segunda-feira, 14 fev 2011
A
lei da utilidade marginal decrescente
está no âmago da explicação de vários fenômenos econômicos, dentre eles a
preferência temporal e o valor dos bens.
Uma outra função crucial sua é mostrar por que o socialismo é ética e
economicamente inferior ao capitalismo.
A
lei da utilidade marginal decrescente, demonstrada por Carl Menger
(1840—1921), é axiomática por
natureza; isto é, trata-se de uma lei irrefutavelmente
verdadeira. Para os economistas
convencionais, entretanto, esta fundamental lei econômica é tipicamente
interpretada como se fosse uma lei psicológica.
Eles a confundem com a lei da saciação dos desejos.
Tal
interpretação, contudo, não entende a lei da utilidade marginal decrescente
como sendo uma lei econômica
fundamental — isto é, que é verdadeira independente da época e do lugar —,
mas sim como uma mera e efêmera explicação para certos fenômenos econômicos,
explicação essa que pode ser válida ou não para determinadas situações.
Dada
a importância da lei da utilidade marginal decrescente para a teoria econômica,
é importante insistir na afirmação de que a lei da utilidade marginal
decrescente é irrefutavelmente verdadeira
— pois ela é resultado do axioma da ação humana, isto é, ela é resultado do
fato indiscutível de que todo ser humano age.
Ignorar
essa verdade leva a conclusões falaciosas e errôneas. Em última instância, leva à adoção de teorias
econômicas sem fundamentos e políticas econômicas desastrosas.
O Axioma da Ação Humana
Ludwig
von Mises (1881—1973) reconstruiu a ciência econômica como uma ciência
axiomática, a qual ele denominou praxeologia (práxis = ação): a ciência da lógica da ação humana. O elemento central da praxeologia é o axioma da ação humana.[1]
O
axioma da ação humana basicamente diz que os seres humanos agem. Isso pode soar banal à primeira vista. Entretanto, uma observação mais detida irá
deixar óbvio que o axioma misesiano da ação humana e suas implicações estão
longe de ser banais:
Para
começar, um axioma é uma proposição — ou um arranjo de proposições — tida
como verdadeira a priori. Ele é aprioristicamente verdadeiro por uma
questão de lógica. Um axioma serve para
apresentar diferentes temas na forma de teorias formais e coerentes, sendo que
todas essas teorias são proposições que podem ser deduzidas do axioma. Por exemplo, o teorema de Pitágoras pode ser
deduzido dos axiomas da geometria euclidiana.
O
axioma da ação humana é de natureza especial: ele representa uma proposição sintética a priori, para
utilizar a terminologia
de Immanuel Kant (1724—1804). Uma
proposição sintética a priori é um conhecimento que (1) não pode ser negado sem
que se caia em contradição intelectual, e (2) é derivado da reflexão, e não da observação.
O
axioma da ação humana não pode ser negado sem que o indivíduo caia em uma
insolúvel contradição. Afinal, para
negar o axioma da ação humana, o individuo está incorrendo em uma ação humana
— trata-se do ato humano de negar.
Argumentar que humanos não podem agir é, portanto, uma contradição em si
mesmo, uma absurdidade.
Ademais,
o axioma da ação é derivado da reflexão humana: ele independe da
experiência. Isso porque um indivíduo
não pode observar humanos fazendo uma ação propriamente dita. Para saber o que "ação" significa, é preciso antes
saber o que é uma ação — o que significa que o conhecimento sobre o que é ação
deve existir antes da ação.
Dito
isso, o axioma da ação humana satisfaz ambos os requisitos de Kant para ser
qualificado como uma proposição sintética a priori: é uma verdade autoevidente
e é derivada da reflexão. Dito isso,
deduções lógicas extraídas do axioma da ação humana também devem ser
absolutamente e irrefutavelmente verdadeiras.
Por
meio do seu desenvolvimento da praxeologia, Mises demonstrou que a teoria
econômica é a manifestação lógica desse irrefutavelmente verdadeiro axioma da
ação humana. De acordo com Mises, a
teoria econômica não está preocupada com psicologia, mas sim com as implicações
do axioma da ação humana.
A Lei da Utilidade Marginal Decrescente
A
lei da utilidade marginal decrescente
pode ser logicamente deduzida do axioma da ação humana. Para mostrar isso, comecemos com algumas
observações sobre 'utilidade'.
