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Filosofia

A invasão dos economistas matemáticos e seus modelos estáticos

Lições austríacas de Huerta de Soto

10/08/2025

A invasão dos economistas matemáticos e seus modelos estáticos

Lições austríacas de Huerta de Soto

Nota da edição:

O artigo a seguir é uma resenha feita pelo filósofo libertário David Gordon sobre o livro Lectures in Austrian Economics [Palestras sobre Economia Austríaca, em tradução livre] do professor Jesús Huerta de Soto.

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Jesús Huerta de Soto é um dos grandes mestres da Escola Austríaca de Economia e também um professor exemplar. Vídeos de suas aulas, extremamente populares sobre economia austríaca na Universidade Rey Juan Carlos, em Madri, já foram assistidos por centenas de milhares de pessoas. E os falantes da língua inglesa são afortunados por agora contarem com a transcrição editada de algumas dessas palestras, publicada em formato de livro. Cabe a mim a agradável tarefa de resenhar essa obra. As palestras transmitem de forma vívida o profundo interesse de Huerta de Soto pela etimologia, além de seu cativante senso de humor, embora eu antecipe que algumas de suas piadas poderão ofender adeptos da agenda “DEI” (diversidade, equidade e inclusão), o que considero algo positivo. No entanto, nesta coluna semanal, gostaria de me concentrar em suas esclarecedoras reflexões filosóficas e na relevância delas para a economia.

O tema dominante nas palestras é a criatividade do empreendedor, entendendo-se empreendedorismo como englobando todas as ações humanas, além da atividade de indivíduos que, com novas ideias, buscam lucrar no mundo dos negócios. Em todas as nossas ações, especulamos sobre um futuro incerto.

O futuro relevante para a ação, segundo acredita Huerta de Soto, é construído, e não simplesmente descoberto. O tempo, tal como entendido pela física, não é o tempo real, mas sim uma sucessão de eventos que nunca mudam de ordem. Ele escreve:

“Na economia, o conceito de tempo é um conceito subjetivo. O que isso significa? Significa que o tempo, tal como o estamos tratando aqui, é o tempo como o sujeito o sente e vivencia, no contexto de cada ação realizada. (...) Chamaremos isso de visão subjetivista do tempo (Kairos, na Grécia antiga), no sentido de que o sujeito percebe a passagem do tempo exatamente porque ele ou ela age e completa etapas”.

Isso contrasta com o tempo objetivo, que é simplesmente o movimento ao longo de uma linha:

“No mundo da física, o tempo é uma dimensão, a quarta dimensão, que funciona apenas como uma analogia para o movimento. Imagine que estamos no Polo Norte, começando no momento do equinócio da primavera. Pois bem, no Polo Norte você pode ver o sol, e o sol se move (...) depois de uma hora (...) mais uma hora (...) como se estivesse marcando as horas em um enorme mostrador de relógio. O sol retorna ao ponto onde estava antes. Essa é a quarta dimensão do tempo, aquela que Einstein estudou”.

Embora esteja, de fato, adentrando águas filosóficas profundas, e o faça com certa relutância, receio que de Soto tenha assumido uma premissa que não precisa ser aceita. Não decorre do fato de que os eventos do tempo cronológico, a chamada “quarta dimensão”, ocorrem em uma ordem fixa que esses eventos se repitam continuamente na mesma sequência, de forma que não se possa falar genuinamente em “antes” e “depois”. Não é consequência da Teoria Geral da Relatividade de Einstein que os eventos físicos se repitam dessa maneira, ainda que exista um modelo teórico elaborado por Kurt Gödel, que Einstein rejeitou, embora tenha se mostrado bastante intrigado com ele, no qual tal repetição de eventos seria possível. Mas isso é apenas um detalhe.

Voltemos à ação humana. Nesse campo, defende de Soto, os seres humanos são radicalmente livres, no sentido de que o que ocorrerá no futuro ainda não existe e será, em parte, determinado pelas decisões que tomarmos:

“Na esfera da economia e da ação, os seres humanos encaram o futuro com uma incerteza permanente e impossível de eliminar (não confundir com risco). Por que isso acontece? Porque o que acontecerá amanhã dependerá do nosso comportamento enquanto empreendedores. Dependerá das ideias, dos conhecimentos ou da imaginação de cada um de nós, milhões de seres humanos, e daquilo que formos capazes de descobrir, criar e realizar”.

Essa é uma visão que considero altamente plausível, e é um ponto essencial o fato de que, ao agirmos, nos percebemos como livres nesse sentido radical. No entanto, não decorre necessariamente que, se o futuro ainda não existe, ou seja, se a posição que os filósofos chamam de “presentismo” for verdadeira, então os eventos futuros sejam indeterminados. Talvez já prevendo essa objeção, de Soto apresenta um argumento segundo o qual afirmar que o determinismo é verdadeiro seria autocontraditório; mas não entrarei nesse argumento aqui.

O que importa, para os nossos propósitos, é que a incerteza radical do futuro permite que de Soto rejeite boa parte da economia neoclássica, frequentemente utilizada para justificar intervenções no livre mercado. Por exemplo, ele comenta sobre:

“(...) a contradição em que cai a grande maioria dos meus colegas, que são economistas matemáticos. E isso chega a ser quase uma piada. Eles desenvolvem modelos matemáticos de equilíbrio (que eles chamam até de Modelos de Equilíbrio Geral Dinâmico Estocástico) nos quais o mundo, na verdade, não muda (...). E então tentam testar esses modelos no mundo real, que está em permanente estado de desequilíbrio. Isso é um verdadeiro escândalo”.

A ideia de concorrência perfeita também deve ser descartada, por ser estática:

“Percebemos, então, que existem dois conceitos alternativos e opostos de competição: a competição como processo dinâmico de rivalidade, que é o conceito correto de competição; e a caricatura equivocada chamada de ‘concorrência perfeita’, na qual todos fazem exatamente a mesma coisa e, portanto, ninguém compete... A insistência em aplicar a metodologia errada, a das ciências naturais, onde há constância (e onde tempo e criatividade não existem), ao campo das ciências sociais, no qual os seres humanos ocupam o papel central, leva a uma série de equívocos. Mas talvez o maior de todos tenha sido a divinização de uma ideia tão absurda quanto o conceito estático de concorrência perfeita”.

De Soto descarta completamente a noção de testabilidade empírica na economia. As leis econômicas são verdadeiras ceteris paribus (isto é, "mantidas constantes as demais variáveis"), mas é impossível testá-las empiricamente. Ele afirma:

“No mundo real, nenhum cientista jamais conseguiu observar qualquer fenômeno sob condições ceteris paribus, com todas as demais variáveis constantes, e nenhum cientista consegue fazer isso hoje, nem será capaz de fazê-lo no futuro.”

Assumir o contrário implica tratar o tempo como se o mundo fosse estático, e não dinâmico.

Huerta de Soto merece nossa gratidão por demonstrar, de forma tão clara e vigorosa, a relevância da filosofia para a economia.

 

Este artigo foi originalmente publicado no Mises Institute.

 

Recomendações de leitura:

Comentário sobre a Ação Humana de Ludwig von Mises

As raízes escolásticas da Escola Austríaca e o problema com Adam Smith

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Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil.

Sobre o autor

David Gordon

É membro sênior do Mises Institute, analisa livros recém-lançados sobre economia, política, filosofia e direito para o periódico The Mises Review, publicado desde 1995 pelo Mises Institute.

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