Esse site usa cookies e dados pessoais de acordo com os nossos Termos de Uso e Política de Privacidade e, ao continuar navegando neste site, você concorda com suas condições.

< Artigos

Filosofia

Hayek sobre a diferença entre ciência e cientificismo

05/07/2025

Hayek sobre a diferença entre ciência e cientificismo

“[A] confiança no poder ilimitado da ciência baseia-se, com frequência excessiva, em uma crença equivocada de que o método científico consiste em uma técnica já pronta, ou em imitar a forma em vez da essência do procedimento científico, como se bastasse seguir algumas receitas culinárias para resolver todos os problemas sociais”.

— Hayek, F. A., A Pretensão do Conhecimento, palestra em memória de Alfred Nobel, 11 de dezembro de 1974.

É uma prática comum entre cientistas que recebem o Prêmio Nobel por alguma realização intelectual proferirem suas palestras do Nobel sobre outro tema intelectual que consideram mais carente de atenção. Foi o caso de Albert Einstein, que ganhou o Nobel de Física em 1921 “por seus serviços à Física Teórica e especialmente pela descoberta da lei do efeito fotoelétrico”, reconhecimento que celebrava seus feitos na mecânica estatística e quântica, mas que apresentou uma conferência sobre a teoria especial da relatividade, uma ideia então controversa para muitos cientistas. De modo semelhante, Friedrich August von Hayek recebeu o prêmio “por [sua] obra pioneira na teoria do dinheiro e das flutuações econômicas e por [sua] análise penetrante da interdependência dos fenômenos econômicos, sociais e institucionais”, e dedicou sua palestra Nobel ao abuso da razão nas ciências sociais.

Hayek foi um dos grandes polímatas do último século, com contribuições relevantes para a economia, filosofia política, ética, estudos jurídicos e epistemologia. Seu legado intelectual permanece vivo na Escola Austríaca de Economia e segue vigoroso atualmente, com periódicos e centros de pesquisa produzindo estudos e formando novas gerações de pesquisadores em economia e ciências sociais. Seus trabalhos sobre macroeconomia e teoria monetária, em colaboração com Ludwig von Mises no seu recém-fundado (1927) Austrian Institute of Economic Research, resultaram nos livros Monetary Theory and the Trade Cycle (1929) e Prices and Production (1931).

Esses dois volumes, juntamente com Theory of Money and Credit (1912), de Mises, compõem a base da Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos moderna. Essa teoria consolidou Hayek como um dos principais economistas do século XX. Entretanto, foi sua obra inquietante O Caminho da Servidão (1944) que lhe trouxe fama internacional, ao alertar para os regimes totalitários que surgiriam após a Segunda Guerra Mundial. Sua análise sobre a natureza do conhecimento social e seus limites talvez seja aquilo pelo que mais o recordamos.

 

O que é o conhecimento?

Em 1945, Hayek publicou um dos artigos mais citados no campo da economia, sobre a natureza do conhecimento que pode ser utilizado pelos indivíduos ao tomarem decisões. Seu texto, O Uso do Conhecimento na Sociedade, enfatizou que nossas ações, enquanto agentes que escolhem entre alternativas, não se baseiam em fatos e crenças que possam ser produzidos mediante solicitação, mas sim na imitação de comportamentos que conseguiram gerar os resultados desejados e na interação com um mundo que está em constante transformação.

Uma máquina dificilmente consegue lidar com um mundo em fluxo, mas isso ocorre de forma absolutamente natural para nós, seres humanos. Como Descartes nos recorda,

“Podemos certamente conceber uma máquina construída de tal maneira que ela emita palavras correspondentes a alterações em seus órgãos. Mas não é concebível que tal máquina produza arranjos de palavras capazes de dar respostas adequadas e cheias de sentido a tudo o que se diga em sua presença, como até o mais obtuso dos homens é capaz de fazer” (Cottingham, John, In Search of a Soul, Princeton University Press, 2020, p. 55).

E mesmo com o surgimento do aprendizado de máquina, da inteligência artificial e dos computadores modernos, a supervisão humana permanece indispensável, pois, em última instância, nós geralmente não aceitamos que ninguém (ou nenhuma coisa) seja considerado responsável pelos riscos e escolhas que delegamos a outros.

