O apagão da Europa e a confiabilidade elétrica em xeque
Nota do editor:
Autor do artigo a seguir, Paulo Sehn é mestre em Engenharia Elétrica e formou-se na Pós-Graduação em Direito, Ciências Políticas e Liberalismo do Instituto Mises Brasil.
Paulo participou recentemente da Radio Roundabout, em entrevista a nosso presidente Sergio Alberich, onde discutiu o apagão na Península Ibérica e refletiu sobre a transição forçada de matriz energética. Ele já havia participado da Radio em outra oportunidade, quando tratou de intervenção e regulação no mercado de energia.
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A repercussão do blackout registrado na Europa em 28 de abril de 2025 vai muito além dos desafios de engenharia para a manutenção da confiabilidade dos complexos sistemas de energia. O impacto sobre a população foi tão grande que a primeira hipótese levantada foi a de um ataque terrorista. Entretanto, ao que tudo indica, esse evento expôs a fragilidade dos atuais sistemas de energia, podendo motivar uma reflexão sobre as políticas públicas voltadas à transição energética.
Apesar de ainda não haver um diagnóstico preciso, as informações disponíveis apontam para a perda instantânea de cerca de 14.000 MW de energia solar, correspondentes a aproximadamente 60% da geração total do país — valor equivalente à potência máxima gerada pela Usina Hidrelétrica de Itaipu, no Brasil (a segunda maior do mundo).
Nas últimas décadas, foi unânime a decisão dos Estados europeus de enfrentar as mudanças climáticas por meio da substituição de fontes tradicionais, movidas a combustíveis fósseis, por fontes solares e eólicas. Até mesmo fontes consideradas renováveis, como hidrelétricas e nucleares, ficaram de fora dessa empreitada rumo ao net zero.
Como resultado, demonstrou-se ser possível atender à demanda de eletricidade com 100% de fontes renováveis — como noticiado pela própria Espanha uma semana antes do blackout. Entretanto, os europeus agora questionam: com qual nível de segurança?
O Brasil talvez possa fornecer um indicativo dos desafios de operar grandes sistemas com alta penetração de fontes renováveis. Em 15 de agosto de 2023, 29 milhões de brasileiros ficaram sem energia elétrica devido a um apagão. Semelhante ao ocorrido na Europa, houve a perda instantânea de 15.000 MW de geração eólica. Após 40 dias de análise, o Operador Nacional do Sistema (ONS) emitiu o seguinte diagnóstico:
“7.10. A análise da perturbação permitiu constatar que o desempenho dos controles em campo, de usinas eólicas e solares, em especial no que tange à capacidade de suporte dinâmico de potência reativa, foi muito aquém dos modelos matemáticos fornecidos pelos agentes e representados na base de dados oficial de transitórios eletromecânicos.”
Em resumo, os estudos de segurança desconheciam o real comportamento das fontes solar e eólica. Como consequência, o Operador restringiu parte da geração dessas fontes; exigiu estudos complexos para assegurar o correto entendimento sobre o comportamento dessas tecnologias; e buscou novas ferramentas para análise dos sistemas. Desde então, a retomada do uso dessas fontes vem sendo possível apenas com a implementação de novos sistemas de proteção, como anunciado aqui.
No Brasil, o blackout revelou uma lição valiosa: a confiabilidade do sistema elétrico não evoluiu no mesmo ritmo das políticas de incentivo. A velocidade de inserção dessas tecnologias, em função da política de incentivos às fontes solar e eólica, superou a capacidade de adaptação dos mecanismos de controle, proteção e modelagem do sistema interligado.
Tomando apenas o caso da Geração Distribuída (painéis solares de pequeno porte), observa-se um crescimento exponencial. A ANEEL, ao discutir a política pública em 2018, estimava que o país teria 4.577 MW instalados até 2024. No entanto, o valor registrado em abril de 2024 foi de 39.000 MW — uma diferença 8,5 vezes maior que o esperado. O motivo desse crescimento pode ser encontrado neste artigo que publiquei aqui no site.
A crítica à transição energética no setor elétrico é dupla: (i) custa caro — somente em 2024, o Brasil gastou R$ 30 bilhões para incentivar fontes eólicas e solares, valor pago pelos consumidores; e (ii) os incentivos criados pelas políticas públicas promoveram a substituição acelerada de fontes convencionais, como hidrelétricas e termelétricas, por fontes solares e eólicas.
Com isso, além do custo bilionário, perde-se um conjunto de serviços naturalmente oferecidos pelas fontes convencionais, que, além de gerar energia, garantem a correção de frequência e tensão, fornecimento de inércia e longa vida útil.
Há uma discussão técnica ainda em aberto, mas rever essas políticas públicas é um movimento natural e necessário. Intervenções estatais possuem dinâmica cíclica e devem ser interrompidas tão logo se identifiquem seus efeitos negativos. Um blackout na Península Ibérica, somado aos altos custos para o cidadão, pode ser o indicativo necessário para redirecionar a rota e oferecer à sociedade uma energia não apenas verde, mas também confiável.
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Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil.
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