Ciência e liberdade: a física social de Comte a Samuelson
Em sua palestra de 1933 na London School of Economics, com o título A Tendência do Pensamento Econômico, Friedrich Hayek identificou uma mudança no pensamento econômico em direção ao planejamento e ao intervencionismo. Ele argumentou que a Escola Histórica Alemã e os institucionalistas contribuíram grandemente para essa tendência. No entanto, o que realmente lançou as bases para o planejamento e o intervencionismo nos anos seguintes foi o formalismo da própria teoria neoclássica. Hayek e seu mentor, Ludwig von Mises, nas décadas de 1910 e 1920, faziam parte da tradição neoclássica, e a ideia de que o “formalismo” por si só iniciou essa mudança no pensamento econômico é o que o economista Peter Boettke chama de “onde Hayek errou”. Hayek estava sendo deixado para trás por sua própria profissão. Tendo sido um dos economistas mais referenciados na Inglaterra, na era do pós-guerra, alguns colegas chegaram a questionar se seu trabalho ainda poderia ser considerado ciência econômica. O melhor exemplo disso foi quando ele submeteu sua palestra do Prêmio Nobel à revista Economica e pediram que ele a revisasse. O que causou esse desvio do mercado rumo ao planejamento? As grandes forças intelectuais da época: o cientificismo e o estatismo, que sempre parecem andar de mãos dadas.
Os seguidores do cientificismo, aqueles que sustentam uma crença dogmática na validade e certeza de suas teorias, tendem a acreditar que o único obstáculo para resolver os males sociais é uma questão de execução. Como acreditam já possuir todas as respostas, a tentação de recorrer ao estatismo torna-se irresistível.
Os homens de boa vontade
Paul Samuelson, em seu famoso livro-texto de 1948, Economics, um dos livros mais vendidos da história da disciplina, criticou Hayek, escrevendo:
“Nenhuma ‘onda do futuro’ imutável nos arrasta pela ‘estrada da servidão’ ou para a utopia. Onde as complexas condições econômicas da vida exigem coordenação social e planejamento, pode-se esperar que homens sensatos e de boa vontade invoquem a autoridade e a atividade criativa do governo”.
Em sua visão, chegaria o dia em que homens bem-intencionados, atuando unicamente no interesse público, ingressariam na política, e os economistas deveriam orientá-los na resolução de problemas sociais como desemprego, inflação, recessão e pobreza.
Esse sonho é o que Robert Nelson chama de “religião secular da gestão científica” em seu livro Economics as Religion ["Economia como religião", em tradução livre], publicado em 2001. A religião secular da gestão científica é a ideia de que podemos resolver os problemas da sociedade da mesma forma que resolvemos os problemas da ciência. Essa mentalidade parte do pressuposto de que os meios e os fins de uma sociedade já estão dados e, nesse tipo de mundo, a única questão remanescente é um problema de “alocação”, não de “coordenação”. E que ferramenta melhor para resolver um problema de alocação do que a matemática aplicada, um campo em que os meios e os fins são considerados conhecidos? Por que tolerar o caos do capitalismo, com todos os seus ciclos econômicos e monopólios, quando poderíamos alcançar um mundo de “perfeição”? Ao mesmo tempo, as chamadas “notícias” vindas da União Soviética pareciam atraentes — a ponto de Samuelson escrever: “A Rússia, com seu governo comunista, parece estar em marcha”.
A gestão científica da sociedade
Nesse contexto histórico, parecia retrógrado que os Estados Unidos do pós-Segunda Guerra Mundial não abraçassem a ideia de gestão científica da sociedade. Se o mundo inteiro estava caminhando nessa direção, e os números vindos da União Soviética pareciam demonstrar sucesso na reconstrução do pós-guerra, então a única questão que restava era: quando os Estados Unidos deveriam iniciar o processo de dizer adeus à mão invisível do mercado e dar boas-vindas aos homens de boa vontade, aqueles que nos ajudariam a resolver nossos problemas sociais? O sonho era manipular o mecanismo de mercado para alcançar os resultados sociais desejados, conforme idealizado pelo “planejador”, que, presumidamente, agiria no melhor interesse da sociedade.
Ao ler os textos da Era Progressista, percebe-se uma verdadeira paixão pela descoberta nos escritos de seus pensadores. Uma crença de que estavam desvendando algo completamente novo. Uma confiança tamanha que leva alguém a exclamar: “Como ninguém pensou nisso antes?” Esses pensadores rejeitavam o passado e abraçavam a ciência como o caminho para o futuro. E, embora os reformadores do Novo Liberalismo no final do século XIX compartilhassem um entusiasmo semelhante, ainda que talvez em menor grau, a Era Progressista foi especialmente marcada por sua confiança no poder das soluções científicas.
