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Economia

Economias prolongadamente afetadas por governos não se recuperam facilmente

E isso tende a gerar frustrações que podem piorar ainda mais a situação

16/07/2021

Economias prolongadamente afetadas por governos não se recuperam facilmente

E isso tende a gerar frustrações que podem piorar ainda mais a situação

Após meio século de adesão ao marxismo revolucionário, o estado cubano, por razões de necessidade e pragmatismo, vem fornecendo indícios de que irá se tornar um estado autoritário mais tradicional.

Tão logo os irmãos Castro saiam completamente de cena (só falta um agora), é bastante improvável que o governo cubano adote, de um momento para o outro, o livre mercado. Como tem sido o caso na China, a elite política encontrará maneiras de se perpetuar e manter o controle político, ao mesmo tempo em que continuará abiscoitando para si uma fatia substancial da riqueza produzida pelo trabalho dos cidadãos do país.

O que é mais provável de acontecer é que ela irá diminuir um pouco as amarras sobre a economia, simplesmente por reconhecer que economias mais livres são mais produtivas.

No entanto, não prenda a respiração: não espere que Cuba se torne um paraíso para a livre iniciativa no futuro próximo.

Mesmo com sua economia se tornando ligeiramente mais livre, Cuba irá continuar sendo mais pobre que todos os seus vizinhos (com a exceção talvez do Haiti). E será assim indefinidamente.

Mais ainda: mesmo que Cuba se tornasse a Cingapura do Caribe -- algo extremamente improvável --, o país ainda assim continuaria sendo, por décadas, muito mais pobre do que a maioria de seus vizinhos latino-americanos.

E seria assim porque, independentemente daquilo que políticos dizem, as pessoas de um país não podem se tornar mais prósperas simplesmente porque o governo assim o deseja. Afinal, se a riqueza pudesse ser produzida por decreto estatal, então os regimes de Cuba e Coreia do Norte -- nenhum dos quais tem de lidar com qualquer oposição política organizada -- teriam transformado suas economias em potências, pois ambos usufruem um poder praticamente irrestrito para "melhorarem" suas economias.

O problema é que, na vida real, a riqueza só pode ser construída por meio da poupança, da acumulação de capital e da divisão do trabalho. Sem dúvida, algumas pessoas podem se beneficiar da redistribuição de riqueza decretada pelo governo; porém, para que haja riqueza a ser distribuída, esta tem primeiro de ser criada. E a riqueza é criada quando pessoas produzem bens e serviços de valor, e quando elas abdicam do consumo presente para que possam investir os recursos não-consumidos e, com isso, tenham a capacidade de ter mais consumo no futuro.

Sim, é fácil falar tudo isso. Muito mais difícil é fazê-lo. Mas eis o mais frustrante de tudo: mesmo após uma sociedade ter adotado um arranjo com mercados relativamente mais livres, ela ainda assim poderá demorar décadas para alcançar a condição de sociedade rica, segundo os padrões modernos.

Pior: durante esse processo de construção de riqueza, muitos ideólogos e políticos populistas apontarão para a crescente discrepância entre países ricos e pobres, e irão culpar o mercado.

O exemplo da Alemanha Oriental e do Leste Europeu

Embora, na economia e na política, não exista um arranjo que possamos classificar como "experiência totalmente controlada", ainda assim há alguns casos que demonstram, de maneira convincente, como as revoluções políticas, por si sós, são insuficientes para efetuar uma revolução econômica.

Por exemplo, quase 30 anos após a queda do Muro de Berlim, aquelas áreas da Alemanha que estiveram submetidas a um regime de estilo soviético -- conhecido por República Democrática da Alemanha -- continuam mais pobres que as outras áreas da Alemanha que não adotaram o socialismo, e que eram conhecidas como Alemanha Ocidental.

Em 2014, o jornal The Washington Post fez uma reportagem mostrando como a Alemanha Oriental ainda hoje apresenta níveis menores de renda, taxas de desemprego mais altas e, em geral, é menos próspera que o lado ocidental alemão. Esta situação, por sua vez, fez com que essa região oriental da Alemanha sofresse um êxodo de jovens, muitos dos quais se deslocaram para o oeste do país, à procura de melhores empregos e maiores salários.

Já a revista Fortune observou que "se olharmos algumas estatísticas como renda per capita ou produtividade do trabalhador, estas também demonstram uma ampla disparidade em termos de desenvolvimento econômico entre o leste e o oeste da Alemanha."