Hayek observa que os seres humanos não se tornam cidadãos plenos ao serem ensinados sobre como agir, mas sim ao seguirem cuidadosamente tradições consolidadas e responderem aos estímulos externos (Hayek, F.A, The Fatal Conceit, University of Chicago Press, 1988, pp. 19–28). O livro Knowledge and Decisions (1980), de Thomas Sowell, fortemente inspirado pelo artigo de Hayek, incorporou essa ideia nos campos da sociologia, psicologia e políticas públicas, demonstrando a amplitude de seu alcance, bem como a extensão de sua função e utilidade.

Podemos discutir de maneira abstrata a natureza do conhecimento, mas nossas práticas refletem outro tipo de saber que dificilmente pode ser plenamente articulado. Os preços funcionam como facilitadores de nosso conhecimento limitado sobre as habilidades e recursos necessários a qualquer objetivo que busquemos. Assim, ao respondermos aos sinais de preço, que atuam como mediadores de nosso saber disperso, conseguimos percorrer as opções que temos e distinguir entre elas.

 

As limitações da ciência

Em seu artigo A Pretensão do Conhecimento (1974), Hayek enfatiza cuidadosamente quão equivocado foi, por parte dos economistas, imitar de maneira irrefletida os métodos das ciências físicas. Essa abordagem, na qual pesquisadores das ciências sociais recorrem a previsões e tentam explicar preços, passou a ser chamada de cientificista (um termo pejorativo), em razão do uso de esquemas sofisticados que acabam produzindo erros, causados pelo uso indevido de dados e pela aceitação dos resultados de análises matemáticas sem questionar suas premissas. A explicação que Hayek oferece para esse erro, que lembra o Efeito do Poste de Luz (frequentemente denominado Efeito McNamara), lançou dúvidas sobre o rumo cada vez mais teórico que a economia moderna tomou, em detrimento de sua utilidade. Essa advertência sobre o abuso de estatísticas e matemática alertou muitos pesquisadores sociais sobre as limitações e os fracassos das práticas pseudocientíficas, quando métodos tomados das ciências físicas são distorcidos e estendidos para além de seu campo de aplicabilidade.

Mas Hayek tinha ainda outro motivo importante para investigar essas questões. A ciência foi muitas vezes utilizada para implementar intervenções governamentais que restringem as liberdades das pessoas e impõem um controle arbitrário sobre suas decisões. Ludwig von Mises, orientador de pós-doutorado de Hayek, já havia tratado, em artigos anteriores, dos mecanismos de funcionamento do mercado e da impossibilidade de se conduzir a sociedade rumo à prosperidade por meio de gestão centralizada. (Lucro e Perdas e O Cálculo Econômico em uma Comunidade Socialista.)

A tocha da liberdade foi carregada pelos alunos de Mises posteriormente; os três mais notáveis foram Israel Kirzner, Murray Rothbard e o objeto deste artigo, Friedrich von Hayek. Enquanto essa questão não for enfrentada, a ciência continuará a ser utilizada de maneira abusiva por aqueles em posições de autoridade. Hayek encerra A Pretensão do Conhecimento com um alerta:

“O reconhecimento dos limites intransponíveis de seu conhecimento deveria, de fato, ensinar ao estudioso da sociedade uma lição de humildade que o resguardasse de se tornar cúmplice na busca fatal do homem por controlar a sociedade, uma busca que não apenas o transforma em tirano sobre seus semelhantes, mas que pode também fazê-lo o destruidor de uma civilização que nenhum cérebro planejou, mas que se desenvolveu a partir dos esforços livres de milhões de indivíduos”.

A sabedoria e a prudência podem muito bem nos aconselhar a prestar atenção a essas palavras de advertência.

 

Este artigo foi originalmente publicado no Mises Institute.

 

Recomendações de leitura

A pretensão do conhecimento

Ciência é mais do que matemática

_____________________________________________

Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil.

Sobre o autor

Adnan Al-Abbar

Adnan Al-Abbar é assistente de pesquisa no Kuwait Institute for Scientific Research

Comentários (0)

Deixe seu comentário

Há campos obrigatórios a serem preenchidos!