O objetivamente inestimável Menger
Muitas pessoas se sentem desconfortáveis com o livre mercado. Acredito que isso acontece porque elas aderem, ainda que de forma implícita, à teoria do valor-trabalho. Lamenta-se que os trabalhadores, aparentemente, não recebam a recompensa plena e justa por seus esforços. A crença nessa teoria coloca seus defensores em boa companhia. Adam Smith e seu sucessor, David Ricardo, eram partidários do valor-trabalho. Frédéric Bastiat também sustentava uma variante dessa teoria.
Claro, os teóricos do valor-trabalho também compartilham má companhia — como Karl Marx, um verdadeiro inimigo do povo, em cujo nome centenas de milhões de pessoas foram assassinadas. Para ser justo, é preciso reconhecer que Marx não defendia uma versão ingênua da teoria do valor-trabalho, como às vezes se presume. Ele não teria achado que uma torta de barro feita em uma hora deveria valer o mesmo que uma torta de cereja feita no mesmo tempo. Marx escreveu em O Capital: “Uma coisa não pode ter valor se não for um artigo útil. Se não for útil, o trabalho nela contido também é inútil, não conta como trabalho e, portanto, não cria valor”. (O economista austríaco Eugen von Böhm-Bawerk reproduziu essa citação em Karl Marx and the Close of His System).
Ainda assim, a teoria do valor-trabalho foi a base da influente teoria da exploração de Marx. Segundo essa visão, no mercado os patrões saem impunes ao pagar aos trabalhadores menos do que o valor de seus produtos, deixando-os a lutar com salários de subsistência. Ignoremos, por um momento, o impressionante aumento do padrão de vida dos trabalhadores desde a Revolução Industrial. Em quem você vai acreditar: em Marx ou nos seus próprios olhos? Ei, não foi outro Marx que disse algo assim? (Dica: não foi o Groucho).
Deixando de lado as evidências dos nossos sentidos, se você refutar a teoria do valor-trabalho, também refutará a teoria da exploração. Se o preço de mercado de um bem é mais alto do que o que foi pago aos trabalhadores por unidade, isso não significa que o patrão os enganou. A principal razão é que o tempo tem valor. Os trabalhadores querem ser pagos agora, e não mais tarde, quando — e se — os bens forem vendidos. O empregador aceita esperar e assumir o risco. Seu retorno inclui, entre outras coisas, a taxa de juros implícita que permeia a ação humana intertemporal.
Em oposição à teoria do valor-trabalho, temos a teoria subjetiva do valor, que foi desenvolvida de forma mais consistente pela escola austríaca de economia. Como mencionei em um artigo anterior [4], o subjetivismo na economia não é o mesmo que o subjetivismo na filosofia. No contexto econômico, isso significa que os economistas, ao analisar os mercados, devem levar em conta as preferências pessoais que os seres humanos demonstram por meio de suas ações — ações que, por natureza, envolvem escolhas. Essa perspectiva não precisa entrar em conflito com o objetivismo filosófico (ou com o Objetivismo, com “O” maiúsculo, no caso da doutrina de Ayn Rand).
Carl Menger provocou uma mudança radical na economia ao substituir a teoria do valor-trabalho pela teoria da utilidade marginal subjetiva. (As pessoas fazem escolhas entre unidades de bens “na margem”). Estamos para sempre em dívida com ele. Eis um trecho do que ele afirmou na Parte III de sua obra fundamental, Princípios da Economia:
“Quando tratei da natureza do valor, observei que o valor não é algo inerente aos bens, nem é uma propriedade dos bens. Mas o valor também não é uma coisa independente. Não há razão para que um bem não possa ter valor para um indivíduo que economiza recursos, e nenhum valor para outro indivíduo em circunstâncias diferentes. A medida do valor é inteiramente subjetiva por natureza e, por isso, um bem pode ter grande valor para uma pessoa, pouco valor para outra e nenhum valor para uma terceira, dependendo das diferenças em suas necessidades e nas quantidades disponíveis. Aquilo que uma pessoa despreza ou valoriza pouco é valorizado por outra, e o que uma pessoa abandona é frequentemente aproveitado por outra. Enquanto um indivíduo que busca economizar recursos pode estimar igualmente uma certa quantidade de um bem e uma quantidade maior de outro bem, frequentemente observamos avaliações opostas em outro indivíduo na mesma condição. Assim, não apenas a natureza, mas também a medida do valor é subjetiva. Os bens sempre têm valor para certos indivíduos que fazem escolhas econômicas, e esse valor é determinado apenas por esses próprios indivíduos”.
