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Economia

Três erros libertários muito comuns

27/07/2013

Três erros libertários muito comuns

Ao defenderem os princípios de uma sociedade livre, os libertários frequentemente esbarram em obstáculos de todos os tipos.  Tal empreitada pode ser encarada como uma batalha ou -- melhor ainda -- como um comercial de vendas.  Mas o fato é que nossos métodos de persuasão e de debate são uma parte muito importante da nossa mensagem.  É deles que depende o sucesso da empreitada.  Portanto, algumas vezes, nossos erros se transformam no maior obstáculo para o nosso sucesso.  Vejamos agora três erros muito comuns.

1. Pensar que o libertarianismo é "intuitivo" ou "óbvio"

É verdade que certas posições morais (como, por exemplo, contra o roubo ou o assassinato) são universais e suficientemente intuitivas.  Porém, todo o edifício teórico não é óbvio e tampouco fácil de ser compreendido.  O problema é que a maioria dos libertários se esquece de como eles aprenderam e, principalmente, se esquecem de como eram ignorantes antes de adquirirem o conhecimento.  Assim, eles projetam uma luz de conhecimento sobre todo o seu passado, comportando-se como se já possuíssem aquele conhecimento desde sempre.

Isso é fácil de ser observado naqueles que já leram gigantes como Mises e Rothbard.  Tão logo absorvemos algumas de suas perspicazes observações, inevitavelmente as internalizamos e passamos a pensar e agir como se tais constatações fossem absolutamente "óbvias" para todos os outros.  Mas o problema é que elas não são.  Nós adquirimos o conhecimento ao longo de anos de estudo, lendo dezenas de livros.  Todo libertário que conheço continua a ler e a debater os fundamentos do libertarianismo -- e não apenas sua aplicação aos eventos atuais ou à história.  Isso, para mim, mostra que o libertarianismo é um edifício com muitas partes ainda em construção.  Mesmo que alguns possam resumi-lo de várias formas, elas jamais poderão substituir a totalidade da doutrina.

2. Pressupor um ponto em comum com todo o resto

Aquele conflito essencial que perpassa toda a história da humanidade -- Liberdade versus Poder -- pode ser compreendido apenas quando os fundamentos básicos são adequadamente identificados.  Comecemos pela liberdade.  Em tempos antigos, a liberdade era definida como a capacidade de poder participar em tomadas de decisão coletivas e de ter independência em relação a outras nações.  Portanto, a liberdade era uma questão de participação política e de soberania nacional.  O indivíduo não era uma unidade política relevante.  E assim permaneceu até o advento do Humanismo, quando o indivíduo foi colocado no centro da análise política e econômica.  Foi a partir daí que a Liberdade começou a ter o significado que nós libertários precisamos que ela tenha a fim de possibilitar que nossas constatações sejam populares em qualquer época e lugar.

Poder, por outro lado, para nós significa poder político.  Ele surge do uso da força ou da ameaça do uso da força.  A educação, a mídia e os valores tradicionais sem dúvida influenciam o comportamento humano, mas todos eles podem ser escolhidos ou rejeitados se preciso for.  É por isso que toda aquela conversa de comerciais ou conteúdos televisivos exercerem poder sobre a sociedade não se sustenta.  Porém, da mesma forma, ideias como "patrões opressivos" ou "tirania masculina" são enganosas.  Patrões não têm o poder de privar nenhum indivíduo de seus direitos, pois ter um patrão (em contraste com um senhor de escravos, um ditador socialista, um soberano ou um rei) significa que o indivíduo entrou voluntária e livremente em um contrato.  Por conseguinte, patrões implicam direitos, e onde há direitos há liberdade, e o poder opressivo inexiste.  Um patrão pode ser exigente, reclamão e rude, mas enquanto o indivíduo tiver a liberdade de "sair", não está havendo opressão.