Já o periódico econômico Quartz apresentou um dado complementar: "Hoje, o leste da Alemanha apresenta muitos problemas estruturais semelhantes aos de países como a Grécia e Espanha, embora em escala muito menor."

Durante a Guerra Fria, muitos oponentes do socialismo apontaram a Alemanha como o exemplo perfeito de como o socialismo ao estilo soviético destruía a prosperidade econômica. A piada era recorrente: se o socialismo não funcionou nem na Alemanha, como querer que ele funcione em qualquer outro lugar?

Mas isso foi naqueles tempos. Hoje, aquele regime da Alemanha Oriental já não existe mais e a Alemanha é, em termos relativos, uma das economias mais pró-mercado do mundo. O leste alemão tem exatamente o mesmo governo que o oeste alemão. Então, por que o leste ainda continua mais pobre que os seus vizinhos do oeste?

A resposta jaz no fato de que, ainda que os sistemas político e legal sejam os mesmos, o leste ainda sofre as consequências das décadas que passou destruindo seu capital sob o domínio soviético. Consequentemente, o leste está décadas atrasado, em relação ao oeste, em termos de acumulação de capital e aumento da produtividade do trabalho.

Esse exemplo alemão oferece a mais cristalina das comparações porque, antes da Segunda Guerra Mundial, os alemães do leste e do oeste não só tinham sistemas políticos similares, como também eram semelhantes tanto étnica quanto culturalmente. Assim, comparar o desempenho de ambos durante a Guerra Fria, sob dois regimes distintos, fornece uma quase "experiência controlada".

Mas podemos também expandir a análise para além dos alemães que estão a leste. Vamos à Polônia. Por que a Polônia, com sua longa tradição de governos parlamentares e descentralizados, e sua histórica orientação ocidental, ainda é relativamente pobre em relação ao resto da Europa Ocidental?

O mesmo pode ser dito sobre República Tcheca. Sua principal cidade, Praga, já chegou a ser a segunda mais importante do Império Austríaco, tendo sido também o centro da riqueza e da cultura européias. Os checos, assim como os poloneses e alemães orientais, nunca recuperaram o seu lugar relativo em termos de riqueza na Europa.

Parte da explicação para tudo isso está no fato de que o legado de um sistema político abandonado pode permanecer vivo durante décadas, mesmo após o regime ter mudado. Como explicado neste artigo, no contexto dos regimes sul-americanos:

Mudanças institucionais definem o destino de um país apenas no longo prazo.  Elas não definem sua prosperidade no curto prazo. [...] Por exemplo, quando a China abriu parte de sua economia para os mercados internacionais, o país começou a crescer economicamente.  Hoje, estamos vendo os efeitos destas décadas de relativa liberalização econômica.  É verdade que várias áreas da China ainda sofrem uma ausência de liberdades significativas, mas o país seria muito diferente hoje caso houvesse se recusado a mudar suas instituições décadas atrás.

Claramente, o fato de os países do velho Bloco Oriental terem adotado uma maior liberalização de suas economias os permitiu uma maior prosperidade econômica. no entanto, isso, por si só, não basta para elevá-los ao mesmo nível de riqueza daqueles outros países que nunca foram submetidos aos efeitos destruidores de décadas de socialismo.

Coreia: um exemplo extremo, mas relevante

Tudo isso ficará ainda mais óbvio se e quando o regime da Coreia do Norte se esfacelar. Quando isso ocorrer, o mais provável é que ele seja integrado à Coreia do Sul. E aí, então, teremos um país cujas regiões do norte, apesar de uma etnia idêntica e de uma história extremamente semelhante, serão muito mais pobres que as regiões do sul.

Alguns alemães do oeste, até hoje, se ressentem de todos os impostos que já foram retirados deles e direcionados para o leste do país, para ajudar na integração. Mas isso irá se tornar absolutamente insignificante quando comparado a toda a riqueza que os pagadores de impostos do sul da Coreia terão de direcionar para o norte após uma reunificação. Como a BBC observou:

Os rendimentos na Coreia do Sul são de 10 a 20 vezes mais elevados que na Coreia do Norte -- uma diferença muito mais ampla do que aquela entre o leste e o oeste da Alemanha. Isso significa que, se ocorresse uma reunificação, o solavanco econômico seria muito maior.

