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Nossa economia nunca precisou de uma moeda “elástica”

05/10/2025

Nossa economia nunca precisou de uma moeda “elástica”

O argumento mais comum contra um dinheiro-mercadoria é que ele não se expande nem se contrai de acordo com as chamadas “necessidades do comércio”. A ideia por trás disso é que, se a economia cresce, a oferta de moeda também deveria crescer na mesma proporção. Sob o padrão-ouro, o aumento da quantidade de ouro disponível era lento e custoso, razão pela qual se defendeu a necessidade de romper com essas limitações e adotar um sistema capaz de permitir aumentos rápidos e de baixo custo na oferta monetária, sempre quando considerado necessário.

Esse argumento foi central para a criação do Federal Reserve. De fato, ele aparece já na primeira frase do Federal Reserve Act: “Uma Lei […] para prover uma moeda elástica”.

O espírito desse argumento foi reiterado quando o Congresso conferiu ao Fed seus objetivos gerais de política:

[O Fed] deverá manter o crescimento de longo prazo dos agregados monetários e de crédito compatível com o potencial de longo prazo da economia para aumentar a produção, de modo a promover efetivamente os objetivos de pleno emprego, estabilidade de preços e taxas de juros de longo prazo moderadas” (ênfase adicionada).

 

Por que o Fed foi criado “para prover uma moeda elástica”?

Infelizmente, a narrativa em torno das origens do Fed foi severamente deturpada (assim como o mito sobre como ele obteve sua “independência”). Não houve um movimento popular espontâneo em favor de uma moeda elástica. O que houve foi uma campanha de propaganda cuidadosamente arquitetada pelos grandes bancos e pelas elites empresariais durante a era Progressista, como Murray Rothbard destaca em A History of Money and Banking in the United States:

“As reclamações dos grandes bancos podiam ser resumidas em uma única palavra: ‘inelasticidade’. O sistema bancário nacional, alegavam eles, não proporcionava a devida ‘elasticidade’ da oferta monetária; em outras palavras, os bancos não conseguiam expandir a moeda e o crédito tanto quanto desejavam, especialmente em períodos de recessão. Em síntese, o sistema bancário nacional não oferecia espaço suficiente para expansões inflacionárias do crédito por parte dos bancos do país.

“Na virada do século, a economia política dos Estados Unidos era dominada por dois grandes conglomerados financeiros, geralmente em conflito: de um lado, o grupo Morgan, até então predominante, que havia começado no banco de investimento e se expandido para o setor bancário comercial, ferrovias e fusões de empresas manufatureiras; e, de outro, as forças de Rockefeller, que começaram no refino de petróleo e depois avançaram para a área bancária comercial, formando, por fim, uma aliança com a companhia Kuhn, Loeb, no setor de bancos de investimento, e com os interesses da Harriman no ramo ferroviário.

“Embora esses dois blocos financeiros normalmente entrassem em conflito entre si, estavam unidos quanto à necessidade de um banco central. Mesmo que o papel principal na formação e no domínio do Sistema do Federal Reserve tenha sido assumido pelos Morgans, as forças de Rockefeller e de Kuhn, Loeb estavam igualmente entusiasmadas em impulsionar, e colaborar, no que todos consideravam uma reforma monetária essencial”.

É claro que havia um descontentamento generalizado em relação às falências bancárias, e também existiam apelos populistas por inflação, como o de William Jennings Bryan, que defendia a reintrodução da prata. No entanto, os interesses elitistas envolvidos na criação do Fed preferiam um sistema inflacionário mais discreto e sorrateiro: o crédito bancário elástico.

Os bancos queriam estar protegidos contra empréstimos irresponsáveis e contra as consequências inevitáveis do sistema de reservas fracionárias. Desejavam um “emprestador de última instância” para resgatá-los e um coordenador da expansão do crédito. Em suma, queriam transferir os riscos e custos das más práticas bancárias para o público desavisado.

 

Precisamos de um dinheiro elástico?

