Economia
Embora com bem menos intensidade, o populismo começa a mostrar suas consequências no Chile
Embora com bem menos intensidade, o populismo começa a mostrar suas consequências no Chile
Como um argentino pró-mercado e pró-liberdade, tenho um afeto especial pelo Chile. Tinha menos de 10 anos de idade na primeira vez em que visitei Santiago. Já a última vez que estive lá faz relativamente pouco tempo, em um congresso organizado pela Fundación Para el Progreso, um instituto chileno que defende o livre mercado.
O que ocorre com o Chile, e a mim especialmente, já que me dedico à análise econômica "deste lado da cordilheira", é que tudo aquilo que eu desejaria para o meu país, Argentina, parece estar funcionando ali.
Em minhas aulas de Comércio Internacional, sempre estudamos a bem-sucedida experiência de abertura comercial observada no caso chileno. A redução de barreiras tarifárias seguida da assinatura de acordos de livre comércio permitiram ao Chile se beneficiar do intercâmbio internacional, melhorando e aumentando os salários reais dos chilenos. Tudo isso, adicionalmente, ocorreu em paralelo a uma economia em forte crescimento, baixas taxas de inflação e a um também baixo nível de desemprego.
Obviamente, isso nem sempre foi assim. Ao final da década de 1960, o país caminhava firmemente rumo ao socialismo. Segundo o The New York Times, Allende havia implantado "um programa socialista de confisco e estatização de minas, bancos e indústrias estratégicas; divisão e repartição de grandes propriedades rurais em fazendas comunais; e controle absoluto de preços". Tais medidas, como o próprio Times reconhece, "rapidamente resultaram em acentuados declínios na produção, escassez absoluta de bens de consumo e inflação explosiva."
[N. do E.: adicionalmente, Allende centralizou e nacionalizou a educação e o sistema de saúde, distribuiu benefícios para seus aliados políticos e inflacionou alucinadamente a oferta monetária, o que levou ao colapso de toda a economia e ao endividamento maciço seguido do calote. A inflação de preços, que chegou a quase 800%, foi combatida com o típico e anacrônico recurso do congelamento, o que deixou lojas e supermercados com prateleiras vazias, além de gerar revolta em todos os proprietários e empreendedores do país.
Hoje sabe-se que havia até mesmo um projeto que parece ter saído direto de um livro de ficção científica, levando ao paroxismo tudo aquilo com que Marx sempre sonhou: uma economia centralmente planejada por um computador gigante.]
Porém, em meados da década de 1970, o rumo econômico do Chile mudou. Abandonaram o socialismo e migraram para um sistema de livre mercado -- ao menos em comparação com seus vizinhos regionais.
Os sucessivos governos do país perceberam a importância do -- e passaram a dar cada vez mais valor ao -- equilíbrio fiscal (a dívida em relação ao PIB chegou ao exíguo valor de 5%; no Brasil, tal percentual é de 66%). Adicionalmente, além de darem independência ao Banco Central, atribuíram-lhe a tarefa única de manter baixa a taxa de inflação de preços, proibindo-lhe expressamente de emitir dinheiro para financiar o déficit público.
Mais importante, entenderam que é o setor privado quem gera crescimento e riqueza. Consequentemente, foi adotado um sistema de baixos impostos e de pouca regulamentação econômica. (A alíquota máxima do IRPJ era de 15% até 1998; hoje está em 22%. No Brasil chega a 34%).
Essa maior liberdade, diferentemente do que argumentam os intervencionistas que vicejam na América Latina, não gerou nenhuma crise no país vizinho. Ao contrário: catapultou seu PIB per capita, que, desde 1990, aumentou 2,5 vezes em dólares.
Não obstante, essa história de êxito não está passando hoje por seu melhor momento. Ao contrário: corre o risco de ser seriamente revertida.
Desde que assumiu a presidência, no início de 2014, Michelle Bachelet, do Partido Socialista, vem trazendo fortes incertezas e inseguranças econômicas. Com um discurso longe do pragmatismo que a caracterizou em seu primeiro mandato (de 2006 a 2010), a médica vem adotando tons populistas cada vez mais radicais, insistindo na "necessidade" de tornar todos os chilenos iguais e de "criar" uma sociedade mais "justa" mediante um intervencionismo cada vez maior.