Duvido muito que alguém possa discordar disso. Vale notar que essas diferenças criam oportunidades de ganhos mútuos por meio da troca. Duas pessoas só trocam bens porque atribuem valores diferentes aos itens trocados; cada uma prefere o que a outra possui ao que tem em mãos. Nenhuma delas enxerga os itens como equivalentes em valor — afinal, qual seria o sentido de trocar coisas equivalentes? Em uma economia monetária, os preços surgem quando pessoas com preferências diversas buscam seu bem-estar vendendo no mercado mais caro e comprando no mais barato. A concorrência limita a faixa de preços dos bens.
No entanto, faço uma ressalva quanto ao uso que Menger faz da palavra “medida”. Um dos herdeiros intelectuais de Menger, Ludwig von Mises, escreveu mais tarde que classificamos nossos valores; não os medimos. Não existe uma unidade análoga a onças ou polegadas. O que temos são números ordinais, não cardinais. E vale lembrar que não se faz contas com números ordinais. O que seria “primeiro mais segundo”? Terceiro?
Agora, Menger aborda diretamente a teoria do valor-trabalho:
“O valor que um indivíduo que economiza atribui a um bem é igual à importância da satisfação específica que depende do controle que ele tem sobre esse bem. Não há nenhuma conexão necessária e direta entre o valor de um bem e o fato de terem sido aplicados trabalho ou outros bens de ordem superior à sua produção, ou em que quantidade isso ocorreu. Um bem não econômico (uma quantidade [superabundante] de madeira em uma floresta virgem, por exemplo) não adquire valor [de troca] para os homens mesmo que grandes quantidades de trabalho ou outros bens econômicos tenham sido aplicados à sua produção. Se um diamante foi encontrado por acaso ou obtido de uma mina após mil dias de trabalho, isso é completamente irrelevante para seu valor. Em geral, ninguém na vida prática se preocupa com a história da origem de um bem ao estimar seu valor, mas considera unicamente os serviços que o bem pode lhe prestar e dos quais teria de abrir mão caso não o tivesse sob seu controle”.
Mais uma vez, quem poderia discordar? Quando você vai às compras, a utilidade de um bem depende de quanto tempo ou com que intensidade alguém trabalhou para produzi-lo? Você sequer se pergunta sobre isso?
“Bens nos quais muito trabalho foi investido frequentemente não têm valor, enquanto outros, nos quais pouco ou nenhum trabalho foi aplicado, possuem um valor altíssimo. Bens com grande esforço de trabalho investido e outros com pouco ou nenhum esforço muitas vezes têm valor igual para pessoas que buscam otimizar seus recursos. Portanto, as quantidades de trabalho ou de outros meios de produção aplicados à sua fabricação não podem ser o fator determinante do valor de um bem. A comparação entre o valor de um bem e o valor dos meios de produção usados em sua criação pode, é claro, revelar se e, em que medida, sua produção, um ato de atividade humana passada, foi adequada ou econômica. Mas as quantidades de bens empregadas na produção de outro bem não exercem, portanto, influência necessária nem diretamente determinante sobre seu valor (…)
“O fator determinante no valor de um bem, então, não é a quantidade de trabalho ou de outros bens necessários para sua produção, nem a quantidade necessária para sua reprodução, mas sim a magnitude da importância das satisfações que sabemos depender do nosso domínio sobre esse bem. Esse princípio de determinação do valor é universalmente válido, e não se encontra exceção a ele dentro da economia humana. A importância de uma satisfação para nós não resulta de uma decisão arbitrária, mas é medida pela relevância, que não é arbitrária, que essa satisfação tem para nossa vida ou para nosso bem-estar. Os graus relativos de importância de diferentes satisfações e de atos sucessivos de satisfação são, no entanto, julgamentos feitos por indivíduos que buscam economizar recursos e, por essa razão, o conhecimento que eles têm desses graus de importância está, em certos casos, sujeito a erro (…). O erro é inseparável de todo conhecimento humano (…)”.
A economia, então, trata de como indivíduos mortais e falíveis cooperam pacificamente em um mundo temporal e com escassez para obter as coisas que acreditam que melhorarão suas vidas. Esse arranjo é imperfeito, mas as fantasias utópicas e coercitivas de Marx, Lenin, Trotsky, Mussolini, Stalin, Hitler, Mao, Castro e até Richard Wolff sequer podem ser consideradas alternativas reais. Leia um pouco de história econômica — e confie nos seus próprios olhos.
Este artigo foi originalmente publicado no Libertarian Institute.
Recomendações de leitura:
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Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil.
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