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Filosofia

A objeção libertária às Leis dos Direitos Civis

25/09/2025

A objeção libertária às Leis dos Direitos Civis

Progressistas argumentam que os direitos civis são essenciais para a “democracia liberal”. Eles veem a “democracia” fundada sob os direitos civis como o único modelo compatível com o liberalismo. Conforme explicou Paul Gottfried, um paleoconservador que foi expulso da cidadela liberal por não abraçar as noções progressistas da “boa democracia”, “a consubstancialidade entre liberalismo e democracia tornou-se um dogma religioso moderno”. Direitos humanos e direitos civis são considerados indispensáveis a esse dogma.

O libertarianismo rejeita esse dogma, pois se fundamenta no “direito absoluto à propriedade privada. Todo o restante decorre dessa única proposição.” A propriedade privada, em sua formulação clássica como o direito de excluir, é, portanto, vista como um obstáculo à ideologia inclusiva dos direitos civis e a todas as investidas socialistas contra os direitos de propriedade revestidas na linguagem dos direitos civis. Os direitos de propriedade ameaçam a visão progressista de democracia. Libertários que rejeitam os direitos civis são, portanto, considerados populistas cujo objetivo é minar a boa democracia liberal sobre a qual “todos concordamos”. Progressistas ainda argumentam que qualquer pessoa que se oponha a seus ideais democráticos deve, necessariamente, ser um “racista”. Na visão deles, a única razão possível para os libertários rejeitarem os sonhos globalistas de “um só mundo” deve ser o fato de nutrirem algum tipo de animosidade contra as diversas raças que habitam o mundo.

Em seu livro Crack-Up Capitalism, Quinn Slobodian defende uma visão socialista de “democracia”, com o objetivo de rejeitar o que ele chama de “ultracapitalismo”. Ele denuncia os “radicais de mercado” como “racistas”. Um de seus principais alvos, como David Gordon explica em seu texto Slobodian Contra Rothbard, é Murray Rothbard. Slobodian descreve Rothbard como um “libertário radical” oriundo do “Sul neoconfederado”. Os leitores saberão que o próprio Rothbard descreve seu sistema libertário como “radical” no sentido de que ele não busca apenas explicar o sistema jurídico existente, mas rejeitá-lo na medida em que é incompatível com a ética libertária dos direitos naturais.

Nesse contexto, Rothbard rejeitou o que chamou de “falsos direitos civis”, por considerá-los uma violação do direito à autopropriedade e à propriedade privada. Slobodian presume que a defesa de Rothbard da propriedade privada é apenas uma farsa para mascarar sua verdadeira motivação: o racismo. Agravando ainda mais seus “crimes” aos olhos de Slobodian, Rothbard defendeu o princípio das nações por consentimento, o que Slobodian interpreta como mais uma evidência da mesma motivação: o racismo. Afinal, por que outra razão alguém defenderia que as pessoas têm o direito de formar nações por consentimento, senão por estarem motivadas pelo racismo?

A esta altura, o raciocínio de Slobodian deve estar claro: em sua visão, todos aqueles que rejeitam sua cosmovisão socialista são racistas, e quaisquer argumentos que apresentem não passam de uma fachada para disfarçar suas verdadeiras motivações. Ele se apoia, essencialmente, em uma armadilha kafkiana: discordar da “democracia liberal” é prova de que você é racista, e negar isso é uma prova ainda maior de que, de fato, você é racista, afinal, por que outra razão alguém negaria ser racista, senão por realmente o ser? Nesse mundo kafkiano, negar ser racista é exatamente o comportamento esperado de um racista.

Com isso, o caso estaria, para ele, encerrado, e Slobodian considera desnecessário examinar os argumentos dos libertários que critica. A verdade, porém, é que a oposição libertária ao regime de direitos civis não é fundada no “racismo”, mas sim na defesa da liberdade individual e na rejeição do uso da força estatal como mecanismo de engenharia social. O direito à autopropriedade sustenta que ninguém tem o direito de usar a força contra os outros para obrigá-los a seguir seus próprios ditames morais e ideais sociais. O fato de alguém conseguir persuadir uma maioria a votar a favor da imposição de seus ideais políticos não altera a análise, pois, se o uso da força é injustificado, ele não se torna justificado apenas porque uma maioria concordou com isso.

