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Economia

A Teoria da Utilidade Marginal versus o Mainstream

19/09/2025

A Teoria da Utilidade Marginal versus o Mainstream

Por que os indivíduos atribuem menos valor ao pão do que ao ouro, se o pão parece ser mais importante para sustentar a vida de uma pessoa do que o ouro? Para responder a essa questão, os economistas recorrem à lei da utilidade marginal decrescente.

A economia mainstream explica a lei da utilidade marginal decrescente em termos da satisfação obtida ao se consumir um determinado bem. Por exemplo, uma pessoa pode sentir uma enorme satisfação ao consumir um primeiro sorvete. A satisfação que ela terá ao consumir um segundo sorvete pode ainda ser grande, mas não tão intensa quanto a do primeiro. Já a satisfação obtida com o consumo de um terceiro sorvete tende a diminuir ainda mais, e assim sucessivamente.

A partir disso, a economia mainstream conclui que quanto mais consumimos de um bem em um determinado período, menor será a satisfação, ou utilidade, obtida de cada unidade adicional, ou marginal. A partir daí, também se defende que, se a utilidade marginal de um produto diminui à medida que o consumimos cada vez mais, o preço que estamos dispostos a pagar por unidade também tende a cair. Agora, segundo a estrutura argumentativa do mainstream, como o ouro é relativamente mais escasso do que o pão, conclui-se que o preço do ouro deve ser mais alto do que o do pão, pois a utilidade marginal derivada do pão será muito menor do que a derivada do ouro.

Nesse paradigma, a utilidade é apresentada como uma certa quantidade que aumenta em ritmo decrescente à medida que se consome ou utiliza mais de um determinado bem. Sendo a utilidade apresentada como uma quantidade total, também chamada de utilidade total, torna-se possível introduzir a matemática nesse contexto para determinar o acréscimo a esse total. No entanto, faz sentido discutir a utilidade marginal de um bem sem fazer referência à finalidade que esse bem cumpre?

 

A explicação de Menger

De acordo com Carl Menger, o fundador da Escola Austríaca de economia, os indivíduos atribuem prioridades subjetivas aos diversos objetivos que desejam alcançar. Como regra, segundo Menger, diferentes fins que um indivíduo considera valiosos são organizados em uma hierarquia decrescente, de acordo com suas próprias preferências. Além disso, à medida que a quantidade de um bem valorizado aumenta, sua utilidade marginal diminui por unidade.

Considere John, o padeiro, que produziu quatro pães. Esses quatro pães são seus recursos, ou meios, que ele utiliza para atingir diferentes objetivos. Suponhamos que sua prioridade máxima, ou seu objetivo mais importante, seja ter um pão para comer. O segundo pão permite a John alcançar seu segundo objetivo mais relevante, trocá-lo por cinco tomates. John usa o terceiro pão para obter seu terceiro fim em importância, uma camisa. Por fim, John decide destinar o quarto pão para alimentar pássaros selvagens. Assim, eis como se organizam as preferências subjetivas de John em relação às unidades de pão disponíveis:

1. Pão para comer;

2. Pão para trocar por cinco tomates;

3. Pão para trocar por uma camisa;

4. Pão para alimentar pássaros selvagens.

Se um dos pães fosse perdido ou destruído, de qual fim John abriria mão primeiro? Pelo seu comportamento, e assumindo que suas preferências não mudaram, veríamos que John deixaria de alimentar os pássaros, sua preferência de menor importância naquele momento para uma unidade de pão. Inversamente, a lei da utilidade marginal significa que, à medida que aumentam as unidades marginais de um bem, sua utilidade marginal diminui.

 

Os fins determinam o valor dos meios

Um determinado fim orienta os meios escassos escolhidos pelos indivíduos para a sua realização. Os fins determinam os meios. No exemplo acima, sobre os pães, cada unidade de pão atendeu a um fim ou objetivo distinto. As preferências subjetivas de John e a maior ou menor disponibilidade de unidades do bem determinaram o uso de cada pão. Portanto, não existe algo como “utilidade total”. O fim satisfeito pelo primeiro pão, matar a fome, possui uma importância ordinal muito maior do que o segundo pão, pois os fins subsequentes têm valor menor.

Assim, ainda que a água, por exemplo, seja necessária para a vida, observamos que ela costuma ser barata devido à sua abundância. À medida que aumentam as unidades marginais de água, a utilidade marginal de cada unidade diminui e, consequentemente, o preço cai.

