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Como a agenda ambientalista e a imposição do ESG causaram uma crise energética global

Ativismo gerou escassez de petróleo e gás, retorno ao carvão e maiores emissões - e ajudou Putin

22/04/2022

Como a agenda ambientalista e a imposição do ESG causaram uma crise energética global

Ativismo gerou escassez de petróleo e gás, retorno ao carvão e maiores emissões - e ajudou Putin

Nota do Editor

O artigo a seguir foi originalmente publicado em outubro de 2021. À época, bem antes de qualquer ameaça da Rússia à Ucrânia, a situação energética global já era assustadora. Hoje, tornou-se desoladora.

Os gráficos foram atualizados para mostrar a situação atual. Já o texto original, com exceção dos trechos que descrevem os gráficos, não precisou ser atualizado em nada. Infelizmente.

Com efeito, passagens do texto que relatam as chantagens feitas por Moscou à Europa ainda em 2021 foram mantidas intactas exatamente para mostrar quão bizarro foi o masoquismo energético da Europa. No fim, os ambientalistas se revelaram os melhores aliados de Vladimir Putin.

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Eletricidade racionada na China. Desabastecimento de carvão na Índia. Preço da eletricidade disparando em toda a Europa. Uma busca desesperada por postos que ainda têm gasolina no Reino Unido. Apagões e explosões no Líbano. 

A revista The Economist, em uma ótima reportagem, relatou os eventos acima e mostra que os sintomas de uma profunda disrupção nos mercados de energia são globais.

Segundo a reportagem, na Ásia, os apagões são diários, em vários países. E o inverno, que gera um aumento na demanda por energia, ainda está para chegar no hemisfério norte.

Alguns anos atrás, os produtores de combustíveis fósseis teriam respondido a estes sinais enviados pelo sistema de preços aumentando o investimento e a produção. Em 2014, com o barril de petróleo em torno de US$ 100, a petrolífera europeia Royal Dutch Shell fez um investimento de US$ 30 bilhões em projetos de exploração e produção de petróleo e gás. Em seguida, gastou US$ 70 bilhões para adquirir a BG Group, uma rival britânica, para se tornar a maior produtora mundial de gás natural liquefeito.

Mas não desta vez.

Seu investimento em exploração, no ano de 2021, caiu para irrisórios US$ 8 bilhões. Ainda em setembro, a petrolífera vendeu todos os seus ativos de xisto na Bacia do Permiano, no Texas, para uma rival americana, a ConocoPhillips, por US$ 9,5 bilhões. 

A Shell também está se retirando da Nigéria, país em que ela estava desde 1936. 

Mais ainda: avisou que irá reduzir sua produção de petróleo de 1 a 2% ao ano até 2030.

Mas, o que já era ruim, tornou-se péssimo após a invasão da Rússia à Ucrânia.

Os preços do petróleo — que chegaram a cair para US$ 20 em abril de 2020, no auge das incertezas quanto aos efeitos da Covid-19 — fecharam 2021 em US$ 75 e agora superaram os US$ 110, o valor mais alto desde 2010. 

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Figura 1: evolução do barril de petróleo

Já o preços do gás natural na Europa, que já haviam triplicado em 2021, chegaram ao auge.

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Figura 2: evolução do preço do gás natural na Europa

A demanda por carvão, uma commodity que todos davam como morta, disparou. Seu preço mais do que sextuplicou desde o ano passado.

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Figura 3: evolução do preço da tonelada do carvão

Perguntado sobre o que a explosão nos preços significará em termos de investimento, o diretor de produção de óleo e gás da Shell respondeu francamente: "Da minha perspectiva, nada".

O que houve?

Sinalização de virtude e suas consequências

Preços mais altos não levarão a mais investimentos por um motivo simples: o ativismo dos ambientalistas e a agenda ESG obrigaram as empresas a se afastarem dos combustíveis fosseis.

Ao longo da última década, ativistas climáticos foram bem sucedidos em pressionar governos, bancos e grandes corporações a reduzirem investimentos em empresas de petróleo e gás natural. No início, tais esforços pareciam estritamente simbólicos. Mas, nos últimos anos, esses ativistas foram exitosos e conseguiram retirar investimentos públicos e privados da exploração de petróleo e gás e redirecioná-los para energias renováveis. 

O resultado está sendo a pior crise energética em 50 anos.

Sim, a redução de investimentos na exploração de petróleo e gás não é a única causa da crise energética atual. A recuperação pós-pandemia, guiada por uma maciça expansão monetária, gerou uma explosão na demanda. Está havendo uma escassez de vento (sério) na Europa, o que tornou inúteis as turbinas eólicas e aumentou a demanda por gás natural e carvão. E uma seca no Brasil obrigou o país a importar gás natural.

