O pânico da chuva ácida e o complexo industrial da ciência
Pessoas que se lembram, ou que têm conhecimento, do discurso de despedida do presidente Dwight D. Eisenhower à nação, em janeiro de 1961, geralmente recordam-se dele por conta da expressão “complexo industrial-militar”. Eisenhower escreveu:
“Essa junção de um imenso aparato militar com uma grande indústria bélica é algo novo na experiência americana. A influência total — econômica, política e até espiritual — é sentida em cada cidade, em cada assembleia estadual e em cada gabinete do governo federal. Reconhecemos a necessidade imperiosa desse desenvolvimento. No entanto, não devemos deixar de compreender suas graves implicações. Nosso trabalho, nossos recursos e nossa subsistência estão todos envolvidos; assim como a própria estrutura de nossa sociedade.
“Nos conselhos de governo, devemos nos precaver contra a aquisição de uma influência indevida, buscada ou não, por parte do complexo industrial-militar. O potencial para o surgimento desastroso de um poder mal direcionado existe, e persistirá”.
Não é um exagero afirmar que o alerta de Eisenhower não apenas foi ignorado, mas também se mostrou profético, e o envolvimento militar constante das forças armadas dos Estados Unidos ao redor do mundo, ao longo do último meio século, é prova de que o presidente estava certo. Contudo, o discurso continha outro aviso, sobre o papel da ciência e dos cientistas em nossa sociedade, que também foi ignorado:
“Semelhante e em grande parte responsável pelas profundas transformações em nossa postura industrial e militar tem sido a revolução tecnológica das últimas décadas.
“Nessa revolução, a pesquisa tornou-se central; e também passou a ser mais formalizada, complexa e cara. Uma parcela cada vez maior dela é conduzida para, pelo ou sob a direção do governo federal.
“Hoje, o inventor solitário, que trabalhava em sua oficina, foi ofuscado por forças-tarefa de cientistas em laboratórios e campos de testes. Da mesma forma, a universidade livre, historicamente fonte de ideias livres e de descobertas científicas, passou por uma revolução na forma de conduzir a pesquisa. Em parte devido aos altos custos envolvidos, um contrato governamental tornou-se praticamente um substituto da curiosidade intelectual. Para cada quadro-negro antigo, existem agora centenas de novos computadores eletrônicos.
“A possibilidade de dominação dos estudiosos da nação pelo emprego federal, pela alocação de projetos e pelo poder do dinheiro está sempre presente, e deve ser considerada com seriedade. Ainda assim, ao valorizarmos a pesquisa e a descoberta científica, como devemos fazer, precisamos também estar atentos ao perigo oposto: o de que a política pública se torne prisioneira de uma elite científico-tecnológica” [ênfase adicionada].
Pode-se dizer que Eisenhower estava descrevendo a “teoria da captura” muito antes de ela se consolidar nas publicações acadêmicas de economia. E, apesar de todos os avanços alcançados pela ciência, a fusão entre ciência e política provou ser desastrosa para a forma como vivemos nosso cotidiano uma vez que a elite científico-tecnológica, que Eisenhower temia, de fato chegou ao poder.
Um outro discurso, este proferido recentemente pelo ex-presidente do Mises Institute, Jeff Deist, no Ron Paul Institute, não tem a mesma fama do de Eisenhower, mas é igualmente importante para compreendermos como essa elite, que vai de burocratas médicos com cargos quase vitalícios, como Anthony Fauci, a bilionários da tecnologia que buscam reformular o mundo pela coerção, tem usado a ciência não para iluminar, mas sim para impor políticas perigosas por meio da ocultação deliberada. Ele escreve:
“E ainda vivemos sob os efeitos disso [covid-19]. Considere que ainda não temos respostas definitivas para perguntas simples como estas:
“As máscaras realmente funcionam?