 

O valor de cada unidade de um bem é determinado pelo fim menos importante

Como John considera cada um dos quatro pães em sua posse como unidades homogêneas, ele atribui a cada pão a importância derivada do fim menos relevante (alimentar os pássaros). Por que o fim menos importante serve como referência para avaliar o valor dos pães? A resposta é que, conforme aumentam as unidades marginais de um bem, a utilidade marginal de cada unidade diminui, o que significa que a utilidade marginal é determinada pelo fim de menor importância que o estoque disponível de bens pode satisfazer.

Imagine se John utilizasse o fim mais importante, alimentar a si mesmo, como padrão para atribuir valor a cada pão. Isso implicaria que ele valoriza o segundo, o terceiro e o quarto pães muito acima dos fins que alcança com eles. No entanto, se fosse esse o caso, qual seria o sentido de tentar trocar algo que é valorizado mais por algo que é valorizado menos? Se John valoriza um pão mais do que cinco tomates, obviamente nenhuma troca acontecerá.

Como o quarto pão é a última unidade do estoque total de John, ele também é chamado de unidade marginal (ou seja, a unidade na margem). Essa unidade marginal satisfaz o fim menos importante. Em outras palavras, podemos dizer que a unidade marginal proporciona o menor benefício. Se John tivesse apenas três pães, cada pão seria avaliado de acordo com o terceiro fim, a camisa. Esse fim tem uma posição mais alta do que alimentar os pássaros, mas inferior aos demais. A partir disso, podemos inferir que, à medida que a oferta de pão diminui, a utilidade marginal do pão aumenta. Isso significa que cada unidade de pão passará a ter muito mais valor do que antes da redução da oferta. De modo inverso, à medida que a oferta de pão aumenta, sua utilidade marginal cai e cada pão passa a ser avaliado com menor valor do que antes do crescimento da oferta.

Além disso, a utilidade marginal aqui não é, como apresenta a perspectiva mainstream, um acréscimo a uma suposta “utilidade total” quantificável, mas sim a utilidade do fim marginal. A utilidade não diz respeito a quantidades, mas às prioridades ou à hierarquia que cada indivíduo estabelece em relação a um bem, considerando o fim que ele satisfaz. Segundo Rothbard:

“Muitos erros nas discussões sobre utilidade derivam da suposição de que ela seria algum tipo de quantidade, mensurável ao menos em princípio. Quando nos referimos à ‘maximização’ da utilidade por parte do consumidor, por exemplo, não estamos falando de um estoque ou quantidade definida de algo a ser maximizado. Referimo-nos à posição mais elevada na escala de valores do indivíduo. Da mesma forma, é a suposição do infinitesimal, somada à crença na utilidade como quantidade, que leva ao erro de tratar a utilidade marginal como a derivada matemática da integral chamada ‘utilidade total’ de várias unidades de um bem. Na realidade, não existe tal relação, e não há algo como ‘utilidade total’, mas apenas a utilidade marginal de uma unidade de tamanho maior. O tamanho da unidade depende de sua relevância para a ação em questão”.

Agora, na abordagem mainstream, há uma forte ênfase nas chamadas curvas de indiferença, que supostamente ajudariam a compreender as escolhas dos indivíduos. A indiferença, no entanto, nada tem a ver com a conduta intencional dos indivíduos. Ao agir de forma proposital, as pessoas não podem ser indiferentes entre diferentes bens. Quando se deparam com várias opções, o indivíduo faz sua escolha com base na adequação de cada bem para servir como meio na realização de determinados fins.

 

Conclusão

Não faz sentido discutir a utilidade marginal de um bem sem considerar o propósito que esse bem cumpre. A teoria da utilidade marginal, tal como apresentada pela economia mainstream, descreve um indivíduo sem objetivos, movido apenas por fatores psicológicos. Nesse sentido, a economia mainstream descreve um indivíduo sem pensamentos.

 

Este artigo foi originalmente publicado no Mises Institute.

 

Recomendações de leitura:

A utilidade marginal decrescente é uma lei

O que a lei da utilidade marginal decrescente pode nos ensinar?

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Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil.

Sobre o autor

Frank Shostak

É um scholar adjunto do Mises Institute e um colaborador frequente do Mises.org. Sua empresa de consultoria, a Applied Austrian School Economics, fornece análises e relatórios detalhados sobre mercados fina...

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