Teorias marxistas de opressão
Para os marxistas, tudo é inerente e inevitável. Os seres humanos estão, por natureza, condicionados a agir de acordo com suas condições materiais predominantes, o que leva inevitavelmente a conflitos de classe. Eles veem os indivíduos como prisioneiros da ideologia de sua classe. Karl Marx argumentava que, devido ao conflito de classes intrínseco, as pessoas não conseguem analisar os problemas de forma objetiva, ou mesmo de maneira individual ou singular, porque cada uma é, necessariamente, compelida a enxergar o mundo pelas lentes de sua própria classe. Sendo assim, por se tratarem de aspectos considerados inerentes e inevitáveis, os decretos e afirmações do marxismo são vistos como inescapáveis e incontestáveis.
Hoje em dia, teóricos do establishment e “intelectuais da corte” estendem essa abordagem para explicar os conflitos raciais. Embora não se identifiquem como “marxistas”, e, na verdade, neguem com veemência qualquer acusação nesse sentido, eles recorrem ao arcabouço teórico de Marx para argumentar que raças oprimidas estão condicionadas pela injustiça racial e não possuem livre-arbítrio nem autonomia, pois sua humanidade teria sido inevitavelmente esmagada pela opressão e exploração racial. Segundo essa perspectiva, dadas as condições materiais vividas pelos oprimidos, não se pode esperar deles a mesma capacidade de tomar decisões individuais que se esperaria de outros seres humanos — o comportamento e as ações dos oprimidos não seriam fruto de escolhas pessoais, mas apenas reações coletivas frente aos seus opressores. Por exemplo, Eric Foner escreve que, após a emancipação nos Estados Unidos, “a experiência da escravidão permaneceu profundamente gravada na memória coletiva dos negros”. Em sua visão, é essa “memória coletiva”, e não a experiência individual, que determina como devemos compreender essa história.
Essa abordagem moldou o discurso da chamada “justiça social”, no qual as relações raciais, assim como todos os aspectos da evolução social, são concebidas dentro de condições de conflito violento. Isso ajuda a explicar por que, independentemente das estatísticas criminais, esquerdistas modernos, sob forte influência da doutrinação universitária majoritariamente marxista que receberam, tendem a ver o crime como algo que não é realmente culpa dos criminosos oprimidos. Para eles, os oprimidos não são capazes de determinar suas próprias ações, em vez disso, seriam levados pela “opressão sistêmica” a cometer crimes.
Em seu livro Uma Perspectiva Austríaca sobre a História do Pensamento Econômico, Murray Rothbard observa: “É difícil expor a posição [de Marx] sem rejeitá-la imediatamente como absurda”. Ele critica o argumento de Marx de que as relações sociais são determinadas e moldadas pelo conflito de classes: “Para Marx, o pensamento de cada indivíduo, seus valores e teorias, é determinado não por seu interesse pessoal, mas pelo interesse da classe à qual ele supostamente pertence”. Rothbard, portanto, rejeita a ideia marxista de que as escolhas humanas são moldadas por um “conflito de classes embutido no materialismo histórico”. Além disso, ele observa que a natureza “vaga e nebulosa” da ideologia marxista dificulta a identificação precisa das implicações das interpretações marxistas, o que permite aos seus defensores escapar facilmente quando suas previsões se mostram falsas: afinal, aquilo não seria o “verdadeiro” marxismo. Como Rothbard explica:
“A terminologia de Marx é invariavelmente vaga e nebulosa, e seus vínculos supostamente científicos com a dialética são praticamente inexistentes. Frequentemente, são apenas afirmações sem qualquer fundamentação. Como resultado, o sistema marxista não é apenas um emaranhado de falácias, mas também de falácias frágeis e conexões inconsistentes”.
Um exemplo disso é o uso do “materialismo dialético”, que convenientemente permite aos marxistas defender afirmações contraditórias ao mesmo tempo. Rothbard explica:
“Uma arma crucial frequentemente utilizada pelos marxistas, inclusive pelo próprio Marx, era a ‘dialética’. Como a dialética supostamente significa que o mundo e a sociedade humana são compostos por tendências conflitantes ou ‘contraditórias’ que coexistem, ou até mesmo se manifestam dentro de um mesmo conjunto de circunstâncias, qualquer previsão pode ser justificada como fruto de um profundo insight sobre qual parte da dialética contraditória estaria predominando em determinado momento. Em resumo, como tanto A quanto não-A podem ocorrer, os marxistas conseguem proteger suas apostas de modo que nenhuma de suas previsões possa jamais ser refutada”.
