A
sanha autoritária do governo Lula segue a toda nesse fim de mandato. Primeiro veio o Plano Nacional de Direitos
Humanos - que já foi bem destrinchado por alguns (poucos) veículos da mídia. Depois veio a proposta (na verdade, a
materialização de um velho sonho socialista) de se obrigar as grandes empresas
a distribuir 5% do seu lucro para os empregados ("Todo poder ao
proletariado!"). Já na semana passada
surgiu mais um destrambelho: a criação
de uma estatal de banda larga, que passa pela reativação da Telebrás - que agora
será uma estatal 'voltada para o lucro', pois essa é a visão dos "comunistas
modernos" (palavras de Lula).
De
uma coisa não se pode reclamar do atual governo: ele é veloz. Assim que você acaba de criticar uma medida,
surgem pelo menos outras quatro, em estonteante profusão. E é sobre a quarta medida que vamos falar
nesse artigo: o Banco Central, além de depreciar diariamente o poder de compra
da moeda, agora quer regulamentar a remuneração de executivos de instituições
financeiras. Segue o principal da notícia:
O Banco Central colocou em audiência pública proposta de resolução para
regulamentar a remuneração de administradores e empregados de instituições
financeiras. A proposta segue compromisso assumido por todos os países do G20
(grupo dos principais países ricos e emergentes) em reuniões de abril e
setembro de 2009 e ficará em consulta pública por 90 dias.
Em nota, o BC afirma que os líderes do G20 veem a necessidade de "padrões
internacionais robustos para a política de remuneração, visando desencorajar práticas
que levem à assunção de riscos excessivos, como forma de fortalecer
a estabilidade do sistema e alinhar práticas de remuneração com criação de
valor a longo prazo."
Ao
contrário das parvoíces do decreto dos Direitos Humanos, que pelo menos
encontrou alguma resistência, essa nova medida tende a receber grande aprovação
do público, principalmente por causa daquele sentimento de inveja e rancor que
sempre permeou a humanidade - afinal, por que não finalmente controlarmos esses
banqueiros? Até mesmo aquele "baluarte
do mercado" Henrique Meirelles - provavelmente um tanto entusiasmado quanto ao
seu futuro político, algo por essas latitudes sempre foi sinônimo de medidas
mais populistas - foi cooptado pela
proposta, demonstrando frente às câmeras uma discreta excitação em relação ao
projeto. Já Guido Mantega, por motivos
óbvios, está quase atingindo
o nirvana.
Embora
essa seja uma medida recheada do que há de pior na teoria moral e econômica,
seria uma grande desonestidade de nossa parte não antes relatarmos os fatos que
a estimularam e reconhecermos sem qualquer hesitação que eles realmente não
podem ser tolerados. A questão é que a
medida governamental proposta, embora diagnostique corretamente a doença
(comportamento temerário das instituições financeiras), erra na causa (sempre a
tal da ganância - como se essa fosse uma característica exclusiva de
banqueiros, e de ninguém mais) e piora ainda mais ao receitar a cura (fixar
salários).
O que aconteceu
Como
já é sabido de todos, as raízes da atual crise econômica tiveram suas origens
nos EUA. Cada economista oferece seus
diagnósticos de acordo com sua ideologia, mas é fato que os argumentos fornecidos pela
Escola Austríaca continuam até hoje incontestados. No máximo, eles são "refutados" com algumas
risadinhas um tanto desesperadas de seus adversários - uma atitude que, no
mundo intelectual de hoje, contaminado por apenas duas escolas de pensamento
econômico, passa-se facilmente por argumentação robusta e gabaritada.
Nesse
artigo, porém, vamos nos ater exclusivamente ao assunto em pauta: as "práticas
que lev[aram] à assunção de riscos excessivos" de várias instituições financeiras,
o que exige "padrões internacionais robustos para a política de remuneração [de
seus executivos], visando desencorajar [essas] práticas".
Afinal,
o que tem a ver a remuneração dos executivos com o comportamento das
instituições financeiras?
