Ciência é mais do que matemática
O próprio Wilson notou que só foi aprender cálculo depois de seus 30 anos -- ou seja, após ter obtido estabilidade em seu cargo de professor em Harvard --, e lamenta a perda de conhecimento científico resultante do fato de que seus potenciais colaboradores optam por outras carreiras devido a uma deficiência no conhecimento matemático.
Embora isso não seja um problema para os economistas austríacos -- que utilizam a lógica dedutiva apriorista no desenvolvimento da teoria econômica e dos conceitos econômicos --, a corrente econômica dominante (mainstream) permanece apegada a essa ideia de usar dados como um fim em si próprios, de tal forma que a disponibilidade de dados determina, por si só, a dimensão da pesquisa econômica. Como resultado, conceitos como o de capital, que não se prestam à análise matemática, são frequentemente ignorados pela corrente dominante ou apenas tidos como constantes (de modo a simplificar seu uso em técnicas de modelagem econômica).
Essa deficiência ajuda a explicar a total incapacidade do mainstream em sequer diagnosticar que havia uma bolha imobiliária em formação nos EUA e na Europa, e uma das principais razões da ignorância desta corrente econômica em relação ao fenômeno dos investimentos errados e insustentáveis resultantes da inflação da moeda feita pelo sistema bancário em conjunto com o Banco Central.
Esses comentários de Wilson são muito interessantes para aqueles que, como os austríacos, sabem que a ênfase da economia mainstream na modelagem estatística é baseada no desejo de alcançar o mesmo rigor científico das ciências exatas. Esse desejo é remanescente da Era Progressista, muito bem resumida pelo discurso de Irving Fisher à Associação Americana de Economia, em 1919. Fisher escreveu que:
Deveria ser criado um fundo para a pesquisa econômica, na administração do qual os economistas, o trabalho e o capital iriam, todos os três, participar e o qual seria um tipo de laboratório para o estudo dos grandes problemas econômicos que enfrentamos. Atualmente, as ciências físicas possuem seus grandes laboratórios. Contudo, espera-se que o economista obtenha seus próprios fatos e suas próprias estatísticas, e faça seus próprios cálculos à custa de seu próprio orçamento. Pesquisas caras, muito além do orçamento de um professor comum, são necessárias se um economista deseja ser de alguma importância para os serviços públicos em estudar a distribuição de riqueza, o sistema de lucros, os problemas laborais e outros problemas práticos relevantes.
Meio século depois, Milton Friedman analisou o argumento de Fisher e o aprofundou no ensaio A Metodologia da Economia Positiva, enfatizando o papel da matemática e da estatística na economia e glorificando a acurácia preditiva acima de tudo -- acima até mesmo da teoria correta. Os dados devem conduzir tudo que for testado empiricamente, e se os resultados explicarem corretamente o mundo real, então eles devem estar corretos do ponto de vista teórico. Para Friedman, as metodologias econômicas devem "ser julgadas pela precisão, pelo escopo e pela conformidade com a experiência das previsões que [elas] produzem. Em resumo, a economia positiva é, ou pode ser, uma ciência 'objetiva', exatamente no mesmo sentido que quaisquer outras das ciências físicas [exatas]".
Os economistas seguidores da Escola Austríaca já haviam enfrentado tudo isso anteriormente, começando por sua resposta ao historicismo alemão e a constatação de que esses historicistas não possuíam nenhuma base teórica para a economia como uma ciência. Na década de 1950, F.A Hayek notou em sua importante obra A Contra-Revolução da Ciência que, ao adotarem os modelos matemáticos das ciências naturais, os economistas podem facilmente tratar o objeto de seu estudo -- a pessoa humana -- da mesma maneira que os físicos examinam partículas de matéria. Em vez de seres vivos dotados de livre arbítrio, a pessoa humana é facilmente reduzida a elementos que podem ser investigados e manipulados de modo a alcançar um fim social preferido pelo estado. É perfeitamente possível entender por que um grande progressista como Fisher exaltaria tal abordagem; mas é extremamente irônico constatar que um libertário como Friedman iria expandi-la.
Embora a matemática seja uma ferramenta importante nas ciências sociais, a forma com que passou a ser usada pelos cientistas sociais restringiu o escopo das investigações e, até o momento, não contribuiu em nada para nosso conhecimento teórico. Por outro lado, como Rothbard observou, a ênfase na matemática é ótima para defender a expansão do estado, pois fornece uma "precisão científica" às políticas governamentais. O resultado hoje é uma espécie de "complexo intelecto-industrial": os governos extraem dinheiro da população por meio da força e da coerção e direcionam esse dinheiro para institutos de pesquisa cujos pesquisadores formulam modelos que fornecem justificativas científicas para políticas que requerem -- surpresa! -- que os governos extraiam ainda mais dinheiro da população por meio da força e de coerção. Infelizmente, trata-se de um complexo que alimenta grande parte das atividades de pesquisas, da qual uma boa fatia dos estudantes universitários anseia fazer parte.
Enquanto isso, economistas não-ligados ao governo e não-dependentes de bolsas estatais são mais modestos em sua abordagem e mais apreciativos com relação ao papel das leis naturais, cujo estudo e compreensão deve sempre fazer parte de sua vocação.
Tais indivíduos são mais propensos a entender que os riscos relacionados a direcionar a ciência para os interesses normativos de indivíduos poderosos são gigantes. À medida que as economias globais vão reverberando em reação às intervenções "científicas" nas forças do mercado, a economia mainstream terá inevitavelmente de adotar uma postura mais humilde e reconhecer as limitações das abordagens matemáticas. Seus praticantes deveriam começar aprendendo com aquelas escolas não-convencionais -- como a austríaca -- que evitaram estas abordagens.
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