“As crianças realmente precisam usar máscaras? A propósito, nosso grande amigo Richard Rider relata que o Condado de San Diego, com uma população de 3,3 milhões de pessoas, fechou suas escolas públicas por um ano inteiro após apenas uma morte de estudante!
“Existe transmissão assintomática?
“O vírus sobrevive em superfícies?
“Por quanto tempo dura a imunidade após contrair covid?
“Quantas vacinas uma pessoa precisa tomar para estar “totalmente” vacinada? E quantas doses de reforço? Serão anuais?
“As variantes delta e outras não são simplesmente a evolução previsível de qualquer vírus? Como definimos um ‘caso’ ou infecção se alguém não apresenta sintomas e está bem?
“A covid pode realmente ser erradicada, como a poliomielite? Se sim, por que ainda não erradicamos a gripe?
“E assim por diante. Nunca recebemos respostas claras, apenas respostas nebulosas”.
Essas não são perguntas sem resposta, mas como a covid-19 se tornou uma enfermidade política, o lado político acabou sufocando o aspecto médico e científico do vírus e de seus efeitos, afinal, a mistificação do vírus mostrou-se politicamente útil. Em outras palavras, a política acaba prevalecendo sobre a ciência, e quando isso ocorre, a própria ciência desaparece, sendo substituída por algo semelhante ao Lysenkoísmo, o resultado extremo de quando tudo em uma sociedade se torna politizado.
Chuva ácida e o fim dos tempos
Grande parte da corrupção atual da ciência pela política, não há outra palavra que sirva melhor, ocorreu por meio do ambientalismo, e apresento o caso da chuva ácida como prova disso. Embora a maioria dos leitores provavelmente não esteja familiarizada com o tema, há quarenta anos essa era a crise ambiental do momento. Como descrevi em um artigo que publiquei na revista Reason em 1992, ambientalistas e seus aliados na mídia acreditavam que o céu literalmente estava desabando:
“No final da década de 1970, cientistas dos Estados Unidos, do Canadá e da Escandinávia ficaram alarmados com o que acreditavam ser uma degradação ambiental em larga escala, causada pela chuva contendo dióxido de enxofre, proveniente de usinas termelétricas a carvão. A mídia acompanhou com centenas de reportagens apocalípticas, trazendo manchetes com títulos como: ‘Flagelo dos Céus’ (Reader’s Digest), ‘Agora, até a Chuva é Perigosa’ (International Wildlife), ‘Ácido dos Céus’ (Time), e ‘Chuva do Terror’ (Field and Stream).
“Em 1980, a Agência de Proteção Ambiental (EPA, na sigla em inglês) declarou que a chuva ácida havia tornado os lagos do nordeste dos Estados Unidos cem vezes mais ácidos desde 1940, e a Academia Nacional de Ciências previu uma ‘primavera aquática silenciosa’ até 1990, afirmando, em 1981, que o número de lagos mortos pela acidez no país mais do que dobraria até 1990”.
À medida que as notícias sobre esse novo e mortal terror se multiplicavam, o governo de Jimmy Carter convenceu o Congresso a financiar um estudo científico sobre a chuva ácida, partindo da ideia de que os resultados confirmariam rapidamente a necessidade de ampliar a regulamentação ambiental sobre as usinas termelétricas a carvão. Entretanto, após a eleição de Ronald Reagan, o presidente ampliou o Programa Nacional de Avaliação da Precipitação Ácida (NAPAP, na sigla em inglês), criado por Carter, transformando-o em um estudo completo e aprofundado, encarregado de analisar detalhadamente o problema e recomendar soluções. Seria o último estudo desse tipo.
O problema mais preocupante que legisladores e ambientalistas alegavam enfrentar era a acidificação em larga escala de lagos e córregos nas Montanhas Adirondacks, e uma análise superficial parecia indicar que as alegações poderiam ser verdadeiras. No início do século XX, a maioria desses lagos, hoje ácidos (com pH em torno de 5,0) e sem vida aquática, havia sido local de pesca predileto do presidente Theodore Roosevelt, conhecido por seu amor à natureza e ao ar livre. Oito décadas depois, esses lagos estavam praticamente mortos, e a chuva ácida tinha de ser a culpada.
