Comentário sobre a Ação Humana de Ludwig von Mises
O tratado de economia de Ludwig von Mises intitulado Ação Humana é um dos livros que mais influenciou, durante os últimos 50 anos, a mudança de opinião experimentada em nosso país a favor da economia de mercado e da liberdade empresarial. Tenha em mente que a primeira edição em espanhol desta obra apareceu graças ao bom trabalho da Fundação Ignacio Villalonga e ao esforço do tradutor e prologuista Joaquín Reig Albiol, no início de 1960, ou seja, pouco mais de um ano após a publicação da primeira edição da “Actualidad Económica” que celebramos agora.
Ao contrário dos livros keynesianos e intervencionistas (vários dos quais estão incluídos nesta mesma seção de livros mais influentes) que foram recebidos com inexplicável alegria pelas autoridades da época, Ação Humana teve grande dificuldade em passar pela censura de Franco, especialmente por seu conteúdo puramente liberal e sua crítica sem qualquer concessão a todos os tipos de socialismo e planejamento (incluindo o "planejamento indicativo", que naquela época fazia furor).
Por outro lado, Ação Humana de Mises, e novamente em contraste com a maioria dos livros aqui considerados e agora obsoletos, não perdeu nem um pouco de sua atualidade e não deixou de ser lido e estudado por gerações e gerações de economistas espanhóis, e uma boa prova disso é que acabou de ser publicada a oitava edição da obra pela Unión Editorial há apenas alguns meses. No total, pode-se estimar que houve mais de 30 mil cópias vendidas deste tratado de mais de mil páginas, que foi considerado, com razão, como a "Bíblia" do economista liberal. Além disso, o tratado é usado como um livro didático em várias universidades espanholas, que oferecem assim uma interessante alternativa liberal à abordagem mais intervencionista e baseada na engenharia social do mainstream que até agora dominava nossos departamentos universitários.
Ludwig von Mises foi o economista mais importante da chamada Escola Austríaca no século XX. Em seu tratado de economia, coroou várias décadas de pesquisa e ensino efetuadas primeiro em Viena, depois em Genebra e, finalmente, na Universidade de Nova York, cidade em que faleceu em 1973. Diante da análise do equilíbrio que deixa os teóricos neoclássicos obcecados (sejam eles keynesianos ou da Escola de Chicago), Mises põe ênfase no desenvolvimento da teoria econômica baseada no estudo de processos de mercado dinâmicos impulsionados pela capacidade criativa e coordenada da função empresarial. Essa abordagem de Mises não é apenas muito mais realista e frutífera, mas também lhe permitiu formular o teorema da impossibilidade de planejamento e socialismo: na ausência de liberdade empresarial e preços de mercado para os bens de capital, é impossível o cálculo econômico, uma vez que o órgão de planejamento (seja denominado Gosplan, Instituto de Estatística ou, no âmbito financeiro, o Banco Central) é incapaz de obter a informação que precisa para dar um conteúdo coordenado aos seus mandatos (e não apenas por razões de volume e complexidade, mas, acima de tudo, porque a própria coerção que caracteriza o estatismo bloqueia a descoberta empresarial acerca do conhecimento de primeira mão que o intervencionista estatal precisamente mais necessita para ser bem sucedido em sua regulamentação). A queda do Muro de Berlim em 1989 e a perda de prestígio e a crescente crise do estado de bem-estar significaram a confirmação histórica definitiva da análise de Mises, ao mesmo tempo em que evidenciaram as graves falhas teóricas de outros paradigmas alternativos que, como o dos “liberais” da Escola de Chicago e os macroeconomistas keynesianos, nunca chegaram a entender com seus modelos obtusos de equilíbrio o que realmente acontece nos mercados do mundo real.
Uma aplicação prática importante do teorema de Mises sobre a impossibilidade do cálculo econômico socialista é a sua teoria do ciclo econômico. Este surge da descoordenação intertemporal induzida sob a forma de erros de investimento maciços na economia real (por exemplo, agora no setor imobiliário) como resultado de anos de flexibilização monetária e expansão do crédito (por exemplo, hipotecas arriscadas com baixas taxas de juros). Os ciclos econômicos têm sua origem, portanto, nos processos recorrentes de expansão de crédito empreendidos pelo sistema bancário com reservas fracionárias orquestrado pelo banco central (um verdadeiro órgão de planejamento central na esfera financeira que é afetado pelos efeitos típicos derivados da falta de informação e o bloqueio da criatividade e coordenação que Mises tão precisamente diagnosticara em qualquer agência de intervenção estatal).
O ciclo, portanto, não é um problema macroeconômico, mas essencialmente microeconômico: ele surge porque os empresários, enganados durante anos por condições de crédito facilitadas e taxas de juros hiper-reduzidas e manipuladas, investem em projetos de investimento que não correspondem (quanto à sua distribuição geográfica e maturação ao longo do tempo) com aqueles que os consumidores realmente desejam. Mais cedo ou mais tarde, a falta de coordenação gerada por qualquer agressão ao mercado (neste caso monetária) se torna evidente quando se descobre que os projetos de investimento não são lucrativos (por exemplo, centenas de milhares de apartamentos permanecem sem serem vendidos) e é necessário iniciar um doloroso reajuste que recoloque os escassos fatores de produção onde deveriam estar.
As recessões e as crises econômicas são inevitáveis uma vez que a expansão do crédito seja previamente verificada: só podem ser prevenidas evitando-a, embora uma solução definitiva exija um redesenho institucional do setor financeiro: liberdade de escolha de moeda, privatização do dinheiro e revogação das leis do curso forçado, a restauração de um sistema bancário livre com uma taxa de encaixe de 100% para depósitos à vista e a eliminação do banco central. Enquanto essas reformas não forem consideradas politicamente aceitáveis, pouco pode e deve ser feito em uma situação de recessão econômica (a fase saudável de "ressaca" em que os erros sérios cometidos são revelados e começa o processo necessário de liquidação de projetos errôneos e de realocação de fatores de produção), salvo liberalizar e tornar todos os mercados de recursos produtivos mais flexíveis, especialmente o mercado de trabalho (para acelerar, tanto quanto possível, o reajuste, tornando-o assim menos duradouro e socialmente doloroso), reduzindo o peso do estado sobre a economia em todos os níveis (menor gasto público e redução generalizada de impostos).
Em conclusão, pode-se afirmar que, na Ação Humana de Mises, a ciência econômica é tratada com uma lógica e um rigor implacáveis que respondem aos problemas econômicos e sociais que dominam o homem moderno. Somente seguindo os ditames da razão frente aos de emoção e a correção política, poder-se-á superar os desafios atuais e assegurar o avanço da civilização com fundamentos jurídicos, morais e econômicos que são inseparáveis dos princípios da propriedade privada, da liberdade empresarial e dos processos de livre mercado que constituem a essência do sistema econômico capitalista.
*Este artigo foi publicado originalmente no site do autor.
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Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil.
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