Esse site usa cookies e dados pessoais de acordo com os nossos Termos de Uso e Política de Privacidade e, ao continuar navegando neste site, você concorda com suas condições.

< Artigos

Economia

Uma radiografia de Trump e Clinton: dois estatistas irresponsáveis; dois desastres deploráveis

Hillary tem promessas pavorosas e executáveis; já Trump tem promessas ruins e impraticáveis

08/11/2016

Uma radiografia de Trump e Clinton: dois estatistas irresponsáveis; dois desastres deploráveis

Hillary tem promessas pavorosas e executáveis; já Trump tem promessas ruins e impraticáveis

Ganhe quem ganhar hoje, não há boas notícias para os americanos. Tanto Hillary quanto Trump -- caso coloquem em prática suas respectivas plataformas -- serão um desastre para a principal economia mundial, ainda que por razões distintas: Hillary sufocará os poupadores, investidores e trabalhadores qualificados com mais impostos; já Trump condenará todos os pagadores de impostos a um Himalaia de dívida pública.

Hillary Clinton: mais gastos e mais impostos

Comecemos pela candidata democrata. Hillary é uma das aspirantes à presidência dos EUA que mais abertamente defende o estatismo e o intervencionismo governamental em toda a história do país: embora seja natural candidatos democratas defenderem mais estado, o fato é que a incompetência de seu rival lhe permitiu assumir o risco eleitoral de manter um discurso muito mais liberticida do que o habitual em eleições. (Perante qualquer outro rival minimamente mais libertário, Clinton não teria a mais mínima chance de vencer com semelhante radicalismo).

Consequentemente, a democrata almeja incrementar (ainda mais) o tamanho do ineficiente, caro, esbanjador e distorcido estado de bem-estar americano:

Na educação, promete gastar durante a próxima década US$ 700 bilhões a mais em bolsas universitárias e pré-universitárias (avançando progressivamente até a estatização de fato da educação nos EUA).

Para a saúde, desembolsará US$ 250 bilhões adicionais para aprofundar o já falido Obamacare (por meio da expansão da cobertura dos extremamente caros Medicaid e Medicare, o que, de novo, levará a um progressivo avanço da estatização da saúde dos EUA).

Para a infraestrutura, seu plano é destinar US$ 300 bilhões adicionais para a reforma de estradas, portos, aeroportos e ferrovias.

Finalmente, mais US$ 500 bilhões serão destinados às mais diversas rubricas, como licença-maternidade, subsídios às indústrias nacionais, programas de estímulo econômico etc.

Um esbanjamento de dinheiro dos americanos estimado em US$ 1,750 trilhão pelos próximos dez anos.

clinton1.png

Gráfico 1: plano de aumento de gastos de Hillary Clinton

E como Hillary pretende pagar tamanha fatura? Evidentemente, com mais impostos. Mais de um trilhão de dólares virá do aumento do IRPF dos trabalhadores mais qualificados do país (aqueles que ganham mais de US$ 190 mil dólares por ano). Outros US$ 400 bilhões virão da abolição de deduções fiscais (o que, na prática, significa aumento de impostos). Um aumento dos impostos sobre os ganhos de capital dará mais US$ 350 bilhões de dólares para o governo. E um imposto especialmente punitivo para as grandes fortunas gerará mais US$ 300 bilhões para o governo.  Ou, ao menos, é isso o que a equipe de Hillary imagina.

Mas tem mais: a candidata democrata também pretende aumentar a arrecadação do IRPJ aumentando a base de contribuição, o que tende a afetar as pequenas empresas. Quer também punir com severas multas as empresas que não repatriarem lucros do exterior (gerando ao governo US$ 150 bilhões). Elevará as alíquotas do imposto sobre herança (mais US$ 250 bilhões) e, por fim, criará um novo tributo sobre as instituições financeiras (US$ 150 bilhões).

No total, US$ 1,60 trilhão nos próximos 10 anos.

clinton 2.png

Gráfico 2: plano de aumento de receitas de Hillary Clinton

Em suma: embora o plano fiscal de Hillary não irá necessariamente explodir o endividamento do governo (US$ 150 bilhões em 10 anos, muito embora é importante ressaltar que a dívida total aumentará mais US$ 10 trilhões durante este período pelo efeito dos juros), ele resultará em um aumento acentuado do parasitismo estatal sobre a sociedade americana. 

Rapinar a poupança e a criação de riqueza para incrementar a dependência dos subsídios estatais de uma parcela crescente da sociedade (seus atuais e futuros eleitores), e sufocar a economia privada em prol do aumento do estado não é um plano condizente com a liberdade.