Tirania masculina significa estritamente que são negados às mulheres seus direitos políticos (individuais) à integridade pessoal e à propriedade.  Porém, se ocorre uma discriminação de gênero quando tais direitos estão totalmente presentes -- como ocorre na maioria dos países ocidentais --, então tal discriminação nada mais é que um direito (de liberdade) de terceiros.  Quando se prefere homens a mulheres para um determinado tipo de trabalho que pode ser perfeitamente executado por mulheres, quem está perdendo com isso é a empresa, que está se privando de talentos femininos.  Porém, em muitas profissões que lidam com questões de segurança física e força bruta, tal discriminação não é apenas necessária; é sábia e compreensiva.  Achar que está havendo ausência de direitos femininos quando, na verdade, está havendo apenas uma discriminação pró-homens (como no caso da escolha de homens para um trabalho que pode ser perfeitamente executado por mulheres) é algo perigoso, pois irá dar espaço para intervenções estatais, as quais tentarão "corrigir" um problema inexistente -- ou, na melhor das hipóteses, um problema que deve ser resolvido (caso seja necessário) por meios civis e pacíficos.

Portanto, o "poder" deve ser entendido como uma manifestação de poder político.  Seus vínculos com quaisquer formas culturais são apenas isso: vínculos.

Se liberdade e poder devem ser assentidos para que o discurso libertário faça todo o sentido, o mesmo é válido para os conceitos de propriedade, contrato, mercado, estado, leis e vários outros.  Não podemos pressupor um ponto em comum com todo o resto -- especialmente nesses tempos pós-modernos, em que cada conceito ocidental está sendo matizado e redefinido pelos tiranos locais.

3. Ironicamente, esquecer-se da importância das ideias e da persuasão

Estreitamente relacionado aos pontos 1 e 2, os libertários algumas vezes pensam que, a partir de certo momento, as ideias deixam de ter importância.  Tão logo o indivíduo adotou uma visão de mundo libertária, há uma forte tentação de se esquecer da difusão das ideias e passar a considerar todas aquelas pessoas que acham que o estado ainda deve exercer algumas funções como um bando de preguiçosos, de idiotas ou de corruptos.  Sendo um ex-social democrata, bem sei que não é assim: vários pensadores e ativistas políticos são bem intencionados; eles apenas não tiveram a sorte de compreender aquelas noções pelas quais temos tanto apreço.

Pode estar certo de que a maioria possui uma boa noção das nossas posições; porém, como qualquer bom professor pode atestar, isso não é o suficiente.  Incorporar uma ideia por completo exige não apenas uma boa exposição aos conceitos desta, mas também um estado de espírito adequado, que propicie a disposição ao aprendizado.  Muitos libertários manejam seus insights como se fossem espadas, adotando uma atitude de superioridade moral, procurando sempre punir o não-convertido.  Como qualquer fanático por músicas pode atestar, se você quer que um amigo seu passe a gostar do álbum de uma banda que você idolatra, uma proposição frontal quase nunca vai funcionar.  Com o ego humano sendo como é, esse objetivo certamente será consumado por meios mais sutis, como quando você faz parecer como se fosse ele próprio quem tivesse descoberto a banda.

Entenda: é a nossa atitude que afasta as pessoas das ideias.  Se elas, as ideias, fossem intuitivas, a persuasão não seria necessária.  Mas elas não são.  Porém, se elas fossem, então seríamos duplamente culpados: isso significaria que as ideias socialistas, por sua vez, seriam contra-intuitivas; e, ainda assim, a persistência e a habilidade persuasiva dos socialistas foram capazes de levá-las a um êxito mundial.  O que houve?

Concluindo, o libertarianismo se beneficiaria enormemente caso reconhecêssemos que a batalha das ideias políticas é apenas um caso especial dentro da batalha filosófica global sobre conceitos e significados.  Da mesma forma, não seria nada doloroso lembrarmos a nós mesmos de que uma visão de mundo como o libertarianismo deve estar sujeita aos mesmos princípios a que estão submetidos quaisquer outros bens no mercado, ainda que o mercado de ideias seja severamente obstruído e voltado contra a liberdade humana.

Se quisermos ter êxito nesse mercado, se quisermos ganhar os corações e mentes de nossos contemporâneos, precisamos nos lembrar de como esse bem foi vendido para nós em primeiro lugar.  Adotarmos uma postura diretamente antagônica, criando hostilidade e inimizade, pressupondo como óbvias ideias que hoje são difíceis de se compreender de primeira -- graças a 150 anos de controle socialista da educação --, é uma receita certa para o fracasso.


Sobre o autor

Juan Fernando Carpio

Mora em Quito, Equador, possui mestrado em Economia Empreendedorial pela Universidad Francisco Marroquin, da Guatemala e é o presidente do Instituto para la Libertad, um think tank libertário

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