Explicando as oscilações do preço do ouro
Para entender o comportamento de alguns ativos, é necessário acima de tudo entender a diferença entre taxas de juros de curto prazo e taxas de juros de longo prazo. Sempre que você vir a expressão "taxa de juros" desacompanhada de palavras classificatórias que expliquem se tais taxas são de curto prazo ou de longo prazo, pode ter certeza de que a informação transmitida está incorreta. Qualquer discussão sobre taxa de juros que não esclareça a diferença entre taxa de juros de longo prazo e taxa de juros de curto prazo é enganosa.
Façamos uma rápida recapitulação da teoria austríaca dos ciclos econômicos. Ela ensina que, quando o Banco Central cria dinheiro e o injeta no sistema bancário, tal expansão monetária reduz inicialmente as taxas de juros de curto prazo, isto é, a taxa básica de juros da economia, aquela taxa que os bancos cobram (pagam) entre si no mercado interbancário para emprestar (tomar emprestado) dinheiro que possuem em suas reservas. Os bancos recorrem a essas operações interbancárias diariamente, pois, ao final de cada dia, precisam manter um determinado volume de dinheiro em suas reservas. Esse volume é o equivalente a uma determinada porcentagem do total de suas contas-correntes, e é determinado pelo Banco Central. [No Brasil, essa taxa chama-se SELIC].
Esta política monetária pode, sob determinadas circunstâncias, reduzir as taxas de juros de longo prazo, mas apenas temporariamente.
Quando os bancos, que agora estão com mais reservas bancárias, criam dinheiro para emprestar para empresas, as empresas começam a expandir suas operações. Empreendedores veem que há mais dinheiro disponível a taxas de juros menores do que antes. Neste ponto, imediatamente após a expansão monetária, tanto empréstimos de longa duração quanto empréstimos de curta duração estarão com taxas de juros menores. Isso não significa que houve um aumento da poupança por parte da população. Significa apenas que o sistema bancário de reservas fracionárias, sob o comando do Banco Central, aumentou a oferta monetária. Para persuadir os empreendedores a tomarem emprestada essa maior quantidade de dinheiro agora disponível, os bancos têm que reduzir as taxas de juros de seus empréstimos.
O mercado de títulos -- o mercado que lida com debêntures, letras financeiras, títulos dos governos, títulos hipotecários etc. -- também pode vivenciar, neste período, uma redução de suas taxas de juros de longo prazo.
Ao longo do tempo, no entanto, este aumento da oferta monetária começa a gerar um aumento nos preços dos bens de consumo. Quando tal aumento se torna evidente, os emprestadores percebem que não é mais um bom negócio continuar emprestando, a longo prazo, dinheiro à taxa de juros vigente, que está baixa. Eles percebem que, a esta taxa de inflação de preços, o dinheiro que lhes será devolvido após o fim do empréstimo terá um poder de compra menor. Em outras palavras, o dinheiro valerá menos do que vale hoje. Sendo assim, estes emprestadores irão querer se proteger desta depreciação da unidade monetária. E a maneira de eles se protegerem é aumentando a taxa de juros que cobram para conceder empréstimos. Isso eleva as taxas de juros de longo prazo. Consequentemente, os preços de todos os títulos caem (quando os juros sobem, os preços dos títulos caem, e vice versa).
À medida que essas crescentes taxas de juros de longo prazo -- decorrentes da expansão monetária, que gerou uma elevação de preços em toda a economia -- começam a afetar o mercado de títulos, os empreendedores são informados por este sistema de preços de que eles não mais podem continuar pegando empréstimos a uma baixa taxa de juros. Consequentemente, eles têm de tomar uma decisão. Será que as taxas de juros de longo prazo continuarão subindo ou será que elas irão cair?
Se eles creem que a inflação monetária continuará, e que portanto os preços continuarão aumentando, então eles estarão dispostos a continuar tomando empréstimos e pagando estas crescentes taxas de juros de longo prazo, pois eles creem ser capazes de continuar vendendo bens e serviços em uma economia que ainda estará aquecida; em uma economia em que as pessoas continuam comprando bens e serviços mesmo a preços maiores. Os empreendedores, portanto, decidem que a taxa de juros mais alta ainda é um bom negócio, dado o fato de que eles esperam que os preços continuem subindo, que a demanda dos consumidores permaneça a mesma (ou suba), e que o ciclo econômico continue na fase da expansão.
O problema ocorre quando o Banco Central começa a estabilizar a base monetária -- isto é, diminui suas injeções de dinheiro no sistema bancário. Se o sistema bancário emprestou dinheiro ao nível máximo possível -- considerando as regras de compulsório estabelecidas pelo Banco Central -- esta estabilização da base monetária começará a afetar as taxas de juros de curto prazo. Torna-se mais difícil dar continuidade às atuais políticas de expansão dos empreendimentos. Empreendedores descobrem que ficou mais caro pegar emprestado o dinheiro de que precisam para completar os empreendimentos que haviam iniciado por terem imaginado que a demanda dos consumidores continuaria subindo. Os empreendedores começam então a competir entre si por empréstimos de curto prazo, pois eles têm de terminar seus projetos. Quando eles competem entre si por este dinheiro, a taxa de juros de curto prazo sobe.