Para
tal, vou recorrer aos ensinamentos de ninguém menos que Peter Schiff. A explicação é ligeiramente longa, mas eu
prometo me esforçar para não cansar o leitor, tornando a leitura mais palatável.
Fundos mútuos
Toda
a lambança começou com os fundos mútuos.
Fundos mútuos são companhias de investimento que recebem dinheiro de
vários investidores distintos (principalmente bancos) para investi-lo em ações,
títulos, instrumentos de curto prazo e em vários outros papeis.
O
problema principal das várias empresas de fundos mútuos é que elas dão mais
importância para o preço das ações em suas carteiras do que para os dividendos
que essas ações pagam. Isso gerou um problema
que é raramente discutido: a questão da performance relativa versus performance
absoluta.
Um
investidor de longo prazo deveria obviamente estar preocupado com a performance
absoluta de seus investimentos. Porém,
os administradores dos fundos mútuos, sempre competindo com seus pares, estão
preocupados apenas com a performance relativa.
Esse
conflito de interesses, quase sempre negligenciado pelos investidores, é de
importância vital, pois o que gera esse conflito é justamente a maneira como os
administradores são pagos e a maneira como os fundos são por ele
propagandeados.
Explicando
melhor: uma empresa de fundo mútuo está preocupada exclusivamente com suas
performances trimestrais, tanto em relação a um determinado referencial
(benchmark) quanto em relação à performance de fundos rivais que tenham os
mesmo objetivos. Sendo assim, nenhum
administrador quer apresentar um desempenho pior que o de seus rivais no curto
prazo, e nenhum fundo quer que sua recente performance tenha uma comparação
desfavorável à de seus concorrentes.
Tal
raciocínio, obviamente, estimula um comportamento puramente especulativo,
fazendo com que os administradores dos fundos, na ânsia de quererem demonstrar
boas performances, saiam comprando ações que já estão sobrevalorizadas, sendo
que os preços destas continuarão subindo à medida que mais ações forem sendo
compradas.
Enquanto
durar esse ciclo de compras, a farra estará garantida. Os fundos que estão comprando ações
sobrevalorizadas serão capazes de apresentar números muito impressionantes em
relação aos concorrentes, sendo que essa boa performance irá resultar em um
aumento do número de investidores interessados justamente em performance. Essa entrada de novos investidores faz com
que os fundos sejam novamente reinvestidos nas mesmas ações sobrevalorizadas
que estimularam essa performance. Ou
seja, trata-se de um ciclo que (aparentemente) se alimenta a si próprio.
O
"aparentemente" se aplica porque tal comportamento especulativo, no qual as
ações estão constantemente subindo e atraindo mais investidores, obviamente só
é possível num ambiente de expansão monetária acelerada, isto é, um ambiente em
que o banco central esteja criando dinheiro a taxas cada vez maiores.
Assim
que houver uma interrupção na expansão monetária, essa bolha especulativa irá
chegar ao fim. Os preços das ações
despencarão (como ocorreu) e os investidores interessados no longo prazo serão
os mais prejudicados. E os
administradores? Ora, esses já ganharam
seus bônus; e como todos os fundos despencaram juntos, ninguém fica preocupado,
pois as performances relativas ficaram na mesma. Todos perderam juntos.
Por
outro lado, imagine um administrador cauteloso, interessado em dividendos e
voltado para o longo prazo, com o bom senso de não investir em ações sobrevalorizadas,
preferindo investir em empresas subvalorizadas.
Os preços das ações dessas empresas podem ficar lá embaixo durante anos,
até que eles finalmente subam e passem a refletir o real valor das empresas. Embora essa estratégia seja ótima para os investidores,
elas podem ser desastrosas para os administradores, que provavelmente já terão
sido demitidos muito antes de seus investimentos se mostrarem acertados.
Portanto,
a conclusão é que realmente não é uma boa política os fundos mútuos pagarem a
seus administradores bônus robustos de acordo com exultantes performances de
curto prazo. Afinal, quando os
investidores de longo prazo precisarem de seu dinheiro, este já terá evaparado. O que interessa ao investidor é uma
performance absoluta de longo prazo,
algo no qual a maioria dos administradores de fundos não está interessada.
