no mercado brasileiro de buscas online, além de incrementar o já elevado poder de mercado do Google nesse segmento – próximo a 99% segundo algumas análises. Desse modo, resultariam em obstáculos a inovações, menos opções de empresas, produtos e serviços aos usuários e, eventualmente, impactos nos preços de produtos e serviços ofertados aos consumidores online.
Com a instauração dos processos, o Google será notificado para apresentar defesa. Ao final da instrução, a Superintendência-Geral emitirá parecer opinando pela condenação ou pelo arquivamento dos processos, e enviará os casos para julgamento final pelo Tribunal do CADE.[5]
A notícia fala por si mesma: o Google, empresa líder de mercado em razão de sua maior eficiência, está sendo alvo de processos antitruste iniciados por alguns de seus principais concorrentes, exatamente como sempre ocorreu ao longo da história do direito antitruste.
E as acusações chegam a ser risíveis, como a primeira mencionada na transcrição supra: o Google pode ser condenado por privilegiar, nos resultados de busca que oferece gratuitamente aos seus usuários, os seus próprios sites temáticos, como o Google Shopping (comparador de preços), em detrimento de sites temáticos concorrentes, como Buscapé e Bondfaro.
Explicando melhor: imagine que uma determinada pessoa resolve pesquisar preços de um televisor no Google, digitando a expressão "TV 50 polegadas". Ao mostrar o resultado da pesquisa, o Google destaca primeiro, no início da página, as opções do Google Shopping, e logo abaixo aparecem as opções do Buscapé, do Bondfaro e de outros concorrentes. Nada mais natural.
É como uma loja multi-marcas que, no seu espaço físico, expõe os produtos da sua marca própria em melhores lugares (na vitrine ou em estantes próximas à entrada) do que os produtos de outras marcas que também comercializa. O que se devia esperar? Que o Google fizesse o contrário, privilegiando os sites temáticos concorrentes em detrimento dos seus próprios sites temáticos?
(…) é o comportamento do Google realmente inesperado? Afinal de contas, trata-se de um negócio que visa ao lucro. A melhor pergunta a fazer é: por que o Google não iria dar tratamento preferencial aos seus outros negócios em seu próprio mecanismo de busca? Não é preciso ter um diploma universitário em marketing para perceber o quão benéfico é para o Google usar a sua própria e forte plataforma de tráfego de informações para se promover.[6]
É fácil perceber que a conduta do Google, nesse caso, é absolutamente normal e com certeza seria praticada por qualquer outra empresa que se encontrasse em posição semelhante (como a loja multi-marcas do exemplo mencionado).
Muitas redes de supermercado, por exemplo, além de venderem produtos de variadas marcas distintas, também comercializam produtos de marca própria, e não raro tais produtos são oferecidos em locais privilegiados e com mais destaque do que os demais. Trata-se de uma prática comercial absolutamente legítima e corriqueira, decorrente não apenas da livre iniciativa do empresário, mas também do fato de que o estabelecimento comercial (físico ou virtual) é propriedade privada dele.
Os defensores do antitruste contra-argumentam, porém, alegando que tal prática comercial, embora seja legítima em tese, torna-se ilegítima pelo fato de o Google ter o chamado "poder de mercado". Ora, mas tal "poder" não foi obtido por meio da força ou de qualquer outro expediente ilegal[7]. Quem conferiu esse "poder" ao Google foram seus consumidores, e são eles que o mantém até os dias atuais.
Não cabe a um punhado de burocratas retirar do Google algo que seus consumidores lhe deram voluntariamente, pois isso seria penalizar a eficiência e prestigiar a incompetência. Mas, infelizmente, é exatamente isso o que o antitruste faz desde que suas primeiras leis foram editadas até os dias atuais.