Utilidade
é um conceito subjetivo. Denota
"satisfação" (ou "felicidade" ou "contentamento"). Ela aumenta se e quando um indivíduo aumenta
seu estado de satisfação. Inversamente,
ela diminuiu se e quando um indivíduo considera que sua situação piorou.
Mais
ainda: utilidade é um conceito ordinal
(contrário de cardinal), o que significa que a utilidade não pode ser mensurada
cardinalmente. Ela pode apenas ser ordenada
em série, como em um ranking. Da mesma
forma, alterações na utilidade de diferentes pessoas não podem ser mensuradas. Tudo o que se pode dizer é que a utilidade é
maior ou menor desde o ponto de vista de um indivíduo.
Rothbard
explicou por quê:
Para que qualquer mensuração
fosse possível, teria de haver uma unidade objetivamente determinada e
eternamente fixa, com a qual outras unidades pudessem ser comparadas. Mas não existe tal unidade objetiva no âmbito
das valorações humanas. O indivíduo, por
si próprio, deve determinar subjetivamente se ele está em melhor ou pior
situação em decorrência de alguma mudança sofrida.[2]
Utilidade
marginal significa a utilidade trazida por aumentos na quantidade de bens;
significa a utilidade trazida pelo usufruto de um bem adicional. Utilidade marginal não significa incrementos na utilidade — o que implicaria que a
utilidade poderia ser mensurada.[3] Portanto, o que a lei da utilidade marginal decrescente
diz?
A
lei diz, em primeiro lugar, que a utilidade
marginal de cada unidade (homogênea) decresce à medida que a oferta de unidades
aumenta (e vice versa); segundo, que a utilidade
marginal de uma unidade de maior tamanho é maior do que a utilidade marginal de
uma unidade de menor tamanho (e vice versa). A primeira lei denota a lei da utilidade
marginal decrescente; a segunda lei, a lei
da utilidade total crescente.
Essas
duas dimensões da lei da utilidade marginal decrescente advêm diretamente do
axioma da ação humana; elas podem ser deduzidas logicamente dele, e de maneira
alguma dependem da psicologia ou de qualquer outra pressuposição
comportamental. Isso será mostrado a
seguir.
A Natureza Apriorística da Lei da Utilidade
Marginal Decrescente
Apriorismo denota uma teoria que gera
proposições verdadeiras; proposições cuja verdade independe de conhecimentos
derivados da empiria: seu verdadeiro valor pode ser estabelecido a priori,
independentemente de experiências (sensoriais).
A
praxeologia, baseando-se no axioma da ação humana, afirma algo sobre a
realidade que pode ser confirmado sem que se recorra a experimentos; trata-se
de uma ciência apriorística. Ademais, a
lei da utilidade marginal decrescente é uma consequência lógica do
irrefutavelmente verdadeiro axioma da ação humana, e, como tal, é também uma
verdade apriorística. Essa conclusão não
tem nada a ver com psicologia.
Para
mostrar isso, devemos nos lembrar tanto das implicações óbvias quanto das
implicações menos obvias do axioma da ação humana.
O
axioma da ação humana implica que os humanos agem, e que a ação humana é intencional, propositada, objetivando determinados fins. A ação humana é
distinguível daqueles tipos de comportamento humano que são despropositados ou
puramente involuntários. Supor o
contrário resultaria em uma contradição intelectual insolúvel.[4]
O
axioma da ação humana implica substituir uma situação menos satisfatória por
uma situação mais satisfatória. Caso
houvesse um perfeito contentamento com tudo (e, logo, plena satisfação), não
haveria nenhuma ação humana — algo que, como notado anteriormente, é
impensável.
A
ação humana implica a utilização de meios
para a satisfação de fins, e o axioma
da ação humana implica que esses meios são escassos. Se não fossem escassos, os meios não
serviriam como objetos da ação humana.
Mais ainda: se os meios não fossem escassos, não haveria ação — e isso
é impensável.
Dado
que os meios são escassos — em relação aos fins a que eles podem servir —,
eles devem, portanto, ser economizados. Como resultado da escassez, o agente tem de saber
como alocar esses meios escassos para que eles sirvam aos seus mais desejados
fins. Sendo assim, certos fins
inevitavelmente permanecerão não satisfeitos.
Disso, conclui-se que, quanto maior a oferta de meios disponíveis, mais
fins podem ser satisfeitos.
