Esse site usa cookies e dados pessoais de acordo com os nossos Termos de Uso e Política de Privacidade e, ao continuar navegando neste site, você concorda com suas condições.

< Artigos

Política

Inflação de diplomas e a erosão da sinalização acadêmica

12/07/2025

Inflação de diplomas e a erosão da sinalização acadêmica

Nota da edição:

No Brasil, tornou-se uma opinião de senso comum que o sucesso pessoal e profissional só pode ser alcançado por meio da formação no ensino superior. Para além da qualificação, chegar a uma universidade é uma conquista, algo pelo qual se orgulhar. E ostentar um diploma eleva o status, embora observemos uma dificuldade cada vez maior no mercado de trabalho, em função da baixa qualidade do ensino, do despreparo e da improdutividade dos estudantes e da alienação imposta aos alunos nas universidades.

Essa crença tomou conta das políticas públicas voltadas à educação. São vários os incentivos para o governo nesse sentido, que tendem a se concentrar justamente no ensino superior, onde os resultados políticos são coletados muito mais rapidamente. Por um lado, o político da vez sinaliza virtude ao fomentar a educação e promover políticas de ações afirmativas. Por outro lado, o nada oculto fato de que a ideologia de esquerda domina as universidades brasileiras, em especial as públicas, faz com que essas políticas públicas fortaleçam a base intelectual e ideológica que apoia governos de esquerda.

Com isso, programas governamentais, como FIES e PROUNI, injetaram quantidades significativas de dinheiro público em faculdades e universidades nas últimas décadas, promovendo uma inflação de diplomas no país com resultados pouco significativos para a população como um todo. Nesse contexto, o artigo a seguir mostra as causas e consequências dessa inflação, os problemas acadêmicos decorrentes e possíveis soluções.

_____________________________________________

Para muitos estudantes, obter um diploma não é apenas uma medida de sucesso acadêmico, mas também um passo importante rumo ao emprego e à estabilidade econômica. No entanto, à medida que o ensino superior se expande rapidamente, a expectativa de que conquistar um diploma levará automaticamente a um emprego se mostra cada vez mais desconectada da realidade. Com o acesso às universidades se tornando mais fácil, os diplomas passaram a representar apenas o mínimo necessário, enquanto o mercado de trabalho se torna cada vez mais seletivo.

Portanto, a suposição de que o diploma funciona como um passaporte para o trabalho é irreal. Ao se formarem, os estudantes se deparam com um mercado que enxerga o diploma apenas como um ponto de partida ou um filtro inicial — não como uma prova concreta de que certos padrões foram alcançados. Esse descompasso entre a qualificação acadêmica e a disponibilidade real de empregos gera uma desilusão generalizada entre os graduados, levantando questões fundamentais sobre os propósitos e as promessas do ensino superior.

 

Quando todo mundo tem um diploma: utilidade marginal decrescente

A rápida expansão do ensino superior em escala global redefiniu, de forma incontestável, o valor percebido de um diploma. Antes restrito a um grupo seleto dentro da sociedade, o diploma tornou-se cada vez mais acessível, graças ao financiamento público, ao surgimento de novas instituições privadas, às redes de ensino online e aos programas educacionais estrangeiros. Embora a disseminação da educação seja positiva em muitos aspectos, ela também significa que o diploma deixou de ser um sinal de status de elite, passando a posicionar o candidato apenas como parte do grupo comum de concorrentes.

Dados da UNESCO indicam que o número de pessoas que concluem o ensino superior no mundo todo dobrou nas últimas duas décadas. Em muitas áreas, um diploma de graduação já não é mais visto como uma conquista excepcional, mas sim como uma expectativa padrão. Quanto maior o número de estudantes que obtêm qualificações equivalentes, menor é o valor do diploma como critério de diferenciação.

Essa mudança criou um contraste profundo entre as aspirações dos estudantes e a realidade econômica atual. Muitos ingressam no ensino superior com a suposição — muitas vezes alimentada pela família, pela escola ou por narrativas populares — de que obter um diploma garante a entrada em uma carreira estável. No cenário atual, no entanto, o diploma é frequentemente uma condição necessária, mas não suficiente, para conseguir trabalho. A desilusão tende a ser ainda mais intensa entre aqueles que tiveram bom desempenho acadêmico, mas se veem subempregados ou excluídos de suas áreas de formação. Somada ao peso das dívidas estudantis e a um mercado de trabalho saturado, essa crise emocional aprofunda a controvérsia política e alimenta a insatisfação com o governo e com a economia. A antiga promessa de ascensão social por meio da educação agora parece frágil.