Seria
uma solução, portanto, o governo controlar os salários e os bônus? Óbvio que não. Parar com a expansão monetária - o que
aniquilaria os comportamentos especulativos, pois seria impossível os preços
das ações subirem tanto e conjuntamente - e deixar claro que não haverá pacotes
de resgate quando as inevitáveis lambanças ocorrerem (risco moral) já seriam
medidas amplamente suficientes para conter esse furor. Mas isso não interessa nem ao governo e muito
menos às instituições financeiras
Essa
proposta de regulamentar a remuneração dos administradores em momento algum vai
contra os interesses de quem ela finge atacar.
Muito pelo contrário: ela é um grande subsídio, pois ajuda a desviar o
foco dos reais problemas ao mesmo tempo em que agrada às massas. Não é desarrazoado dizer que os fundos
preferem muito mais um governo que regule salários (algo que pode perfeitamente
ser "contornado") do que um governo que pare de expandir a base monetária,
interrompa o sistema de reservas fracionárias e deixe claro que não irá
socorrer empresas quebradas. Isso, sim,
iria totalmente contra os interesses de Wall Street e dos grandes barões do
mercado financeiro espalhados pelo mundo, inclusive no Brasil. (Ou você realmente acha que Henrique
Meirelles vai determinar os ganhos de Armínio Fraga e Gustavo Franco?)
Hedge funds
Mas
se os fundos mútuos ainda não lhe convenceram de que há um conflito de
interesses entre investidores e administradores, então os hedge funds farão o
serviço.
Em
crescente expansão no Brasil e no mundo, os hedge funds começaram nos EUA como
obscuros bastiões para os super-ricos.
Sempre foram em grande parte muito pouco regulados (já dá pra ouvir a
gritaria) e desobrigados de qualquer transparência.
Atualmente
viraram moda e, só nos EUA, já há por volta de 9.000 hedge funds que juntos detêm
mais de US$1 trilhão em ativos. Seus
administradores, a última safra dos trilhardários, costumam cobrar de 1 a 2% de
taxa de administração mais 20% ou mais dos lucros trimestrais. Não, não houve erro de digitação: eles cobram
20% ou mais dos lucros trimestrais. O
que isso implica?
Dado
que "hedge" significa proteger contra riscos, não deixa de ser irônico que os
ganhos dos hedge funds advenham justamente do enorme nível de risco em que
incorrem, justamente o tipo de coisa que um hedge supostamente deveria
minimizar.
Explico:
os hedge funds se vangloriam de ser uma indústria que gera altíssimos
retornos. O problema é que esses retornos
não advêm de investimentos visionários ou de melhor qualidade que os dos
concorrentes, mas de investimentos comuns, com retornos normais, mas que são
amplificados em decorrência de uma alavancagem excessiva. Ou seja: essa alavancagem faz com que investimentos
com retornos comuns sejam transformados em retornos gigantescos sobre os quais
os administradores coletam seus 20%. Não
há praticamente nenhum hedge sendo feito.
Como disse Peter Schiff, a maioria dos hedge funds deveria ser chamada
de "risk funds" ou de "fundos ultra-alavancados".
Como
ocorre esse processo?
Ele
curiosamente é muito simples. Por
exemplo, suponha que um hedge fund compre um título de uma empresa que esteja
descapitalizada e que, por isso, ofereça altos rendimentos (os chamados junk bonds, títulos que oferecem altos
rendimentos mas com baixa segurança).
Vamos supor que o papel esteja dando um retorno de 8%.
Portanto,
em teoria, se o hedge fund investir $100, ele receberá $108 dali a algum
tempo. Porém, se o hedge fund se
alavancar em um fator de dez, contraindo empréstimos com juros de 4% - isto é,
pegando $1.000 emprestados e tendo de devolver $1.040 -, ele poderá ampliar seu
retorno em cinco vezes.
Funciona
assim: o hedge fund investe $1.000 no junk
bond e recebe $1.080 de retorno.
Desses $1.080 ele paga $1.040 para o credor de quem pegou dinheiro
emprestado como alavancagem. Lucro
líquido: $40. Lucro que teria sem a
alavancagem: $8.