Essa guinada à esquerda se confirmou quando ela conseguiu o apoio do Partido Comunista chileno, representado pela estudante Camila Vallejo.
O discurso populista de Bachelet não ficou só nas palavras. Ele se transformou em medidas. O Imposto de Renda de Pessoa Jurídica, como dito, que já foi de 17%, hoje está em 22,5%. Já entrou em vigência uma reforma educacional, cujo objetivo é eliminar o lucro da educação privada. A meta final é acabar com o atual sistema de vouchers e criar um sistema educacional completamente gerido pelo estado, inclusive com educação universitária "gratuita" para todos, sistema idêntico ao que existe no Brasil e na Argentina (e com resultados nada invejáveis).
O atual sistema privado de saúde também está sendo atacado. O objetivo declarado de Bachelet é fazer com que a saúde seja gerida de forma socializada. As apólices e os prêmios que os trabalhadores chilenos pagam individualmente para seus planos de saúde seriam socializados e transferidos diretamente para os cofres do estado. O objetivo é criar um sistema universal de saúde, algo que virou moda mundial.
Finalmente, já foi sancionada uma nova legislação laboral (ver aqui e aqui) -- que parece inspirada na da Argentina -- concedendo enormes poderes aos sindicatos (a base eleitoral da Bachelet) e, consequentemente, reduzindo a produtividade da economia.
Os resultados não têm sido nada bons. Toda essa intervenção de cunho populista fez com que a confiança dos empreendedores na estabilidade e na previsibilidade da economia desabassem.
Os investimentos, que já haviam se contraído 4,2% em 2014, no primeiro ano de Bachelet, voltaram a encolher mais 1,5% em 2015.
Essa retração nos investimentos afetou o crescimento econômico. Nos 10 anos anteriores a este segundo mandato da Bachelet, o PIB chileno vinha crescendo a uma taxa média de 4,7%. Com Bachelet, essa taxa caiu para menos da metade, estando hoje em 2%.
Com investimentos em contração e com mais incertezas, a inflação de preços vem subindo. A taxa atual é mais que o dobro da vista no último ano de Sebastián Piñera como presidente:
Com investimentos em queda e inflação em alta, o desemprego inevitavelmente aumenta. Sob Bachelet, a taxa saltou de 5,9% para previstos 6,80%, índices semelhantes aos vistos imediatamente após a crise financeira mundial.
E as perspectivas futuras não são muito melhores.
Obviamente, os defensores de Bachelet dirão que a desaceleração se deve a fatores externos e à queda do preço do cobre. Mas seria excessivamente ingênuo -- ou mesmo mal intencionado -- negar o efeito do populismo crescente e das incertezas que ele gera sobre a economia do Chile. Nenhuma economia cresce de maneira robusta sob promessas populistas. O populismo não apenas é incapaz de gerar mais confiança e mais certezas nos empreendedores e investidores, como, ao contrário, ele só faz reduzi-las.
Conclusão
Na Argentina, estamos hoje vivenciando as consequências do populismo. Nossa carga tributária está em torno de 40% do PIB. Temos educação pública e gratuita em todos os níveis: primário, secundário e universitário. Como se não bastasse, os sindicatos têm um papel preponderante e o mercado laboral é excessivamente rígido. Ademais, o afã de gastar mais do que se arrecada levou o governo a seguidas crises fiscais, desarrumando inteiramente a economia e fazendo com que o país -- que já foi o décimo mais rico do mundo -- caísse sistematicamente de posição no ranking da riqueza mundial.
Quando, à luz desses resultados, me perguntam qual modelo de país latino-americano devemos seguir, ou qual seria um projeto a ser imitado, nunca tenho dúvidas de citar o caso chileno, como comentei no início deste artigo. Espero que, à medida que o tempo passe, eu possa continuar fazendo isso, e que a tentação populista no país seja revertida.
Caso contrário, o Chile será também empurrado ao abismo e passará a ser a mais nova vítima do populismo latino-americano, o qual logrou apenas decadência e crise.
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