Mesmo hoje, os norte-coreanos que conseguiram desertar já descobriam que suas capacidades e qualificações estão muito aquém das exigências típicas na Coreia do Sul. Médicos que desertaram da Coreia do Norte frequentemente são reprovados nos exames médicos básicos da Coreia do Sul. Tudo isso indica que os esforços e dinheiro necessários para a reunificação seriam astronômicos em comparação a tudo o que ocorreu na Alemanha.

Em tal cenário, todos os mesmos problemas encontrados na Alemanha seriam enormemente multiplicados na Coreia. Jovens trabalhadores debandariam em multidões para o sul em busca de trabalho e educação. O norte passaria a ser uma terra de pensionistas empobrecidos vivendo exclusivamente de benefícios sociais pagos pelos trabalhadores do sul.

Somente depois de várias décadas é que o capital começaria a se mover para norte. Na melhor das hipóteses, a Coreia do Norte passaria a ser caracterizada como um estado fronteiriço cuja economia se baseia na extração de recursos naturais, e cuja mão-de-obra tem de ser importada de outras partes do país, ou mesmo do estrangeiro.

É claro que todo este processo poderia ser acelerado por meio de transferências forçadas de riqueza e capital pagos pelos habitantes do sul, mas isso obviamente implicaria um enorme custo para os sul-coreanos.

A reação política

Mas mesmo sendo auto-evidente que um arranjo de mercado traz maior riqueza e prosperidade, caso tais mudanças ocorram na Coreia e em Cuba, isso causará uma grande reação política, assim como aconteceu, em certa medida, no Leste Europeu. Os males sociais presentes nestes países recém 'ocidentalizados' serão atribuídos ao "capitalismo excessivo" tão logo os trabalhadores começarem a migrar para onde o capital está, deixando para trás uma economia esfacelada nas antigas áreas socialistas.

Dado que a riqueza não irá surgir magicamente em todos os cantos do país ao mesmo tempo, uma pobreza significativa persistirá em muitas áreas, sendo que, desta vez, em vez de ser atribuída a fictícios burgueses reacionários (como sempre ocorreu no socialismo), será atribuída ao capitalismo em geral, cuja presença factual tornará o argumento ainda mais convincente.

A pobreza relativa das antigas áreas socialistas vai perdurar, apesar dos imensos ganhos em termos de padrão de vida. Os capitalistas serão culpados também por estas desigualdades. Como escreveu Andrei Lankov em relação ao contexto coreano:

A riqueza e a pobreza são, essencialmente, categorias relativas. Não há dúvida de que, nos primeiros anos após a unificação, o operário e o catador de arroz da Coreia do Norte irão comparar sua nova vida com aquela que tinham sob o jugo da família Kim -- com tais comparações revelando-se decisivamente em prol do novo sistema.

No entanto, será uma questão de tempo, talvez até mesmo de poucos anos, até o foco passar a ser o Sul atual. Os norte-coreanos começarão a comparar as suas posses não com a situação de antes da unificação, mas sim com a Coreia do Sul atual, e estas comparações não serão nada favoráveis ou estimulantes.

Em outras palavras, antes os norte-coreanos se preocupavam apenas em conseguir se manter vivos sob o regime comunista; agora, a nova preocupação será tentar estar à altura do vizinho debaixo, o que não será possível. Com isso, uma inevitável nostalgia daqueles tempos mais 'simples' irá se manifestar, e o capitalismo será o culpado, mais uma vez, pela persistente desigualdade. Todas as lições sobre o que realmente impediu a riqueza dos norte-coreanos serão rapidamente esquecidas.

É provável que algo semelhante aconteça em Cuba. Mesmo que Cuba liberalize sua economia gradualmente (em termos econômicos e não políticos), o país ainda assim continuará bem mais pobre que os Estados Unidos. E também mais pobre que Brasil, México, Chile e todos os países latino-americanos banhados pelo Pacífico, que estão adotando sistemas econômicos mais baseados no mercado.

Frustrados pela visível desigualdade e desiludidos com a perspectiva de se tornarem tão ricos quanto, os cubanos exigirão "mudança". Só que em vez de liberalizarem ainda mais sua economia, poderão seguir o caminho da Venezuela, procurando uma solução apressada que pode muito bem se transformar em um ciclo de perpetuação da miséria.

Sobre o autor

Ryan McMaken

Ryan é bacharel em economia e mestre em políticas públicas e relações internacionais pela Universidade do Colorado. É editor sênior do Mises Institute

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