Ou
seja: ao assumir o risco adicional, um retorno de 8% virou um retorno de 40%,
tudo em decorrência da mágica da alavancagem.
Assim, se um hedge fund especializado em junk bonds alavancar-se em dez vezes para um investimento de $1
bilhão, um retorno de 8% se transforma em um lucro de $400 milhões. Como o administrador cobra 20% dos lucros,
ele vai ganhar fácil $80 milhões.
Destarte,
quem investe em hedge funds está incorrendo em riscos que nunca aceitaria em
condições normais. E pior: dando de
lambuja 20% para os administradores, que por sua vez estão se arriscando, só
que com o dinheiro dos outros. Quando a
coisa dá certo, os administradores coletam os 20% e compram suas
Maseratis. Quando dá errado, eles não
perdem nada; eles simplesmente deixam de ganhar. Os investidores é que são expropriados -
embora, não custa lembrar, eles entraram nessa por livre e espontânea vontade;
logo, devem assumir suas responsabilidades.
Disso
podemos concluir que essa taxa de 20% cria um poderoso incentivo para que um
hedge fund se alavanque além do prudente e invista em títulos de alto
rendimento mas de precária segurança. E
como todos os hedge funds tendem a perseguir estratégias similares, eles acabam
criando um impulso de curto prazo no mercado, direcionando-o para onde o
dinheiro está indo. Isso tende a
aumentar os ganhos daqueles fundos já posicionados nessa estratégia, o que faz
a alegria dos administradores, que assim podem coletar obscenas taxas de
performance nesse processo.
E
o que acontece quando todo mundo quiser sair dessa estratégia? Carnificina, é claro. Os lucros propiciados pelos retornos desses
papeis irão subitamente evaporar quando toda a tendência se reverter. Mas isso, como já explicado, é problema do
investidor. Os administradores já
coletaram suas taxas de 20% durantes vários trimestres; eles não têm nada a
perder quando o cenário se reverte.
Enquanto estiver havendo lucros, eles estão ganhando. Sendo assim, eles têm todos os incentivos
para seguir estimulando o mercado em uma dada direção. Não há nenhum motivo para querer sair antes
simplesmente porque não tem como eles perderem.
O
que fazer nesse caso? O governo tem de
intervir e regular os ganhos desses administradores?
Isso
obviamente vai criar pretextos para a expansão de um estado-babá totalitário,
que, no extremo, vai nos proibir até de atravessar a rua por conta própria. Os hedge funds são arranjos voluntários e só
participa deles quem quer. Quem optar
positivamente tem a obrigação de se informar sobre as práticas dessas empresas
- da mesma forma que um cidadão que faz uso dos serviços de garotas de programa
deve se informar sobre os riscos que corre, sobre os prazeres que pode ter em
retorno e, a partir disso, ponderar se deve ou não adentrar (sem trocadilhos,
por favor) no esquema.
Ademais,
os mesmos remédios citados para o caso dos fundos mútuos valem para os hedge
funds, com um acréscimo: essa prática temerária dos hedge funds prolifera
exatamente naqueles cenários de crédito farto e barato. Afinal, para que as alavancagens possibilitem
altos retornos, os juros devem ser baixos.
Portanto, não praticar juros abaixo dos de mercado já faria muito para
amenizar essa prática. Mas quem manipula
os juros é exatamente o banco central. E
eles agora querem se eximir de suas responsabilidades e criar
esparadrapos. Ao invés de estancarem a
hemorragia com um torniquete, eles estão mais preocupados em limpar o sangue
que cai no chão.
Por
fim, há também a questão dos incentivos.
Um setor cujos salários estão congelados pelo governo não será
exatamente um ímã para as melhores mentes.
E vamos ser sinceros: uma vez que o atual arranjo monetário nos obriga a
utilizar bancos, que por sua vez utilizam várias outras instituições
financeiras, então é melhor que todos sejam geridos por pessoas
competentes. E pessoas competentes não
exatamente se sentem atraídas por setores cujos salários estão congelados e desvinculados
da qualidade do trabalho apresentado.