Como
os meios são escassos, a ação humana implica que o indivíduo deve classificar
em ordem de preferência seus diferentes fins.
A ação humana, portanto, é um indicativo do julgamento e da valoração do
indivíduo — ou, como disse Rothbard, trata-se de preferências demonstradas: os
fins classificados no topo das preferências são aqueles que o indivíduos valora
mais favoravelmente.
Desta
perspectiva, torna-se óbvio que a lei da utilidade marginal decrescente advém
do axioma da ação humana.
Primeiro,
quanto maior é a oferta de um bem, menor
é a utilidade de uma unidade adicional: quanto mais bens estiverem
disponíveis, maior será a quantidade dos fins menos urgentes que poderão ser satisfeitos. As pessoas, portanto, valoram os bens "na
margem": se, por exemplo, um indivíduo tiver de abrir mão de um de seus bens
que está sendo utilizado para a satisfação de seus fins, ele irá abrir mão do
fim menos importante possibilitado por esse bem — isto é, a unidade marginal. É esse fim que agora foi deixado de lado que
irá determinar o valor desse bem, do ponto de vista do indivíduo.
Segundo,
a utilidade total de uma maior oferta de
bens sempre será maior do que a utilidade de uma menor oferta de bens —
uma vez que a primeira condição permite a satisfação mais fins que a segunda
condição.
Mises
resumiu a lei da utilidade marginal decrescente de maneira sucinta:
Ao tratar da utilidade marginal, não estamos lidando nem
com prazer sensorial nem com saturação ou saciedade. Não transpomos a esfera do
raciocínio praxeológico ao estabelecermos a seguinte definição: a utilização
que um indivíduo faz de uma unidade de um conjunto homogêneo de bens, se ele
dispõe de n unidades, e que não faria se só dispusesse de n-1 unidades,
mantidas iguais as demais circunstâncias, constitui a utilização menos urgente,
ou seja, a sua utilização marginal. Por isso, consideramos a utilidade derivada
da unidade em questão como utilidade marginal. Para chegar a esta conclusão,
não precisamos de nenhuma experiência fisiológica ou psicológica, de nenhum
conhecimento ou raciocínio. Decorre necessariamente de nossa premissa o fato de
que o homem age (escolhe) e de que, no primeiro caso, tinha n unidades
de um conjunto homogêneo de bens e, no segundo caso, n-1 unidades.
Nestas condições, não se pode conceber outro resultado. Nossa afirmativa é
formal e apriorística, e não depende de nenhuma experiência.
Três aplicações da Lei da Utilidade
Marginal Decrescente
Finalmente,
consideremos três aspectos econômicos em que a irrefutavelmente verdadeira lei
da utilidade marginal decrescente possui um papel importante — algo que,
entretanto, é frequentemente ignorado pela economia convencional. Essa abordagem errada e incompleta da ciência
econômica, por sua vez, resulta — intencionalmente ou não — em políticas
destrutivas.
(1)
Um aumento na quantidade de dinheiro. Um aumento na quantidade de dinheiro irá, por
razões lógicas, reduzir o valor de troca de uma unidade monetária. É assim porque a unidade monetária adicional
pode ser utilizada para satisfazer um fim adicional que é necessariamente menos
urgente que a satisfação do fim imediatamente anterior (em termos de importância)
a este. Um aumento na quantidade de
dinheiro, portanto, irá necessariamente levar a uma redução na utilidade
marginal da unidade monetária (comparada à situação em que a quantidade de
dinheiro permaneceu inalterada).
Como
resultado, um aumento na quantidade de dinheiro jamais pode ser "neutro" em
termos econômicos. Tal aumento
necessariamente leva a um declínio no valor troca do dinheiro — quando
comparado a uma situação em que a quantidade de dinheiro permaneceu
inalterada. Também é válido observar que
um aumento na quantidade de dinheiro afeta de modo diferente os diferentes
agentes de mercado. (Veja mais aqui).
Uma
política monetária que busca aumentar a quantidade de dinheiro, portanto, jamais
poderá ser "neutra": ela necessariamente reduz o valor de troca da unidade
monetária, e ela necessariamente beneficiará algumas pessoas (aqueles que
recebem esse novo dinheiro antes do resto da população) à custa de outras
(aquelas que recebem esse novo dinheiro por último).
