Pela total liberalização de todas as drogas
Como consequência dessa fracassada guerra, gente oriunda de todos os lados do espectro ideológico já começou a clamar - em modo e intensidade nunca antes vistos - por algum grau de descriminalização ou legalização.
Um recente exemplo disso é o filósofo político britânico John Gray. Em um artigo intitulado "O Argumento a Favor da Legalização de Todas as Drogas é Irrefutável", Gray faz uma forte defesa da descriminalização total das drogas. A guerra mundial contra as drogas deveria ser abolida porque:
- A guerra às drogas já mutilou, traumatizou ou desalojou um incontável número de pessoas.
- Apesar disso, o uso de drogas permanece entranhado em nosso modo de vida.
- Os custos incorridos pela proibição das drogas já excederam enormemente qualquer possível benefício.
- Penalizar o uso de drogas acaba por levar pessoas que em outro contexto seriam cumpridoras da lei à economia do submundo.
- A proibição expõe os usuários de drogas a enormes riscos de saúde.
- Drogas ilegais não podem ter sua qualidade e toxicidade facilmente testadas.
- Inúmeros usuários de drogas viveram vidas produtivas em épocas passadas antes das drogas serem proibidas.
- Os usuários de drogas têm de lidar com preços inflacionados, riscos de saúde e a ameaças de cadeia.
- Políticos que já utilizaram drogas não sofreram qualquer tipo significativo de efeito colateral em suas carreiras.
- Os enormes lucros obtidos com as vendas de drogas ilegais corrompem instituições e destroem vidas.
- A cruzada antidrogas recentemente iniciada pelo governo do México acabou se agravando e se transformando em uma miniguerra. (Pense no Rio de Janeiro).
- Alguns estados já foram, de uma forma ou de outra, inteiramente capturados pelo dinheiro das drogas.
Ele também poderia ter falado, como vários outros já o fizeram, que certas drogas ilegais já se comprovaram muito eficazes como analgésicos, que pessoas que fumam maconha têm menor risco de sofrer de certas doenças, ou que o abuso de remédios controlados mata pessoas (Elvis, Heath Ledger, Michael Jackson) da mesma forma que as overdoses de drogas ilegais. Ele poderia ter mencionado que o abuso de álcool é um problema social maior do que o uso de drogas ilegais, ou que apenas nos EUA ocorreram 1.702.537 prisões no ano passado, sendo que quase metade foi por causa de uma simples posse de maconha.
O problema com o argumento "irrefutável" de Gray é que ele é utilitarista. Ele não faz um argumento em nome da liberdade. Ele não argumenta que as pessoas devem ter a liberdade de usar drogas simplesmente porque elas são livres. Assim, se a guerra às drogas parar de mutilar, traumatizar e desalojar as pessoas, se os custos da proibição tornarem-se menores que os benefícios, se as drogas ilegais puderem ter sua qualidade e sua toxicidade testadas, se a miniguerra mexicana acabar, etc. - então, de acordo com Gray, a guerra às drogas poderia ser uma coisa boa.
O único argumento irrefutável é o argumento do ponto de vista da liberdade. Mais ainda: da imoralidade que é a intromissão governamental na vida pessoal de cada indivíduo. Em nenhum lugar do seu artigo Gray sequer considera que não é papel do governo e nem é direito de qualquer pessoa proibir, regular, restringir ou controlar o que um indivíduo deseja comer, beber, fumar, absorver, cheirar, aspirar, inalar, engolir, ingerir ou injetar em seu corpo.
Se as drogas serão para uso médico ou recreativo é algo que não importa. E também não importa se o uso de drogas irá aumentar ou diminuir. Um governo que tem o poder de proibir substâncias nocivas ou práticas imorais é um governo que tem o poder de banir qualquer substância e qualquer prática. Sequer deveria existir algo como 'substância controlada'.
Conservadores que reverenciam leis deveriam apoiar tanto a liberdade de se utilizar drogas para qualquer propósito quanto um livre mercado para as drogas. Não é minimamente racional autorizar o governo federal a se intrometer nos hábitos alimentares, alcoólicos ou tabagistas dos indivíduos. Com efeito, até o início do século XX inexistiam leis contra as drogas em praticamente todo o mudo. (Clique aqui para ver algumas curiosidades sobre esse período de drogas livremente comercializadas).Não é papel do governo e nem é direito de qualquer pessoa proibir, regular, restringir ou controlar o que um indivíduo deseja comer, beber, fumar, absorver, cheirar, aspirar, inalar, engolir, ingerir ou injetar em seu corpo. |
As drogas de John Gray são regulamentadas, licenciadas, tributadas, monitoradas e controladas. Mas sem um livre mercado para as drogas, sua legalização nada mais é do que um controle estatal do mercado de drogas, como o professor e psiquiatra Thomas Szasz já demonstrou.
O argumento de John Gray a favor da legalização de todas as drogas é facilmente refutável; já a defesa da liberdade é absolutamente irrefutável.
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