 

Estruturas identitárias e distorção de sinais

A percepção crescente de que nem todos os diplomas refletem esforço qualitativo ou mérito real adiciona ainda mais complexidade à questão. À medida que iniciativas de DEI (Diversidade, Equidade e Inclusão), políticas de ampliação de acesso e medidas de representação transformam o ingresso no ensino superior, alguns estudantes e empregadores passam a se preocupar com a possibilidade de que os diplomas estejam se tornando mais difíceis de interpretar. Essa preocupação não se deve à presença de grupos historicamente sub-representados, mas sim ao receio de que os critérios de admissão e de graduação estejam sendo cada vez mais guiados por cotas, em vez de avaliações acadêmicas consistentes. Quando o valor de um diploma se entrelaça com estruturas baseadas em identidade, seu papel como sinal claro no mercado de trabalho se torna nebuloso. Nessas circunstâncias, até mesmo estudantes altamente competitivos e com bom desempenho podem sentir a necessidade de “provar” que suas qualificações refletem competência, e não apenas vínculo ou pertencimento a determinados grupos.

O desequilíbrio é alimentado pela superprodução de formandos em determinadas áreas, algo que os economistas poderiam chamar de malinvestment, à medida que o ensino superior continua a diplomar estudantes sem que haja um aumento proporcional nas oportunidades de emprego. Diplomas em ciência política, sociologia ou programas especializados de negócios frequentemente levam os graduados a mercados de trabalho com escassez de vagas de nível inicial. Muitos estudantes sentem que foram enganados — dedicaram anos de suas vidas à obtenção de um diploma de ensino superior sob a suposição de que isso os levaria a empregos, apenas para se depararem, após a formatura, com estágios não remunerados, trabalhos como freelancers ou ocupações completamente desvinculadas de sua área de estudo. Nesse cenário, a ideia de mobilidade social por meio da educação pode se revelar uma ilusão, gerando não apenas insatisfação profissional, mas também um sentimento de traição que vai além do mercado de trabalho e alcança a esfera política.

 

De credenciais a habilidades: resgatando o valor individual

O cenário global em transformação leva os estudantes a buscar estágios, projetos pessoais e portfólios online, enxergando essas atividades não como benefícios complementares, mas como diferenciais essenciais. Em áreas como mídia, tecnologia e políticas públicas, uma marca pessoal forte, reforçada por publicações e redes de contato, tornou-se um indicador de valor mais eficaz do que um histórico acadêmico tradicional. Estudantes que não se adaptam a esse novo panorama correm o risco de serem marginalizados, independentemente de suas credenciais formais. Isso revela uma mudança no papel da educação: de ser uma medida de habilidade, passou a representar apenas um requisito mínimo, já que a credibilidade real é, em grande parte, construída fora dos muros institucionais.

A lacuna entre a formação acadêmica e as duras realidades do mercado de trabalho frequentemente se transforma em debate político mais amplo. Graduados decepcionados, sobrecarregados com dívidas significativas por diplomas que têm pouca valorização no mercado, podem se sentir traídos por formuladores de políticas e educadores que exageraram o valor da educação formal. Com isso, surgem narrativas de fracasso sistêmico, que impulsionam demandas por ações políticas como perdão de dívidas estudantis, melhorias na segurança no emprego ou até mesmo um ceticismo mais amplo em relação ao ensino superior como instituição consolidada. Se uma geração inteira se enxerga como qualificada demais e, ao mesmo tempo, subempregada, a legitimidade tanto do sistema educacional quanto do mercado de trabalho passa a ser colocada em xeque.

O que os estudantes precisam fazer é adotar uma mentalidade de diferenciação proativa. Isso significa aproveitar oportunidades que vão além das disciplinas acadêmicas tradicionais, como networking, estágios, projetos de pesquisa independentes ou assumir funções de liderança dentro de seus cursos. Essas iniciativas não apenas comprovam a posse de competências práticas, mas também enviam sinais mais fortes aos futuros empregadores sobre a iniciativa do candidato. Em vez de depender do prestígio das instituições ou dos títulos dos diplomas, os estudantes devem encarar o período no ensino superior como um espaço para experimentação, networking estratégico e contribuição à esfera pública. O verdadeiro ganho para o estudante está no que ele produz e em como demonstra seu valor para além do diploma propriamente dito.