Assim, rotular uma força ilegítima como “democrática” não lhe confere legitimidade. Ela apenas se transforma em um mandato democrático para a tirania. Muitos que defendem o princípio da democracia como forma de legitimar o uso da força apontam a prevenção do crime como exemplo de por que o uso democrático da força seria justificado. Afinal, embora o liberalismo seja uma filosofia da liberdade individual, isso não significa que criminosos devam ter a “liberdade” de roubar ou matar. Assim, pareceria que o princípio da “democracia liberal” legitima o uso da força pelo estado para promover a “boa democracia”, já que o estado é (presumivelmente) eleito para o poder por uma maioria de cidadãos.

Além disso, como a maioria das pessoas claramente concorda que roubo e assassinato são errados, os “democratas liberais” argumentam que o uso da força pelo estado contra um ladrão ou assassino é legítimo e, portanto, pelo mesmo raciocínio, o estado teria um mandato para esmagar a discriminação e o “ódio”. Dessa forma, por exemplo, progressistas defendem o papel do estado em punir pessoas que “incitam o ódio” nas redes sociais. Como noticiado pela BBC, quando uma britânica foi condenada a 31 meses de prisão por escrever um comentário “racista” nas redes sociais:

“A babá de 41 anos pediu ‘deportação em massa agora’ e acrescentou: ‘Se isso me torna racista, que assim seja’.

“O juiz Melbourne Inman KC declarou ao Tribunal de Birmingham que a sentença para esses delitos tinha a intenção de ‘punir e servir de exemplo’”.

Na visão de Slobodian, a maioria das pessoas em uma “democracia liberal” considera a discriminação racial errada e, portanto, o estado tem o direito de usar baionetas para impor a integração racial. Ele coloca o Mises Institute em sua mira por rejeitar esse tipo de uso da força, pois, segundo sua perspectiva, rejeitar a força como meio de engenharia social não passa de um disfarce para promover o separatismo racial:

“Seu diretor era o amigo e parceiro mais próximo de Rothbard, Llewellyn ‘Lew’ Rockwell Jr., também um libertário radical e defensor do ‘separatismo racial’”.

A defesa inabalável de Rockwell da liberdade individual e da liberdade de associação é interpretada por Slobodian como uma “fixação racial”. O estado obrigar diferentes raças a se misturarem, por exemplo, transportando crianças brancas para escolas de maioria negra a fim de impor a integração racial, não é, em sua opinião, uma “fixação racial”; trata-se apenas do exercício da vontade da democracia liberal. Mas, é claro, qualquer um que se oponha ao envio de milícias federais para escoltar crianças até escolas contra sua vontade e a de seus pais deve, certamente, ter uma “fixação racial”.

A engenharia social racial do estado é considerada essencial para a democracia liberal e, portanto, as motivações de qualquer pessoa que se oponha a esse processo são inevitavelmente suspeitas. Ron Paul, a quem Slobodian descreve como um “político e negociante de moedas” que “comentava temas semelhantes”, também é denunciado por se opor à tirania dos direitos civis. Slobodian não menciona o compromisso vitalício de Ron Paul com a liberdade, sem dúvida porque presume que isso não passa de uma máscara para ter uma fixação racial. Não deveria causar surpresa que Ludwig von Mises, pelo mesmo raciocínio, também seja considerado culpado dos mesmos crimes. Segundo Slobodian, Mises também deve ser visto como racista. Em seu artigo Misrepresenting Mises, Phillip W. Magness e Amelia Janaskie explicam como Slobodian chega a essa interpretação:

“Slobodian (2019a, p. 379) alegou que ‘a teoria racial ocupa um lugar ambíguo na obra de Mises’, uma acusação que encoraja racistas contemporâneos a reivindicar inspiração no economista de livre mercado. Slobodian repetiu e aprofundou a acusação em um artigo para a revista Contemporary European History (CEH), afirmando que ‘libertários que examinam minuciosamente os escritos de Mises para validar suas posições divergentes sobre migração podem, com razoabilidade, afirmar que encontram confirmação para ambos os lados do argumento’. Um lado da questão, prosseguiu ele, deriva de Mises, ‘o realista, que via a raça como uma categoria quase permanente da organização social global. Apesar de seus princípios liberais, o poliglota dos Habsburgo jamais se tornou um radical antirracista’ (2019b, p. 155).