Enquanto isso, no mercado de títulos, cresce o temor de que a fase expansionista do ciclo econômico está chegando ao fim. Consequentemente, os empreendedores deixam de tomar empréstimos de longo prazo, pois eles estão receosos de que não conseguirão quitar suas dívidas caso a economia entre em recessão. Portanto, em decorrência desta menor demanda por empréstimos de longo prazo, as taxas de juros de longo prazo começam a cair. Ao mesmo tempo, outros investidores creem que será uma boa ideia comprar títulos de longo prazo e auferir os juros pagos por estes títulos. Dado que haverá uma recessão, ter uma receita garantida é uma ótima opção. Logo, ao mesmo tempo em que as empresas reduzem suas tomadas de empréstimo, os emprestadores começam a comprar títulos. Isso reduz ainda mais a taxa de juros de longo prazo. Os preços dos títulos sobem.
Conclusão: quando o processo de estabilização de base monetária é iniciado, a tendência é que as taxas de juros de curto prazo aumentem e a taxa de juros de longo prazo diminua. O sinal clássico de uma recessão iminente é a inversão da curva de juros, que ocorre quando os juros de curto prazo são maiores que os juros de longo prazo. [No Brasil, esta inversão ocorreu em agosto de 2011].
O ouro pode subir, e de fato sobe, em períodos de aumento das taxas de juros de longo prazo, caso o motivo para este aumento das taxas seja a expectativa de uma significativa inflação de preços no futuro. Se a oferta monetária estiver crescendo, e se o multiplicador monetário também estiver crescendo, então podemos esperar um aumento da inflação de preços no futuro. Sob estas condições, a economia pode apresentar taxas de juros de longo prazo crescentes e taxas de juros de curto prazo também crescentes. Tudo está ligado à política monetária do Banco Central. Está ligado também a uma mudança de atitude dos bancos, o que significa que eles agora estão dispostos a aumentar seus empréstimos.
Se tivermos uma situação em que as taxas de juros de curto prazo estão aumentando e as taxas de juros de longo prazo estão caindo, então uma queda no preço do ouro é um prognóstico sensato. O preço do ouro irá cair porque há uma grande recessão se aproximando, pois a política do Banco Central se tornou anti-inflacionária. Isso foi exatamente o que ocorreu nos EUA em 2008. O preço do petróleo caiu acentuadamente, o preço da prata despencou, e o preço do ouro caiu aproximadamente 25%. Foi tendo em mente esta teoria que previ, ainda em março de 2008, que o preço do ouro cairia. Eu estava correto. Alertei meus assinantes quanto a isso dois dias após o ouro ter chegado ao ápice de sua cotação naquele ano.
No momento, creio que os EUA estão se movendo rumo a uma nova recessão. É por isso que nunca acreditei que o preço do ouro irá ultrapassar os US$1.800 nesta fase do ciclo econômico. Por outro lado, está havendo uma crescente demanda por ouro pelos bancos centrais de todo o mundo. Isso é particularmente notável para os bancos centrais asiáticos. Mas não creio que a quantidade de ouro comprada pelos bancos centrais será maior do que a quantidade total de ouro que é produzida pela economia mundial anualmente, em torno de 2.000 toneladas.
É possível que os EUA consigam postergar esta recessão vindoura. A incrível expansão do balancete do Fed, que mostra que ele está comprando títulos do Tesouro de longo prazo, bem como títulos hipotecários de Fannie Mae e Freddie Mac, é um indicativo de que o Fed está fazendo de tudo para evitar uma recessão. A Europa está em recessão, assim como o Japão. Mas nos EUA, se o Fed continuar inflacionando à taxa atual, é possível que o país consiga postergar sua recessão, muito embora eu não visualize qualquer possibilidade de uma recuperação econômica sustentável no futuro.
Em todo caso, a política de longo prazo do Fed é claramente de expansão monetária. No momento, os bancos americanos estão retendo a maior parte do dinheiro criado pelo Fed. Os bancos preferem manter este dinheiro depositado junto ao Fed, que está pagando 0,25% ao ano sobre este montante, a emprestá-lo para empresas e indivíduos, algo arriscado no atual cenário de incerteza. No entanto, no momento em que quiser, o Fed pode forçar os bancos a emprestar este dinheiro: basta aplicar uma multa sobre estas reservas em excesso. Se os bancos passarem a emprestar este dinheiro, o multiplicador monetário irá aumentar, e isso gerará condições para uma nova expansão econômica artificial. Isso levará a um grande aumento nos preços ao consumidor. Tal cenário é favorável para investidores em ouro e prata.
Conclusão
Não há uma relação simples entre taxa de juros e preço do ouro. Não se deixe levar por teorias que correlacionam preço do ouro a taxa de juros e que não mencionam a qual tipo de juros elas se referem. As expectativas de inflação e de crescimento econômico conduzem o preço de ativos como ouro e prata.
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