É verdade que Hillary, sendo comprovadamente uma mentirosa compulsiva -- como são todos os políticos --, poderia muito bem estar enganando os eleitores sobre suas reais intenções. Porém, analisando sua trajetória e as intenções do establishment democrata, tudo indica que seu programa fiscal avançará pelo caminho da servidão.

Donald Trump: populismo fiscal com mais endividamento

Muito já foi dito sobre as propensões protecionistas e neo-mercantilistas de Trump. Ele já prometeu uma tarifa de importação de 45% sobre todos os produtos chineses, e ameaçou retaliar economicamente a Ford caso esta abra mais fábricas no México. Essa torrente de idéias políticas impressionou até mesmo o site esquerdista Vox, que publicou um artigo sobre "as ideias econômicas de esquerda que Trump está adotando".

Sendo assim, aqui iremos nos concentrar em sua política fiscal, como feito acima com Hillary.

Trump vem baseando sua proposta fiscal em uma acentuada redução de impostos para famílias e empresas. Por esta razão, alguns liberais e libertários passaram nutrir simpatias pelo candidato no âmbito estritamente econômico: frente à voracidade tributária de Hillary, o magnata nova-iorquino parece ao menos trazer um sopro de alívio sobre os pagadores de impostos americanos.

No entanto, e aí jaz o principal problema de suas promessas eleitorais, todo o seu prometido corte de impostos não passa de um mero populismo fiscal, pois não haverá nenhum corte de gastos. Ao contrário: Trump promete redução de impostos e aumento de gastos, o que significa que uma eventual redução de impostos será inteiramente financiada por mais endividamento do estado, o que, por sua vez, significa que quem realmente arcará com a fatura serão as gerações futuras. "Baixo seus impostos hoje e cobro a fatura amanhã, com juros". Eis aí a clássica definição do populista. Keynes estaria orgulhoso.

Comecemos pela sua redução de impostos. Trump promete uma autêntica revolução nos impostos sobre a poupança e o investimento: a alíquota máxima do IRPJ será diminuída dos atuais 35% para 15%. Lucros repatriados do exterior serão tributados em 10%. As indústrias poderão colocar em seus balancetes uma depreciação mais acelerada de seus ativos (o que reduz a mordida do imposto de renda). Tudo isso gerará uma redução de US$ 2,85 trilhões em 10 anos.

Adicionalmente, o republicano também promete eliminar o imposto sobre heranças (US$ 200 bilhões).

Mais: Trump também promete aliviar o IRPF reduzindo o número de alíquotas: as atuais 10%, 15%, 25%, 28%, 33%, 35% e 39,6% seriam reduzidas para apenas três: 12%, 25% e 33%.

Ao mesmo tempo em que pretende eliminar várias deduções fiscais, ele promete criar outras vinculadas à dependência e ao cuidado de crianças (a redução total seria de US$ 1,45 trilhão).

No total, portanto, estamos falando de uma redução de receitas da ordem de US$ 4,5 trilhões em dez anos.

trump1.png

Gráfico 3: redução das receitas do governo segundo o plano de Donald Trump

Pessoalmente, sempre sou a favor de toda e qualquer redução de receitas do governo. Qualquer política que venha a implantar tamanha redução de impostos sobre famílias e empresas tem minha simpatia. No entanto, para que tal medida gere efeitos positivos e duradouros (e não meros vôos de galinha que cobram um preço alto no futuro), tal corte de impostos tem necessariamente de ser acompanhado de um igual corte de gastos.

É imprescindível que uma redução de impostos seja feita concomitantemente a um corte de gastos. Caso contrário, a diferença será obtida por meio do endividamento do estado, o que significa que um dinheiro que poderia estar indo para o financiamento de atividades produtivas será integralmente direcionado para os títulos púbicos do Tesouro, financiando os déficits do governo. E com o agravante de que essa conta terá de ser paga, com juros, no futuro.

O que realmente mensura o tamanho do parasitismo estatal não é a carga tributária, mas sim o quanto o estado efetivamente gasta. Cada centavo gasto pelo estado foi retirado da economia privada, seja via impostos seja via empréstimos tomados pelo governo junto ao setor privado.  Se os gastos do governo não são atacados, o parasitismo estatal continua intacto.

E que Trump apresentou nessa área? Nada de positivo.

Embora ele de fato tenha apresentado uma ideia chamada de Penny Plan (na qual os gastos discricionários do governo seriam reduzidos em 1% ao ano), essa proposta, mesmo que fosse integralmente implantada, seria completamente inócua para equilibrar o orçamento após a forte redução de receitas.