(…)

“Em outro momento, Slobodian (2018b) estende o argumento à política contemporânea ao culpar Mises e os chamados neoliberais por inspirarem argumentos anti-imigração e sobre teoria racial que, segundo ele, ‘alcançaram popularidade entre movimentos políticos alt-right e trumpistas na década de 2010’”.

A estratégia de Slobodian, ao retratar seus opositores ideológicos como racistas, baseia-se em não se dar ao trabalho de explicar sua posição filosófica, presumivelmente porque, em sua visão, trata-se apenas de uma máscara para esconder o racismo, de modo que seus argumentos não merecem análise. Por meio dessas omissões, ele cria a impressão de que, na ausência de qualquer razão que explique por que os libertários rejeitam os direitos civis, só podemos assumir que a motivação seja maligna. Como explicam Magness e Janaskie:

“Ao omitir um contexto relevante, o uso que Slobodian faz de trechos da obra de Mises resulta em uma interpretação da posição de Mises que é, de fato, incorreta e muitas vezes oposta à sua posição real”.

Embora os liberais clássicos não compartilhem todos das mesmas crenças ideológicas, filosóficas e políticas, e haja muitos liberais clássicos e libertários de esquerda que concordam com os progressistas em relação aos direitos civis, existe amplo espaço para debate dentro do arcabouço filosófico liberal clássico sobre se o princípio político antidiscriminatório pode realmente ser considerado um “direito”. Muitas correntes do liberalismo concordariam que a força pode ser legitimamente usada contra ladrões e assassinos, mas divergiriam quanto à punição adequada ou ao papel apropriado do estado na prevenção do crime. Elas concordariam que roubo e assassinato são crimes, mas divergiriam quanto a saber se a “discriminação” é o equivalente moral ou ético de roubo ou assassinato no que diz respeito a justificar o uso da força estatal.

Para aqueles que consideram o conceito de “direitos” como sendo simplesmente qualquer coisa que o processo democrático designe como tal, em teoria, qualquer coisa poderia ser um direito e, portanto, reconhecem um “direito de não ser discriminado”. Mas, da perspectiva libertária da lei natural, o direito à vida e o direito à propriedade privada não são tratados como direitos apenas porque os cidadãos concordaram em rotulá-los dessa forma.

Nem tudo aquilo que se deseja na vida é um “direito”; algo não se torna um “direito” simplesmente porque a maioria das pessoas deseja usufruir de tal prerrogativa e utiliza a força estatal para sustentar seus anseios. O inverso também é verdadeiro: os direitos à autopropriedade e à propriedade privada não deixariam de ser direitos caso uma maioria democrática concordasse em aboli-los ou em reclassificá-los como meros privilégios concedidos pelo estado como concessões. Dentro desse arcabouço filosófico, os direitos civis são “direitos falsos”, pois representam a reivindicação ilegítima de engenheiros sociais de ditar os ideais políticos segundo os quais outras pessoas devem viver, bem como a afirmação do poder de sustentar tais reivindicações ilegítimas por meio do uso da força estatal.

 

Este artigo foi originalmente publicado no Mises Institute.

 

Recomendações de leitura:

Perspectivas Austríacas sobre a Justiça Social

Por que a aplicação estatal de "justiça" é errada

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Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil.

Sobre o autor

Wanjiru Njoya

É aluna residente do Mises Institute. Ela é autora de Economic Freedom and Social Justice (2021), Redressing Historical Injustice (2023, com David Gordon) e A Critique of Equality Legislation in Liberal Market Economies (Journal of Libertarian Studies, 2021).

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