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Filosofia

Os erros do "tradicionalismo" econômico

17/09/2025

Os erros do "tradicionalismo" econômico

Dentro da parcela à direita do espectro político que os libertários mais se opõem estão os (neo)conservadores e os tradicionalistas.

Com relação aos neoconservadores, já existe uma parcela considerável de textos escritos por Hans-Hermann Hoppe que expõem os problemas em sua doutrina econômica. Em obras como Democracia: o Deus que falhou e Uma teoria do capitalismo e do socialismo, Hoppe demonstra que o neoconservadorismo, ao promover um welfare-warfare state — uma síntese paradoxal de políticas redistributivas keynesianas e expansionismo imperialista —, falha em reconciliar os princípios do liberalismo clássico (tais como a propriedade privada absoluta, o cálculo econômico racional via preços de mercado livres e a não-agressão) com as dinâmicas da democracia moderna, caracterizada por um horizonte temporal curto e incentivos perversos à expropriação coletiva.

O modus operandi neoconservador pode ser resumido em uma estratégia de preservação reativa do "passado recente" — ou seja, a manutenção de instituições intervencionistas consolidadas, como agências reguladoras e complexos militares-industriais, sob o pretexto de uma "defesa conservadora" da ordem liberal.

Quanto à parcela do tradicionalismo econômico, podemos captar uma mentalidade um pouco mais "raiz", voltada a princípios quase primitivistas[i]. Seus propagadores, geralmente eticistas políticos ou mesmo coaches da "bolha católica", sem formação em economia, se apoiam no que eles definiriam por "tradicionalismo"[ii].

A visão "tradicionalista" da atividade econômica pressupõe que o homem "não deve ansiar em ganhar dinheiro", mas manter um estado de vida considerado por eles confortável.

Os argumentos contrários ao capitalismo frequentemente se baseiam na ideia de que o homem medieval — ou a sociedade como um todo no período pré-Revolução Industrial — seria, em tese, mais pacífica, pois trabalhava menos e se sentia mais "confortável" com sua condição. O emprego de máquinas simples, como o tear mecânico, e a produção em pequena escala, realizada por indivíduos ou guildas, preservariam uma vida menos agitada, além de garantir a qualidade superior dos bens produzidos, uma vez que seu processo de fabricação, além de não carecer do fator humano e dar "sentido" à atividade produtiva, estaria lidando com maior concorrência graças à inexistência dos monopólios criados pelos industrialistas. Em contrapartida, na sociedade capitalista, o indivíduo viveria em função do trabalho e do constante anseio por ganhar dinheiro, motivado por inúmeros objetivos — geralmente a ganância ou a mera sobrevivência à "hostilidade capitalista".

O que os tradicionalistas propõem é que a vivência em prol do trabalho, somada com pouco tempo livre — e isso poderia ser percebido com o crescente aumento de escalas de trabalho ao redor do mundo —, seria compensado, no "livre mercado", por produtos voltados para a satisfação de pessoas com alta preferência temporal; aqui posso citar exemplos como a pornografia, drogas, comidas industrializadas etc.

"Nem só de pão vive o homem", com razão afirmam. A praxeologia nos mostra como a subjetividade de valores "mais elevados" — para parafrasear Mises — pode se sobrepor às buscas materiais. Entretanto, como o próprio austríaco sugere, sob uma condição mais confortável, isto é, com mais prosperidade material, o homem poderia buscar tais valores "mais elevados" livre de maiores preocupações mundanas, uma vez que a vocação, por assim dizer, de uma vida monástica típica franciscana não seria para todos nem proveitosa para a civilização em geral.

"Mas se todos os homens se tornassem monges, o mundo acabaria. O mundo não poderia continuar sem a família; e a família não poderia continuar sem o pai e a mãe."

— G.K. Chesterton, What's Wrong with the World (1910).

Como o próprio Mises afirma em Ação Humana, os (capitalistas) liberais não defendem que todos devem objetivamente empenhar-se em buscar apenas a satisfação material. Como dito acima, a praxeologia não pressupõe quais valores as pessoas deveriam buscar objetivamente; apenas, enquanto ciência social, que a maioria das pessoas julga melhor uma vida com abundância e saúde do que a miséria.

Na visão tradicionalista, o capitalismo é caracterizado como um processo quase darwinista de adaptação forçada a uma realidade econômica em constante deterioração, onde a competição feroz entre os poucos monopolistas leva à degradação da qualidade de vida das pessoas que não possuem meios de produção próprios e precisam ofertar mão de obra para sobreviver. A crença predominante é que o sistema capitalista tende naturalmente ao fortalecimento e expansão de monopólios, sufocando a inovação e concentrando riqueza em poucas mãos, perpetuando desigualdades e uma "decadência moral".

Tal afirmação, em primeira instância, pode parecer lógica para quem não está familiarizado com a teoria do livre mercado. O declínio da economia, em escala global, está diretamente ligado a fatores como inflação monetária ou repressão estatal da economia, e não ao livre mercado em si. Contrariamente à visão tradicionalista de que o capitalismo gera monopólios de forma natural, a teoria libertária, respaldada por autores como Ludwig von Mises e Murray Rothbard, demonstra que monopólios duradouros e prejudiciais surgem, na verdade, pela intervenção estatal. No livre mercado, a concorrência é impulsionada pela liberdade de entrada, onde novos empreendedores podem desafiar empresas estabelecidas, desde que ofereçam melhores produtos ou preços. Monopólios só se consolidam quando o governo cria barreiras artificiais, como regulamentações excessivas, subsídios direcionados, licenças restritivas ou protecionismo, que favorecem grandes corporações em detrimento de concorrentes menores. Um exemplo clássico é o caso das "big techs", frequentemente acusadas de monopolismo, mas que, em muitos casos, se beneficiam de regulações que dificultam a entrada de novos players ou de parcerias público-privadas que distorcem a competição.

