Como os marxistas apagam a vontade e a agência humana
À medida que a linguagem do marxismo se disfarça cada vez mais em slogans moralistas como “justiça social” e “inclusão”, muitas pessoas deixam de reconhecer as teorias marxistas quando se deparam com elas. Elas esperam que teorias derivadas do marxismo estejam repletas de expressões que sirvam de alerta, como “materialismo dialético” ou “luta de classes”, o que denunciaria de imediato que se trata de interpretações marxistas. Na ausência desses termos, acabam negando que as teorias da justiça social sejam marxistas de qualquer forma.
Por exemplo, embora o historiador Eric Foner seja conhecido como um “notório historiador marxista”, ele se descreve não como marxista, mas apenas como “alguém que cresceu em uma família da Velha Esquerda”. Assim, sua história sobre a Era da Reconstrução é ensinada como uma pesquisa “objetiva”; afinal, sua obra não seria marxista, mas apenas próxima ao marxismo. Enquanto W.E.B. Du Bois escreveu uma história explicitamente marxista da Reconstrução, descrevendo-a como a “ditadura do proletariado”, Foner acredita que ninguém deveria ser chamado de marxista, como mostra a entrevista concedida pelo autor para o jornalista John Green para o site History News Network:
JG: Você ficaria satisfeito se fosse descrito como um “historiador marxista” ou existe um termo mais preciso para historiadores como você, Howard Zinn e outros?
EF: Eu tendo a evitar rótulos. Acredita-se que Marx tenha dito: “Eu não sou marxista.” Em outras palavras: “Não quero ser associado a uma única escola de interpretação.” Mas ninguém pode compreender a história sem ter ao menos alguma familiaridade com os escritos de Marx.
Fui profundamente influenciado por percepções marxistas, especialmente as da última geração de estudiosos marxistas britânicos, como Eric Hobsbawm, E.P. Thompson e outros. Mas também fui influenciado por estudiosos negros radicais como W.E.B. Du Bois, que, por sua vez, foi influenciado pelo marxismo e também por outras tradições radicais e por estudiosas feministas.
Compreender a história por meio de “percepções marxistas” não se resume a estar familiarizado com as teorias marxistas do materialismo histórico e da dialética hegeliana. A maior infiltração da doutrina marxista no discurso da justiça social não decorre diretamente das noções de luta de classes ou materialismo histórico, mas da influência muito mais perniciosa da doutrina marxista em apagar a vontade e a agência humanas. Os marxistas insistem que a ação humana é inevitavelmente determinada, não pela vontade ou escolha individual, mas pelas circunstâncias econômicas e sociais de cada um. Como David Gordon explica em Mises contra Marx, a premissa marxista é que a vontade humana é governada pelas “forças produtivas” vigentes. Os marxistas argumentam que as escolhas de cada pessoa são determinadas por sua época histórica, sua consciência de classe, sua raça ou outras estruturas socioeconômicas de sua sociedade. Em contraste, Ludwig von Mises atribui aos seres humanos a vontade e o poder de fazer escolhas e agir com propósito. Em Ação Humana, ele declara que “[o] homem que age escolhe, determina e tenta alcançar um fim. Entre duas coisas que não pode ter ao mesmo tempo, ele seleciona uma e abre mão da outra”. Mises explica ainda:
“A ação humana é comportamento intencional. Ou podemos dizer: ação é a vontade humana colocada em operação e transformada em agência; é voltada a fins e objetivos; é a resposta significativa do ego aos estímulos e às condições do ambiente; é o ajuste consciente de uma pessoa ao estado do universo que determina sua vida”.
Mises destaca a importância da vontade e da agência humanas na tomada de decisões:
“Pois o termo vontade nada mais significa do que a faculdade humana de escolher entre diferentes estados de coisas, preferir um, rejeitar o outro e comportar-se de acordo com a decisão tomada, visando o estado escolhido e abrindo mão do outro”.
O ajuste constante em busca de objetivos e fins individuais é fundamental para compreender a ação humana. Segundo Mises, “no curso dos eventos sociais, prevalece uma regularidade de fenômenos à qual o homem deve ajustar sua ação se deseja ter sucesso”.