Para o sistema, o desafio é recalibrar as expectativas do público e os incentivos institucionais. Formuladores de políticas e líderes acadêmicos precisam enfrentar o crescente descompasso entre a expansão educacional e as demandas do mercado de trabalho. Sem reformas estruturais, a superprodução de diplomas corre o risco de desvalorizar as credenciais acadêmicas, gerando ceticismo por parte dos empregadores e desilusão entre os graduados. Mecanismos alternativos de sinalização, certificações de habilidades, avaliação de portfólios e programas educacionais em parceria com empregadores podem ajudar a restaurar a confiança e a relevância da formação. Se não houver ação, a inflação de diplomas pode agravar o excesso de credenciais, restringir o acesso a trajetórias competitivas e corroer a legitimidade do ensino superior.

Uma das questões mais urgentes enfrentadas pelo ensino superior atualmente vai além dos aspectos econômicos ou estruturais: trata-se de um conflito fundamental entre seus papéis como bem público e como investimento pessoal. Aos estudantes é dito que sua passagem pela universidade é um momento de crescimento intelectual; ao mesmo tempo, essa experiência é apresentada como uma transação que garante mobilidade nas carreiras profissionais. Quando o sucesso esperado não se concretiza, essa contradição interna torna-se cada vez mais insustentável. As instituições de ensino superior não podem mais se apresentar como repositórios de conhecimento ou motores de ascensão social sem enfrentar a crescente lacuna entre o prestígio prometido e os resultados reais. Em vez de oficinas de currículo e estratégias de autopromoção, esse dilema existencial de significado precisa ser enfrentado por meio de uma análise cultural e institucional dos compromissos assumidos pelas universidades, e das recompensas que elas são realmente capazes de oferecer em um contexto onde a escassez já não define mais o valor.

Junto aos custos institucionais e econômicos, a distância entre o investimento educacional e os benefícios obtidos impõe um fardo psicológico cada vez mais pesado sobre os estudantes. Pessoas que dedicam tanto tempo e dinheiro à busca por uma formação superior frequentemente sofrem com desilusão e um profundo esgotamento emocional. A suposição de que a meritocracia, baseada no esforço e na credibilidade educacional, permite ascensão socioeconômica gera um sentimento de fracasso entre aqueles que não obtêm os benefícios esperados. Esse custo psicológico, moldado pela crença social na meritocracia, pode se manifestar como desconfiança política, angústia emocional ou afastamento da participação cívica e econômica. Mais do que números sobre disponibilidade de empregos, a crise envolve a degradação da motivação e do senso de propósito em uma população que seguiu as expectativas sociais, apenas para acabar sendo excluída no final.

 

Repensando o propósito do ensino superior

Em uma era de acesso sem precedentes à informação, o valor do diploma está passando por uma reavaliação fundamental. Antes considerado um símbolo raro de prestígio que abria portas, ele está se tornando cada vez mais um degrau incerto em direção a um mercado de trabalho altamente competitivo. Mas o desafio não é apenas econômico; ele também é cultural. Espera-se que os estudantes saiam da universidade não apenas como profissionais competentes, mas também como marcas pessoais, representantes ideológicos e contadores de histórias. Essa elevação nas expectativas, somada à queda na confiança na integridade do ensino superior, leva muitos a se questionarem se as instituições educacionais realmente estão atendendo aos seus interesses, ou apenas exigindo mais esforço em troca de menos benefícios.

Para que o setor do ensino superior preserve sua reputação, será necessário redefinir seus propósitos. Isso envolve estabelecer expectativas reais, enfatizar a competência efetiva em vez de apenas sinais simbólicos e distinguir claramente o que é acesso e o que é conquista concreta. Os estudantes precisam encarar o desafio de avaliar o valor além das credenciais convencionais, enquanto as instituições de ensino superior devem garantir que um diploma represente, de fato, uma realização tangível. A renovação do ensino superior não depende do aumento no número de diplomas concedidos, mas sim de mais realismo e transparência.

 

Este artigo foi originalmente publicado no Mises Institute.

 

Recomendações de leitura:

Educação e liberdade: apontamentos para uma prática pedagógica não coercitiva

A educação estatal - e como ela seria em um livre mercado

_____________________________________________

Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil.

Sobre o autor

Nehir Turgut

É aluna do programa de Bacharelado em Governança Global da Universidade de Roma Tor Vergata. Com forte interesse em economia política, teoria jurídica e institucionalismo liberal, seu trabalho se concentra em como os modelos de governança se interconectam com a dinâmica do mercado e a liberdade individual.

Comentários (3)

Deixe seu comentário

Há campos obrigatórios a serem preenchidos!