Não há razão para acreditar que uma economia em crescimento necessite de uma oferta monetária crescente. O dinheiro é uma mercadoria de troca, o que significa que mudanças nos preços monetários podem acomodar plenamente as variações na oferta e na demanda de bens e serviços. Embora a quantidade de ouro possa aumentar (ou diminuir, por meio da perda de moedas ou da fundição delas para usos não monetários), sua produção é regida pelo mesmo critério de lucro e prejuízo que se aplica a toda forma de produção na economia de mercado privada.

O novo ouro só é introduzido quando mineradores e casas de cunhagem consideram lucrativo fazê-lo. E o que significa produção lucrativa de ouro, senão que as pessoas valorizam as novas moedas de ouro mais do que qualquer outra coisa que poderia ter sido produzida com os mesmos recursos? A oferta monetária resultante é exatamente aquela que o mercado “necessita para o comércio”.

Assim, era uma característica positiva do padrão-ouro o fato de que o aumento da oferta de moeda fosse lento e custoso. Isso funcionava como um freio econômico contra a inflação de preços. Impunha uma barreira rígida aos bancos ansiosos por expandir crédito acima dos depósitos. Impunha uma barreira rígida ao governo, ansioso por gastar mais do que arrecadava em impostos.

Os economistas austríacos às vezes são caricaturados como “fanáticos por ouro”, como se tivessem uma estranha fixação pelo metal, atribuindo-lhe propriedades fantásticas e inerentes. Mas considere o que Mises disse sobre o ouro: “Que o ouro, e não outra coisa, seja usado como dinheiro é meramente um fato histórico”. Mais adiante, no mesmo capítulo, ele afirma: “O padrão-ouro certamente não é um padrão perfeito ou ideal”.

Então, por que Mises e outros economistas austríacos apreciam o padrão-ouro? Segundo Mises:

“A importância do fato de que o padrão-ouro faz com que o aumento na oferta de ouro dependa da lucratividade de sua produção é, naturalmente, que isso limita o poder do governo de recorrer à inflação. O padrão-ouro torna a determinação do poder de compra da moeda independente das ambições e doutrinas mutáveis dos partidos políticos e dos grupos de pressão. Isso não é um defeito do padrão-ouro; é sua principal virtude”.

 

Apoplithorismosphobia

Muitos discordam da minha afirmação anterior de que mudanças nos preços do dinheiro podem acomodar plenamente as variações na oferta e na demanda de bens e serviços. A implicação disso é que uma economia em crescimento seria caracterizada por uma deflação contínua de preços, uma consequência que aqueles acometidos pela “apoplithorismosphobia”, o medo irracional da deflação, não conseguem suportar.

Os que sofrem dessa fobia geralmente apresentam dois motivos: 1) as depressões costumam coincidir com períodos de deflação; e 2) a deflação inesperada dificulta o pagamento das dívidas por parte dos devedores.

Posso prescrever algumas leituras para aqueles que sofrem dessa fobia debilitante (além do artigo de Mark Thornton mencionado acima):

- Pavel Ryska demonstrou que a deflação não é prejudicial ao crescimento e que a Grande Depressão foi, na verdade, uma exceção quanto à gravidade do declínio econômico coincidente com a deflação;

- Em Less than Zero, George Selgin explica que a deflação decorrente do crescimento econômico não é algo a ser temido;

- Jörg Guido Hülsmann oferece um tratamento completo da deflação, incluindo a discussão sobre o suposto problema da deflação da dívida, em Deflation and Liberty.

 

Conclusão

Foram interesses especiais de membros do setor bancário que desejaram uma oferta elástica de moeda com a criação do Federal Reserve, e esse desejo visava protegê-los das más consequências de suas próprias ações. Como o dinheiro é uma mercadoria de troca, não há necessidade de que ele se expanda junto com a economia. Não há problema em permitir que os preços caiam à medida que produzimos mais bens e serviços.

 

Este artigo foi originalmente publicado no Mises Institute.

 

Recomendações de leitura:

A moeda é ou não é neutra?

Uma defesa da desestatização do dinheiro

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Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil.

Sobre o autor

Jonathan Newman

Professor no Mises Institute.

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