Mas como o homem poderia “desejar ter sucesso” em primeiro lugar, muito menos “ajustar sua ação” de acordo, se ele fosse apenas algum tipo de autômato que responde ao estímulo de suas circunstâncias materiais? De acordo com os marxistas, existem certas ações predeterminadas que inevitavelmente serão adotadas pelas pessoas classificadas como “exploradas” e outras ações que sempre serão tomadas pelos seus “exploradores”. Para os marxistas, o homem não ajusta suas ações com base em preferências pessoais ou em sua própria agência, mas apenas segue os ditames coletivos de seu grupo. Ao enxergar as ações de todos como determinadas por seu grupo, torna-se imediatamente “evidente” quais escolhas cada pessoa fará em qualquer situação, você saberia o que uma pessoa branca escolheria, o que um escravo faria em qualquer circunstância, e assim por diante.
No mínimo, essa é considerada pelos marxistas como a posição padrão, e qualquer um que afirme o contrário é encarado com profundo ceticismo e submetido ao mais alto grau de exigência de provas. Essas pessoas certamente não passariam pelos guardiões acadêmicos. Por exemplo, há uma crença amplamente difundida de que não existem negros felizes na América e, se algum negro afirmar que é feliz, ele deve estar sofrendo de falsa consciência ou, talvez, tenha sido pago por brancos para dizer que é feliz. Em “Why America Has Never Been Great for Black People”, Ariana Doss escreve:
“O slogan do nosso presidente, “Make America Great Again” [Tornar a América Grande de Novo], sempre me confundiu. Como uma pessoa progressista, que só olha para o passado em busca de maneiras de melhorar o futuro, não consigo compreender por que o presidente Trump quer retroceder. Quando examino a história deste país, não encontro um período em que eu, ou qualquer outro negro, gostaria de ter vivido”.
H.K. Edgerton, um homem negro da Carolina do Norte que defende a herança confederada do Sul, é retratado pela ONG “anti discursos extremistas” Southern Poverty Law Center (SPLC) como alguém simplesmente incompreensível: “Eu sempre me perguntei o que poderia levá-lo a fazer tais coisas”, dizem eles. A ideia de que um homem negro possa não compartilhar a visão de mundo do SPLC é um profundo mistério para eles. Essa expectativa de que as opiniões das pessoas sejam determinadas por sua consciência de classe ou consciência racial é sustentada até por progressistas que afirmam rejeitar a ideologia marxista. Eles consideram sua visão de mundo apenas uma constatação do “óbvio”, sem qualquer relação com teorias marxistas. Não seria “óbvio” que pessoas exploradas estariam em luta constante contra seus exploradores e jamais cooperariam voluntariamente com eles?
Existem muitos problemas nesse raciocínio, mas o ponto essencial que está sendo destacado aqui é que ele nega a própria noção de livre-arbítrio e de escolha individual. Como Mises explica:
“O marxismo afirma que o pensamento de um homem é determinado por sua filiação de classe. Cada classe social tem uma lógica própria. O produto do pensamento não pode ser nada além de um ‘disfarce ideológico’ dos interesses egoístas de classe do pensador”.
As teorias marxistas, posteriormente desenvolvidas pela Escola de Frankfurt e pelas modernas teorias críticas raciais, estendem essa noção de filiação de classe para a filiação racial. Assim como o pensamento de uma pessoa não poderia ser nada além de um reflexo de seus interesses de classe, seu pensamento inevitavelmente refletiria sua raça. Assim, por exemplo, Ariana Doss fala não apenas de sua opinião pessoal, mas da de “qualquer outro negro”. Mises rejeita essa visão de mundo. Ele distingue ainda a ação intencional do homem de uma mera “reação animal”, isto é, da natureza biológica inata dos animais, como os “instintos de nutrição, de reprodução e de agressão”, e rejeita “o método da psicologia dos instintos”, que afirma que o objetivo da ação humana é “a satisfação de um impulso instintivo”.
“Muitos defensores da escola do instinto estão convencidos de que provaram que a ação não é determinada pela razão, mas origina-se das profundezas de forças inatas, impulsos, instintos e disposições que não se prestam a qualquer esclarecimento racional”.
Rejeitando essas teorias irracionais, Mises argumenta que “o que distingue o homem dos animais é precisamente o fato de ele ajustar seu comportamento de maneira deliberada. O homem é o ser que tem inibições, que pode dominar seus impulsos e desejos”. A ação humana é deliberada e consciente, não simplesmente determinada pela história, pela raça ou pela classe. As ações e escolhas humanas não são prescritas pela ideologia dominante nem pelas estruturas de poder vigentes, mas pela vontade e pela agência individual.
Este artigo foi originalmente publicado no Mises Institute.
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Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil.
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