No livre mercado puro, sem tais intervenções, a inovação e a preferência do consumidor impedem a estagnação monopolística, promovendo dinamismo econômico. Países como a Suíça e a Irlanda, além de preservarem uma estética arquitetônica muito elogiada por tradicionalistas, mantêm um alto grau de liberdade econômica e inflação controlada, com médias anuais de 0,5% e 1,0%, respectivamente, na última década (2014-2024). Esses países, ranqueados entre os mais livres pelo Index of Economic Freedom (Suíça: 2º, 83; Irlanda: 3º, 82), demonstram que o livre mercado sustenta prosperidade, com PIB per capita elevado (Suíça: ~US$92.000; Irlanda: ~US$104.000) e acesso a bens de qualidade, como alimentos saudáveis, sem sacrificar valores culturais ou espirituais.

Na Suíça, segundo dados de 2023 do Swiss Federal Statistical Office, 56% da população (acima de 15 anos) identifica-se como cristã (30,7% católicos, 19,5% protestantes, 5,8% outros cristãos), enquanto 31% são não afiliados e 7,2% seguem outras religiões (ex.: 5,4% muçulmanos, 0,6% hindus, 0,5% budistas). Na Irlanda, o Censo de 2022 indica que 69% são católicos romanos, 14,7% não têm religião, 2,1% são ortodoxos e 1,6% são muçulmanos, com outras religiões menores crescendo. Esses números mostram que, mesmo em economias de livre mercado, a religiosidade permanece significativa, com a maioria da população mantendo crenças espirituais.

Em uma sociedade libertária, baseada na propriedade privada e no livre mercado, a preservação da arquitetura antiga, incluindo monumentos históricos, se daria por incentivos econômicos e responsabilidade individual, superando a ineficiência estatal. Na posse privada, o dono de um monumento assume a responsabilidade total por sua manutenção, ao contrário de bens públicos, que sofrem com a "tragédia dos comuns" (ninguém se sente responsável). Esse stewardship[iii] garante cuidados contínuos, já que a deterioração reduz o valor econômico e cultural do monumento. Contratos voluntários, como acordos de bairro, podem reforçar a preservação sem coerção estatal.

Em contraste, países menos capitalistas, como os da América Latina, com baixa liberdade econômica (ex.: Brasil, 53º, pontuação 53,5; Argentina, ~140º até recentes reformas), enfrentam infraestruturas precárias, menor preservação de construções históricas (muitas vezes religiosas) e alta inflação, o que pode desviar o foco das pessoas para a subsistência, dificultando a prática espiritual.

Em síntese, o "tradicionalismo" econômico, ao romantizar uma era pré-capitalista idealizada e ignorar os mecanismos reais de prosperidade gerados pelo livre mercado, comete um erro fundamental: subestima o poder da liberdade individual para harmonizar o material e o espiritual.

Como Hoppe e Mises nos ensinam, só sob a égide da propriedade privada e da não-agressão é que a sociedade pode florescer verdadeiramente, preservando não apenas a glória do passado e os sacrifícios de nossos pais para garantir a prosperidade futura, mas a essência da alma humana. Os tradicionalistas, em sua nostalgia primitivista, acabam por defender inadvertidamente o intervencionismo que tanto criticam nos socialistas, enquanto o libertarianismo oferece o caminho para uma tradição legítima e próspera. Que essa visão inspire uma direita unida pela confiança na ordem espontânea da liberdade.

"Não digas: Por que os tempos passados foram melhores do que os de agora? Porque semelhante pergunta não procede da sabedoria."

— Eclesiastes 7:11 (Tradução da Vulgata pelo Pe. Matos Soares).

 

Notas:

[i] Primitivismo, no âmbito sociológico e antropológico, refere-se à crença ideológica na superioridade moral, ética e social dos modos de vida das sociedades pré-industriais ou "primitivas" (como as tribais africanas, pré-colombianas ou da Oceania) em relação à civilização moderna urbana, caracterizada por alienação, desigualdade e decadência tecnológica.

[ii] “A banalização de termos como ‘conservadorismo’, ou mesmo ‘tradicionalismo’, pode causar confusão no leitor ocidental. Aqui neste caso o termo ‘tradicionalismo’ não condiz com a definição de Nisbet, por exemplo, como uma filosofia seletiva em função de sua substância desejável, mas em uma veneração desregrada pelo passado como superior em todos os aspectos”. Extraído da nota de rodapé do livro " Democracia, o Deus que falhou”, de Hans-Hermann Hoppe.

[iii] Stewardship (do inglês, equivalente a "administração responsável" ou "gestão fiduciária" em português) refere-se ao ato de gerenciar ou cuidar de algo — como recursos, bens, patrimônio ou responsabilidades — de forma responsável, ética e sustentável, em nome de um proprietário ou para o benefício de outros. Não se trata apenas de posse, mas de uma obrigação moral ou legal de preservar e aprimorar o que está sob sua guarda, garantindo que seja transmitido em bom estado para gerações futuras.

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Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil.

Sobre o autor

Victor Gonzaga

É bacharel em economia pelo CUML e aluno da Pós-Graduação em Escola Austríaca do Instituto Mises Brasil.

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