(2)
Uma redução na taxa de juros de mercado. A taxa de juros vigente em um mercado livre e
desimpedido — isto é, a taxa de juros pura — reflete a preferência temporal da
sociedade — a qual, por sua vez, também está implícita no axioma da ação
humana. Preferência temporal significa
que os agentes de mercado valoram os bens disponíveis hoje (bens presentes) de
maneira mais elevada do que os bens que só estarão disponíveis no futuro (bens
futuros).
E
quanto mais os indivíduos mostrarem que preferem bens presentes (adquiridos com
sua renda atual) em detrimento de bens futuros (os quais serão adquiridos por
meio da poupança que terão de fazer até lá), maior será a valoração dada aos
bens presentes em relação aos bens futuros — e isso é resultado da
irrefutavelmente verdadeira lei da utilidade marginal decrescente. A taxa de juros pura, portanto, expressa a
relação entre as valorações dos bens presentes e as valorações dos bens
futuros.
Se
o governo intervir no mercado temporal — por exemplo, aumentando a oferta
monetária, criando crédito do nada, sem lastro em poupança —, ele
necessariamente fará com que a taxa de juros de mercado seja diferente da taxa
de juros pura (no caso, ele fará com que a taxa de juros de mercado seja menor
que a taxa de juros pura), algo que subsequentemente irá de provocar investimentos errôneos e ciclos de
expansão e recessão econômica.
(3)
Violação dos direitos de propriedade dos
indivíduos.[5]
Violações dos direitos de propriedade individual (por exemplo, por meio
de tributação, regulamentações etc.) farão com que os proprietários valorem os
bens presentes de modo cada vez mais favorável em relação aos bens futuros —
uma conclusão que advém da lei da utilidade marginal decrescente.
Violações
dos direitos de propriedade individual, portanto, aumentam a preferência
temporal das pessoas, tornando-os mais imediatistas, mais voltadas para o
presente, fazendo-as aumentar o consumo em detrimento da poupança e do
investimento, o que reduzirá (ou até mesmo reverterá) o ritmo da acumulação de
capital. Uma sociedade
intervencionista-socialista necessariamente
irá, por conseguinte, ser mais pobre do que poderia ser caso adotasse uma ordem
social de livre mercado, em que não há violações sistemáticas dos direitos de
propriedade dos indivíduos.
___________________________________________________
Notas
[1] Para uma explicação mais aprofundada, ver Hoppe, H.-H.
(1995), "Praxeologia e a Ciência Econômica", em A Ciência
Econômica e o Método Austríaco, Instituto Ludwig von Mises Brasil.
[2] Ver
Rothbard, M. N. (2007 [1962]), Man, Economy, and State, Scholar's edition, Ludwig von
Mises Institute, pp. 21-33.
[3] Ver sobre
isso Rothbard, M. N. (1959), "Toward
a Reconstruction of Utility in Welfare Economics," originalmente
publicado em On Freedom and Free Enterprise: The Economics of Free
Enterprise, May, Sennholz, H. F., ed., Princeton, N.J: D. Van
Nostrand, 1956; reimpresso em in The Logic of Action One: Method,
Money, and the Austrian School by Murray N. Rothbard, London: Edward
Elgar, 1997, pp. 211-255.
[4] Mises, L. (2007 [1957]), Theory and History, Ludwig von Mises Institute, p. 3, observa:
Seria
algo simplesmente tolo negar o fato de que o homem manifestamente se comporta
como se estivesse de fato buscando atingir fins definidos. Logo, a
negação de que há propósitos nas atitudes do homem é algo que somente pode ser
aceito se for assumido que a escolha dos fins e dos meios é algo apenas
aparente; que o comportamento humano é, em última instância, determinado por
eventos fisiológicos que podem ser completamente descritos na terminologia da
física e da química.
Mesmo
os mais fanáticos defensores da "Unidade da Ciência" [dogma
central do positivismo lógico], os quais formam uma seita, evitam
propagandear inequivocamente essa formulação rude e grosseira de sua tese
fundamental. E há boas razões para essa reticência. Enquanto não
for descoberta uma relação clara e distinta entre ideias e eventos físicos ou
químicos — dos quais as ideias seriam a consequência lógica —, a tese positivista
permanecerá sendo apenas um postulado epistemológico originado não da
experiência cientificamente estabelecida, mas de uma visão metafísica do mundo.
[5] Nesse contexto, ver, por exemplo, Hoppe, H.-H. (2010), Theory
of Socialism and Capitalism, Ludwig von Mises Institute.