O que Rothbard identifica como as noções marxistas de “conflito de classes inerente” e “lutas inevitáveis entre classes econômicas” são os mesmos conceitos essenciais que agora são complementados pela ideia de um conflito racial também inerente. Por exemplo, interpretações marxistas sobre o Velho Sul dos Estados Unidos afirmam que as relações entre senhores e escravos eram baseadas na violência e, portanto, inevitável e irremediavelmente se expressavam por meio da violência, conforme determinavam as condições materiais predominantes. Mas, devido à dialética, no meio dessa violência não devemos nos surpreender ao encontrar “casos excepcionais” de lealdade, devoção e até mesmo laços de afeto. Teorias marxistas que explicam as relações sociais com base na violência não podem ser refutadas ao se apontar exemplos de amor ou afeto, pois, para os marxistas, esses são apenas casos raros que fazem parte da própria dialética.
Eric Foner, nesse sentido, retrata a violência como um aspecto intrínseco da relação entre senhores e escravizados, e descreve essa relação violenta como a “memória coletiva” do povo negro. É essa “memória coletiva” que, segundo ele, “se ofendeu particularmente com alegações de que a escravidão americana teria sido excepcionalmente benevolente e que existiram ‘relações harmoniosas’ entre senhores e escravos.” Narrativas de pessoas escravizadas que relatam momentos felizes são vistas como uma afronta à “memória coletiva”. Foner cita “açoitamentos, separação de famílias e incontáveis rituais de subordinação” como a única memória coletiva autêntica, moldada pela violência, e insiste que essa memória rejeita qualquer sugestão de felicidade. A história, portanto, seria determinada intrinsecamente por essa “memória coletiva”, construída com base nas teorias marxistas do conflito racial.
Além dessa tentativa de coletivizar a ação humana, as interpretações marxistas sobre o Velho Sul também falham em explicar por que a opressão privaria uma pessoa escravizada de seu livre-arbítrio, de sua consciência individual e de sua capacidade de escolha, enquanto formas ainda mais severas de opressão e coerção não privariam um servo ou um operário fabril de sua humanidade da mesma maneira. No entanto, muitas vezes as condições às quais os servos estavam submetidos eram piores do que aquelas vividas sob a escravidão por propriedade (conhecida como chattel slavery). Se a perda do livre-arbítrio fosse de fato uma consequência da opressão, seria de se esperar que todas as pessoas oprimidas sofressem tal privação, e não apenas aquelas rotuladas como “escravas”. Ainda assim, até mesmo o marxista W.E.B. Du Bois reconheceu, em seu livro Black Reconstruction in America [A Reconstrução Negra na América, em tradução livre], que embora a escravidão estivesse longe de ser “idílica”, as condições materiais muitas vezes eram melhores do que as de outros trabalhadores submetidos à coerção:
“A escravidão dos negros no Sul não era, na maioria das vezes, um sistema deliberadamente cruel e opressor. Ela não implicava em fome sistemática nem em assassinato (...). As vítimas da escravidão sulista frequentemente eram felizes; geralmente tinham alimentação adequada para manter a saúde e abrigo suficiente para um clima ameno. Os sulistas podiam dizer, com certa justificativa, que, ao se comparar a massa de trabalhadores dos campos com a pior classe de operários nos cortiços de Nova York e Filadélfia, e nas cidades industriais da Nova Inglaterra, os escravizados negros estavam em condição tão boa quanto, e, em alguns aspectos, até melhor. Os escravizados viviam, em grande parte, no campo, onde as condições de saúde eram superiores; trabalhavam ao ar livre, e suas jornadas eram semelhantes às dos camponeses da Europa naquela época”.
Em vez de tentar compreender a experiência humana como parte de uma “consciência coletiva” determinada pelas condições materiais, deveríamos reconhecer que cada ser humano possui a mesma capacidade de agir e tomar decisões que qualquer outro. A experiência humana não é, por natureza, determinada por raça, classe ou qualquer outra identidade coletiva. Por isso, Rothbard observa que, com certeza, “até mesmo Marx deve ter reconhecido, ainda que vagamente, que não são as ‘forças produtivas materiais’, nem mesmo as ‘classes’, que agem no mundo real, mas sim a consciência individual e a escolha individual”.
Este artigo foi originalmente publicado no Mises Institute.
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Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil.
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