Mas tudo piora: se somarmos todas as promessas de aumentos de gastos feitas por Trump, o gasto público não apenas não cai como, ao contrário, aumenta (menos que sob Hillary, mas aumenta).

Mais especificamente, se Trump de um lado propõe cortes de 1% ao ano durante os próximos 10 anos (o que daria US$ 750 bilhões ao ano) em conjunto com um maior rigor sobre os subsídios estatais (um corte adicional de US$ 175 bilhões), ele também defende aumentos notáveis em outras rubricas: aumento dos gastos militares com mais tropas e mais equipamentos; modernização das forças armadas em questões de ciber-segurança e na guerra contra o Estado Islâmico (mais US$ 450 bilhões); e maiores transferências sociais para os veteranos de guerra (entre US$ 500 bilhões e 1 trilhão).

Mas agora vem o melhor: Trump simplesmente promete duplicar os gastos de Hillary em infraestrutura (US$ 600 bilhões, podendo chegar a US$ 1 trilhão).

No total, tirando por baixo, estamos falando de um aumento do gasto público de US$ 650 bilhões em 10 anos.

trump2.png

Gráfico 4: aumento dos gastos do governo segundo o plano de Donald Trump

Dito de outra forma, Trump pretende reduzir a arrecadação do governo em US$ 4,5 trilhões e aumentar os gastos em US$ 600 bilhões: um buraco fiscal de mais de US$ 5 trilhões de dólares.

Isso não é reduzir impostos e nem muito menos reduzir o estado. Isso é simplesmente custear uma campanha eleitoral endividando furiosamente os pagadores de impostos americanos para que eles próprios arquem com a fatura no futuro.

Na melhor das hipóteses, levando em conta eventuais aumentos marginais na arrecadação gerados pela redução de impostos -- como pressupõe a Curva de Laffer --, estamos trabalhando com um déficit de pelo menos US$ 3,2 trilhões.

Considerando que dívida total aumentará mais US$ 10 trilhões durante este período pelo efeito dos juros, o orçamento do governo federal sob Trump levaria a um déficit acumulado de pelo menos US$ 13 trilhões em 10 anos, o que dá mais de US$ 1 trilhão por ano.

Vale repetir: incluindo estimativas muito otimistas a respeito das promessas de Trump, seu programa fiscal implica aumentar acentuadamente o endividamento do governo (ou seja, dos pagadores de impostos americanos) em pelo menos US$ 13 trilhões na próxima década. O "extravagante e pródigo" Obama aumentou em "apenas" US$ 8,7 trilhões em seus dois mandatos -- sendo que boa parte havia sido contratada ainda sob o governo de George W. Bush.

Conclusão

Tanto Hillary Clinton quanto Donald Trump apresentaram propostas fiscais incrivelmente irresponsáveis.  Hillary pretende financiar suas promessas de mais gastos com novos e maiores impostos. Já Trump planeja o mesmo por meio de muito mais endividamento.

O plano de Clinton é lamentavelmente factível: a candidata democrata continuará percorrendo o caminho já iniciado por Obama de ir expandindo pouco a pouco o tamanho do estado para evitar que o sapo (os pagadores de impostos) perceba que está sendo cozinhado na água quente (estima-se que a dívida pública aumentará 11 pontos percentuais em relação ao PIB sob Hillary).

As propostas de Trump são, por sua vez, puro populismo fiscal. E irrealizáveis: o próprio candidato republicano já teve de retificar várias vezes suas propostas fiscais (segundo as quais o IRPF teria apenas três alíquotas de 10%, 15% e 25%) porque a queda na arrecadação era demasiada grande e não-financiável até mesmo para seus padrões. (Originalmente, estimava-se que sua administração aumentaria a dívida em mais de 50 pontos percentuais em relação ao PIB; agora, "apenas" 30 pontos).

Hillary possui um programa pavoroso, porém, e infelizmente, realizável; Trump possui um programa igualmente pavoroso, porém não-realizável. (Se bem que a alternativa que ele venha a apresentar caso vença pode ser ainda pior).

Hoje, milhões de americanos irão às urnas. Melhor fariam se se rebelassem contra elas por terem de escolher entre dois desastres igualmente deploráveis.

 

Sobre o autor

Juan Ramón Rallo

É diretor do Instituto Juan de Mariana e professor associado de economia aplicada na Universidad Rey Juan Carlos, em Madri.

Comentários (135)

Deixe seu comentário

Há campos obrigatórios a serem preenchidos!