Mas a principal causa da atual escassez de energia é a redução de investimentos em petróleo e gás nos últimos cinco anos, guiada por preocupações climáticas.

"As considerações da agenda ESG [environmental, social, and governance — ambiental, social e governança] explicam a maior parte do declínio nos investimentos das petrolíferas nos últimos anos", relata o The Financial Times, "bem como o êxodo dos investidores dos mercados de petróleo e gás natural".

A Bloomberg concorda, e acrescenta que "o mercado está hoje obcecado com mudanças climáticas, o que levou a uma redução do apetite para se investir em combustíveis fosseis".

Além do lobby ambientalista, organismos multilaterais e governos de países desenvolvidos têm forçado as empresas e os bancos a reduzirem financiamentos para exploração de petróleo e gás, e a implementarem uma transição rápida para o mundo verde. Tudo isso é falado abertamente.

Investimentos para a exploração de petróleo e gás caíram à metade entre 2011 e 2021, observa o Financial Times. As descobertas de novos campos de petróleo caíram para as mínimas históricas entre 2016 e 2020. E não por uma escassez de petróleo, mas sim por escassez de investimentos em exploração. Hoje, as petrolíferas estão gastando 25% menos do que precisam para manter a produção de petróleo constante.

Como resultado da pressão dos ativistas, governos e investidores passaram a punir petrolíferas e empresas de gás natural. Quando uma despesas empresas, a EOG Resources, anunciou, ainda em fevereiro, que tinha a intenção de expandir sua produção, o preço de suas ações caiu mais do que o de todas as outras empresas do S&P 500. Naturalmente, petrolíferas e empresas de gás americanas, desde então, se recusaram a aumentar sua produção, mesmo com o aumento dos preços destas commodities.

A ideia de responsabilidade social nos investimentos é antiga, mas a agenda ESG foi adotada ao longo da última década por empresas que fazem doações para universidades, bancos de investimento, como o BlackRock, governos, pela Agência Internacional de Energia, pela ONU e, agora, pelas próprias petrolíferas, incluindo-se Shell, Total e várias outras. 

Em maio, um tribunal na Holanda ordenou que a Shell reduzisse suas emissões, uma sentença que tornou outras petrolíferas relutantes em investir em novas explorações de petróleo e gás.

Não é que os executivos das petrolíferas não soubessem que uma redução nos investimentos levaria aos atuais choques de preços. É que eles foram ignorados. Quando perguntaram ao ex-CEO da Exxon, Lee Raymond, o que lhe causava insônia, ele simplesmente respondeu: "estoques em baixa". Os acionistas da empresa haviam exigido que ele parasse de investir. Em 2020, sob a pressão de ativistas climáticos, o JPMorgan Chase, o maior banco de investimentos dos EUA, removeu Raymond de sua função de diretor do conselho da empresa.

"Hoje, o investimento em combustíveis fosseis passou a ser criminalizado, e o financiamento está cada vez mais esparso, com os grandes bancos ocidentais se retirando da atividade", relata o Financial Times. "Devido ao grande período de tempo entre o investimento e o surgimento da oferta, ainda estamos para vivenciar o verdadeiro impacto desta redução na produção  convencional de petróleo e gás. Em outras palavras, a oferta continuará aquém da demanda pelos próximos anos".

Saindo espetacularmente pela culatra

O resultado deste bem-sucedido ativismo climático foi, paradoxalmente, o aumento no uso do carvão e das emissões de carbono (a eletricidade produzida pelo gás natural gera metade das emissões da produzida por carvão).

China, Índia, EUA, Leste Asiático e Europa — todos estão minerando e queimando mais carvão para suprir a escassez de gás natural (vide a evolução dos preços do carvão na figura 3). 

O governo da China recentemente revogou todas as considerações ambientais para a exploração de carvão, ordenou que a produção fosse acelerada ao máximo possível, e impôs blecautes rotineiros devido à escassez de energia.

Especialistas sempre alertaram que o ativismo climático contra o gás natural geraria o efeito contrário. Oito anos atrás, o ativista Michael Shellenberger defendeu o fracking, argumentando que isso faria com que o gás natural se tornasse mais barato que o carvão. E foi realmente o que ocorreu nos anos seguintes. Porém, com o tempo, fracking voltou a ser criminalizado. Essa redução da exploração, ao tornar o gás mais caro, diminuiu a possibilidade se abandonar o carvão.

Ambientalistas também argumentam que petróleo barato aumenta seu uso. Só que o uso de petróleo é extremamente inelástico, dado que automóveis, caminhões e aviões dependem dele. Por outro lado, pouco óleo é utilizado para a produção de eletricidade, de modo que o gás natural é necessário para compensar a intermitência de luz solar e vento.