Assim como aconteceu com a Standard Oil, com a ALCOA, com a IBM, com a Microsoft e com tantas outras empresas que foram alvo das agências antitruste, o Google não está sendo processado por prejudicar seus consumidores, mas por incomodar concorrentes em razão de conseguir a liderança de mercado com base na sua maior eficiência competitiva.[8]
Note-se bem quem está fazendo essas queixas contra o Google. Tal como aconteceu com quase todos os casos antitruste na história americana, a pressão para atacar o competidor dominante na indústria está sendo feita por seus concorrentes mal sucedidos. Não se trata de defender consumidores. Não se trata de aplicar uma fórmula científica que determine um market share ideal para atingir uma "concorrência perfeita". Trata-se de empresas que estão desistindo de tentar competir no mercado na esperança de que o governo resolva. Os potenciais beneficiários aqui não são os consumidores, mas os concorrentes ineficientes e os reguladores do governo.[9]
A título ilustrativo, basta citar que no ano de 2013 -- exatamente o ano em que o CADE iniciou os processos anteriormente listados -- o Google foi eleito a melhor empresa do mundo para se trabalhar,[10] a empresa mais inovadora do mundo[11] e uma das três empresas mais admiradas do mundo.[12] Enfim, nenhum consumidor parece estar preocupado com a atuação empresarial do Google. Seus concorrentes, porém, estão muito incomodados, e quando isso acontece a legislação antitruste é uma arma que dificilmente deixa de ser sacada.
[1] Para uma leitura resumida de vários casos históricos em que o Sherman Act foi usado para processar e até mesmo para condenar empresas americanas eficientes que estavam liderando seus mercados de forma legítima, confira-se: GORDON, John Steele. "Read your history, Janet". Disponível em: http://www.forbes.com/forbes/1998/0223/6104092a.html.
[2] ROCKFELLER, Edwin S. Antitrust religion. Washington D.C.: Cato Institute, 2007. p. 56 (tradução livre).
[3] "(...) a investigação no Congresso americano que o Google está enfrentando não é nada novo. A aplicação da lei antitruste pelo governo americano tem constantemente caído sobre as empresas que se destacam reduzindo preços, inovando os seus produtos e expandindo sua base de consumidores. O que todo empresário racional se esforça para realizar é essencialmente o que o governo tenta frear": MILLER, James E. "Where Google gets its power?". Disponível em http://mises.org/daily/5695/Where-Google-Gets-Its-Power (tradução livre).
[4] Disponível em: http://usatoday30.usatoday.com/tech/news/story/2011-09-21/google-eric-schmidt-senate-hearing/50501988/1.
[5] Disponível em: http://www.cade.gov.br/Default.aspx?7acd5cad47dc33f00532025eeb6f.
[6] MILLER, James E. "Where Google gets its power?". Disponível em http://mises.org/daily/5695/Where-Google-Gets-Its-Power (tradução livre).
[7] "O Google não foi o primeiro mecanismo de busca na internet, mas tem feito essa indústria progredir muito além de suas origens humildes. Através do desenvolvimento de um algoritmo exclusivo chamado 'PageRank', o Google tornou-se líder mundial de pesquisa na internet. Seu sucesso e seus trinta mil funcionários devem ser comemorados, e não demonizados e tratados como um alvo por políticos facilmente manipulados": MILLER, James E. "Where Google gets its power?". Disponível em http://mises.org/daily/5695/Where-Google-Gets-Its-Power (tradução livre).
[8] Para se ter uma ideia do absurdo que se tornaram esses ataques ao "Googlepolio", basta mencionar que na França uma empresa de cartografia processou o Google por oferecer serviços de mapa gratuitamente, através do Google Maps, o que configuraria uma infração antitruste (precificação predatória, a fim de quebrar todos os concorrentes e depois abusar de uma provável posição dominante). O mais impressionante é que o Google perdeu o processo e foi condenado a pagar uma indenização de US$ 660 mil. Fonte: http://olhardigital.uol.com.br/noticia/google-e-multado-em-us-660-mil-por-oferecer-google-maps-gratuitamente/23929.
[9] MILLER, James E. "Where Google gets its power?". Disponível em http://mises.org/daily/5695/Where-Google-Gets-Its-Power (tradução livre).
[10] A eleição é feita pelo Great Place to Work: http://www.greatplacetowork.com.br/melhores-empresas/gptw-mundial/lista-dos-25-melhores-de-2013.
[11] A eleição é feita pela Fast Company: http://www.fastcompany.com/3026098/most-innovative-companies-2014/the-worlds-most-innovative-companies-2014.
[12] A eleição é feita pela APCO Worldwide: http://www.rankingthebrands.com/PDF/The%20100%20Most%20Loved%20Companies%202013,%20APCO.pdf.
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