No entanto, a precipitação ácida definitivamente não era a causa da acidez dos lagos, algo que, à primeira vista, parece contraintuitivo. Afinal, se a chuva tem um baixo nível de pH e cai sobre um corpo d’água, não seria natural supor que ela afetaria a acidez do lago? Essa visão era considerada a posição padrão, e poucos acreditavam que pudesse ser questionada.
Mesmo assim, foi exatamente isso o que aconteceu quando os cientistas puderam conduzir suas pesquisas e trabalhos de campo sem interferência política, ao menos por algum tempo. Em 1983, um dos pesquisadores, o cientista do solo Ed Krug, juntamente com um colega, publicou um artigo na revista Science que não apenas contestava o consenso vigente, mas o derrubava por completo. As pesquisas deles, somadas às de cientistas da Escandinávia, onde também se alegava que a chuva ácida estava destruindo lagos, demonstraram que os padrões históricos de uso da terra nas bacias hidrográficas desses lagos eram extremamente significativos. Além disso, descobriram que grande parte da própria natureza, até mesmo rochas nuas, consegue neutralizar de forma eficaz a chuva de baixo pH, atenuando seus efeitos muito antes de ela alcançar lagos, riachos e rios.
De acordo com Krug e outros pesquisadores, a razão pela qual muitos lagos deixaram de abrigar vida aquática e se tornaram relativamente estéreis não foi o surgimento da precipitação ácida, mas sim a forma como as pessoas utilizaram a terra nas bacias hidrográficas desses lagos ao longo dos séculos. Durante os períodos em que o uso da terra envolvia práticas agrícolas de corte e queima, o escoamento do solo era relativamente alcalino, o que permitia que os lagos sustentassem a vida.
Entretanto, à medida que as bacias hidrográficas retornaram a usos mais naturais, especialmente nas Montanhas Adirondacks, que estavam sendo transformadas em territórios “Para Sempre Selvagens”, o solo tornou-se naturalmente mais ácido, e o mesmo ocorreu com os lagos que recebiam o escoamento. Aliás, como descobriram os cientistas do NAPAP, a maior concentração de lagos ácidos não estava nos Adirondacks, onde a chuva é relativamente ácida, mas sim no norte e centro da Flórida, uma região que não recebe chuva ácida.
À medida que as pesquisas sobre os padrões históricos de uso da terra nos Adirondacks se aprofundaram, os cientistas descobriram, utilizando amostras de sedimentos coletadas no fundo dos lagos, que esses lagos já eram naturalmente ácidos muito antes da chegada dos europeus à região norte do estado de Nova York. Em seu artigo “Fish Story”, publicado na revista Policy Review da Heritage Foundation, Ed Krug escreveu que a palavra “Adirondack” era um termo dos nativos americanos que significava “comedores de casca”. O jornal The Irish Times relatou:
“A situação revelou-se muito mais complexa do que se havia previsto. A acidez de um lago é determinada tanto pela acidez do solo e da vegetação locais quanto pela chuva ácida. Muitos lagos no nordeste dos Estados Unidos, considerados mortos na década de 1980, possuíam abundância de peixes em 1900. Os ambientalistas supuseram que as emissões de dióxido de enxofre do século XX haviam sufocado esses lagos até a morte por meio da chuva ácida. No entanto, o NAPAP demonstrou que muitos desses lagos já eram ácidos e sem peixes antes mesmo da colonização europeia na América. Os peixes sobreviviam melhor nesses lagos por volta de 1900 devido à intensa prática de corte e queima na região. O solo tornava-se mais alcalino à medida que a vegetação ácida era removida, reduzindo o fluxo de acidez para os lagos e tornando a água habitável para os peixes. O desmatamento cessou em 1915, os solos e a vegetação ácidos retornaram, e os lagos voltaram a se acidificar. O estudo também constatou que, em muitos casos, as florestas estavam debilitadas devido a pragas ou secas, e não por causa da chuva ácida”.