A prova está nos dados. A fatia dos combustíveis fosseis na produção de energia global se mantém inalterada em 84% desde 1980. Considerando que as emissões na Europa e nos EUA declinaram neste período, isso deve majoritariamente à transição do carvão para o gás natural.

O masoquismo ocidental

Se as coisas estão ruins na Ásia, na Europa, a situação beira o masoquismo.

Com o inverno se aproximando, sem carvão e sem energia éolica (como dito acima, não ventou no continente), o continente está totalmente dependente da Rússia. Mais especificamente, de Vladimir Putin. 

A Rússia oferta metade do gás natural consumido pelo continente, o qual aquece casas e é a força-motriz da indústria. Embora Moscou esteja cumprindo seus contratos de longo prazo, o The Wall Street Journal relata que Putin está se recusando a vender gás pelo preço vigente no mercado spot, cobrando mais caro.

Ainda segundo o jornal, outros oficiais do Kremlin fazem chantagem explícita: se os governos europeu aprovarem o marco regulatório do gasoduto Nord Stream 2, que vai da Rússia à Europa, a oferta de gás será mais abundante. Moscou tem duplo interesse no gasoduto: de um lado, ele irá aprofundar a dependência energética da Europa em relação à Rússia; de outro, o gasoduto irá privar a Ucrânia (cujo governo é inimigo de Moscou) de continuar coletando tarifas sobre o gás que circula nos atuais gasodutos.

O Reino Unido e a União Europeia prometeram zerar suas emissões até 2050. Para isso, fecharam todas as suas minas de carvão e despejaram bilhões em projetos de energia solar e éolica. A Alemanha e vários outros países europeus praticamente baniram o fracking.

Isso transformou os líderes europeus no equivalente a exploradores navais do século XVI, rezando por ventos e clima favoráveis, uma vez que, no continente, os preços da energia dependem inteiramente da quantidade de nuvens e das condições do vento. 

A Alemanha também se deu mal quando a chanceler Angela Merkel decidiu abolir toda a energia nuclear do país em uma reação exagerada ao acidente de Fukushima, em 2011. A última estação nuclear do país será desativada ano que vem. A Comissão Europeia está agora debatendo se deve ou não classificar a energia nuclear como energia sustentável, o que poderia reduzir os custos de financiamento para projetos nucleares. Mas a Alemanha é contra. 

Essa propensão da Europa a se auto-imolar em nome de metas climáticas inalcançáveis — e, consequentemente, ficar totalmente à mercê de Vladimir Putin — é um dos maiores atos de auto-sabotagem da história. E, ainda assim, os líderes europeus irão se encontrar na Conferência Climática de Glasgow, em novembro, para aumentar seu masoquismo energético.

Já o presidente americano Joe Biden parece ansioso para não ficar atrás dos seus congêneres europeus. Seguindo pressões dos ambientalistas, Biden já revogou a licença para a construção do Gasoduto Keystone, que seria construído entre Alberta, no Canadá, e as refinarias do estado americano de Nebraska (de onde ele seria conectado à rede já existente de oleodutos nos EUA, chegando às refinarias do sul do Texas) e também vetou novos projetos de fracking no Alasca e em todas as terras federais do país.

Como resultado, os EUA voltaram a ficar dependentes energeticamente de outros país.

"O presidente Biden efetivamente aceitou a ideia de que os EUA passarão a depender mais de petróleo estrangeiro", observa o The New York Times. "Sua administração vem pedindo à OPEC para aumentar a produção para ajudar a diminuir os preços do petróleo e da gasolina no país, ao mesmo tempo em que busca limitar o crescimento da produção de petróleo e gás no país".

Aumentar a dependência dos EUA em relação ao petróleo dos estrangeiros é uma medida que deixa até mesmo o The New York Times — que sempre defendeu a redução de investimentos em petróleo e gás — nervoso. O jornal recentemente alertou que "EUA e Europa podem se tornar mais vulneráveis às turbulências políticas daqueles países e aos caprichos de seus governantes".

Para concluir

O masoquismo energético do Ocidente beira o inacreditável. Um movimento ambientalista radicalizado em conluio com políticos sem visão fez com que investir em prospecção e refino de petróleo se tornasse uma atividade extremamente arriscada do ponto de vista financeiro. Nenhuma empresa fará investimento de longo prazo — imobilizado capital e recursos escassos — em um atividade que está cada vez mais criminalizada e que, dependendo do governo, pode até vir a ser proibida.

Sendo assim, a realidade será de cada vez menos oferta de combustíveis fosseis e preços cada vez maiores.

Trata-se de um desastre auto-induzido, que foi gestado cuidadosamente. Putin deve estar maravilhado com sua sorte estratégica.


Sobre o autor

Gustavo Guimarães

É administrador de empresas pela FGV-SP, empreendedor do ramo da construção civil, e autodidata em economia.

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