Física social e seus efeitos colaterais inesperados
O que é interessante sobre Comte é que seu ponto de partida era semelhante ao de Hayek: a ideia de que a sociedade possui uma ordem espontânea, não dirigida por um plano racional, mas surgida a partir de inúmeros planos individuais. Isso é evidente em obras como Social Statics, or Theory of Spontaneous Order of Human Society ("Estática Social, ou Teoria da Ordem Espontânea da Sociedade Humana", em tradução livre). Mas onde Comte se distancia dessa visão é em sua teoria da filosofia positiva. Para Comte, a ordem espontânea não era a raiz do progresso, nem deveria servir de base para uma sociedade racional. Em vez disso, a sociedade deveria ser guiada pela ciência e pelos cientistas. A relação entre o homem e a natureza, e entre os próprios homens, deveria ser orientada pela ciência.
Como descreve a Enciclopédia de Filosofia da Universidade de Stanford (Stanford Encyclopedia of Philosophy) sobre a visão de Comte: “A questão moral, ‘O que devo fazer?’, deixa de ser formulada na primeira pessoa e se transforma em um problema de engenharia: ‘O que deve ser feito para tornar os homens mais éticos?’”. A pergunta que os cientistas sociais devem responder torna-se, portanto, um problema de engenharia. Nessa literatura, como enfatizado por Comte, o dogma da liberdade é visto como um obstáculo à reorganização.
A visão de reorganização de Comte está atrelada à sua teoria dos três estágios da história. O primeiro é o Estágio Teológico, no qual a sociedade e a política são principalmente influenciadas pela religião. O segundo é o Estágio Metafísico e Abstrato, que se poderia argumentar ser o mais próximo do grande plano de liberdade de Adam Smith. O terceiro é o Estágio Científico ou Positivo, no qual a sociedade não é mais guiada pela religião ou pela liberdade, mas sim pela ciência. Essa é a trajetória da história, segundo Comte, e qualquer resistência a ela é considerada reacionária, um impedimento ao desenvolvimento da civilização. Como Comte afirmou de forma célebre: “O objetivo de toda ciência é a previsão”. Ele via o Estágio Positivo como “a mais alta realização da mente humana”.
Essa ideia, descrita por Frank Knight como “salvação pela ciência”, é um tema recorrente na história do pensamento social. Como demonstrado neste artigo, a crença na gestão científica da sociedade se estende de Comte até Samuelson. Parte-se do pressuposto de que os cientistas já encontraram, ou em breve encontrarão, as soluções para os nossos males sociais. Os únicos obstáculos restantes são aqueles liberais clássicos “reacionários” que resistem à implementação desses planos e buscam limitar o poder do Estado. Mesmo que os teóricos de uma ciência positiva da sociedade humana tentem se manter apolíticos, suas premissas inevitavelmente conduzem ao estatismo. Eles partem da ideia de que já possuímos todo o conhecimento e todas as soluções para os nossos problemas e, ainda assim, esses problemas persistem — logo, o mercado deve ser inadequado, e precisamos da mão visível do Estado.
A consequência não intencional desse tipo de pensamento é bem capturada por Hayek:
“Uma vez que se compreende isso, também se torna claro por que diferenças metodológicas e políticas com tanta frequência andam juntas: aqueles que acreditam que está ao alcance da ciência prever eventos individuais específicos, ou a posição de indivíduos, naturalmente também querem usar esse poder para produzir os resultados particulares que desejam”.
Então, qual é o papel dos economistas?
Diante disso, é razoável perguntar: qual é o papel do cientista social? E, mais especificamente, qual é o papel do economista? Essa pergunta já foi respondida de diferentes formas por diversos pensadores, incluindo Samuelson, como discutido anteriormente. Uma resposta bastante convincente vem de James Buchanan, em seu livro What Should Economists Do? ["O que os economistas devem fazer?", em tradução livre]. Para ele, o papel dos economistas não é o de engenheiros sociais, mas o de auxiliar no processo de compreensão social. Os economistas assumem esse papel por conta da própria natureza do objeto que estudam: a ignorância inevitável da humanidade e a natureza fundamentalmente distinta das soluções para os problemas sociais — soluções que envolvem trade-offs, não respostas definitivas.
E quando a sociedade enfrenta trade-offs, é melhor que os indivíduos sejam empreendedores autônomos, livres para escolher e para preservar sua liberdade, do que servos do Estado, seja esse Estado teológico ou científico.
Este artigo foi originalmente publicado no The Daily Economy.
Recomendações de leitura:
O desastre da ciência econômica moderna e seus modelos que transformam indivíduos em equação
O que os economistas neoclássicos têm em comum com o marxismo e com os socialistas utópicos
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Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil.
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