A publicação prosseguiu:
“O NAPAP divulgou seu relatório em 1990. As conclusões foram explosivas: primeiro, a chuva ácida não havia causado danos às florestas nem às plantações nos Estados Unidos ou no Canadá; segundo, a chuva ácida não tinha qualquer efeito observável sobre a saúde humana; e terceiro, apenas um pequeno número de lagos havia sido acidificado pela chuva ácida, e esses poderiam ser recuperados com a adição de cal à água. Em resumo, a chuva ácida era um incômodo, não uma catástrofe”.
Se alguém pensasse que isso seria uma boa notícia (afinal, o céu realmente não estava caindo), pense de novo. O Irish Times continuou:
“As descobertas do NAPAP não foram bem recebidas pelos que detinham o poder, muitos dos quais haviam apostado suas reputações na aprovação iminente do Clean Air Act [Lei do Ar Limpo, em tradução livre], que exigiria uma redução drástica das emissões de dióxido de enxofre. O NAPAP foi ignorado”.
De fato, os democratas no Congresso acusaram a equipe do NAPAP de “politizar” sua pesquisa, como se três mil cientistas, com as mais diversas orientações políticas, marchassem em uníssono segundo os desejos de Ronald Reagan. Quando o governo Carter criou o NAPAP, parecia que o principal objetivo da pesquisa era confirmar o que “todo mundo já sabia” sobre a chuva ácida. No entanto, após a administração Reagan ampliar a missão de pesquisa da organização, o estudo perdeu popularidade, já que suas conclusões não se alinhavam às narrativas ambientais dominantes.
No fim das contas, os cientistas foram condenados justamente por não politizarem sua pesquisa, e a lição não passou despercebida. A Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA) perseguiu diretamente Ed Krug, tornando difícil sua continuidade na carreira científica, algo que detalhei em meu artigo na Reason. Outro cientista associado ao programa NAPAP me disse que a EPA e os defensores do ambientalismo jamais voltariam a realizar esse tipo de pesquisa independente novamente. Ele me disse, em uma entrevista concedida em 1991: “Não existe um NAPAP para o aquecimento global”.
Conclusão
Costumamos lembrar o discurso de Eisenhower sobretudo por suas palavras quase proféticas sobre o “complexo industrial-militar”. No entanto, o que ele disse sobre a corrupção da pesquisa científica influenciada pelo governo foi igualmente premonitório. Grande parte do que chamamos hoje de “ciência”, desde as faculdades de pesquisa universitária, passando pelos laboratórios científicos, até os periódicos acadêmicos, pesquisas que antes se baseavam na aplicação de teorias e dados para alcançar conclusões a serem “descobertas”, e não pré-determinadas, tornaram-se completamente manipuladas.
Além disso, a ciência era concebida como uma meritocracia, em que educação, capacidade, discernimento e perseverança determinavam o sucesso de um cientista. Hoje, o sucesso depende cada vez mais da habilidade de sustentar narrativas progressistas, e o acesso aos campos de pesquisa também passou a ser cada vez mais definido por critérios como sexo, etnia e outras características que nada têm a ver com a competência de realizar uma investigação científica.
Essas são situações que não terminam bem, pois grande parte da política se baseia em mentiras e na manipulação de resultados para satisfazer grupos políticos progressistas. E, assim como os progressistas se mostraram destrutivos na governança, eles são igualmente destrutivos para a própria ciência e para o espírito investigativo. Nada do que os progressistas tocam permanece incorrompido.
Este artigo foi originalmente publicado no Mises Institute.
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Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil.
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