Economia
A sabedoria do século XIX no século XXI: Bastiat sobre tarifas e USAID
A sabedoria do século XIX no século XXI: Bastiat sobre tarifas e USAID
Nota do editor:
A retórica de proteção da indústria nacional e fomento dos emprgos no país gera medidas protecionistas, que vão desde a imposição de tarifas alfandegárias, como as que ganharam as manchetes nos Estados Unidos e as que deveriam ganhar mais manchetes, por serem muito mais deletérias, no Brasil, até a completa proibição de comércio de determinados produtos com outros países.
Claro que os efeitos nocivos da limitação do comércio internacional são fáceis de se ver, mesmo por aqueles que advogam o protecionismo. Isso fica evidente com o frenesi de economistas e políticos de esquerda contra as tarifas de Trump - como se fossem defensores do livre comércio. Mas há efeitos desse tipo de política, e na verdade de qualquer passo em direção a mais participação do estado na economia, que, para o analista menos atento, não são tão claros.
O artigo a seguir explora alguns desses efeitos não vistos, seguindo a teoria do grande pensador Frédéric Bastiat: os produtos ficam mais caros, o consumidor tem menos opções, a burocracia se agiganta, o pagador de impostos é ainda mais lesado etc. Parece uma descrição quase fiel da economia e sociedade brasileira.
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Neste semestre, graças à generosidade do Reitor e da Fundação Cam Williams para com o clube do livro do Ludwig von Mises Institute, a Mount Olive University tem sediado um Clube do Livro onde estamos lendo as obras reunidas de Frédéric Bastiat. Recentemente, analisamos o famoso artigo de Bastiat, “O Que Se Vê e o Que Não Se Vê”. Meus alunos ficaram surpresos ao perceber como esse texto de 1850 continua incrivelmente atual em 2025, especialmente no que diz respeito a tarifas e burocratas do governo.
Bastiat tem seu melhor desempenho quando consegue pegar uma questão complexa e transformá-la em uma narrativa simples. Tarifas são um tema que frequentemente volta ao debate, despertando opiniões acaloradas de ambos os lados. A seguir, compartilho o que meus alunos e eu discutimos.
A história
Bastiat começa com um protagonista francês, o Sr. Protecionista, que percebe que o ferro belga está sendo vendido por 10 francos, enquanto ele gostaria de vender o seu por 15. O Sr. P. fica tão irritado com isso que começa a se armar para tentar impedir pessoalmente que o ferro belga cruze a fronteira. No entanto, quando ele consegue acalmar seu “ardor guerreiro” e percebe que, sozinho, jamais conseguirá barrar todo o ferro vindo da Bélgica, ele se lembra de que existe uma instituição que pode fazer isso por ele: o governo. Se conseguir convencer o governo a contratar 20 mil guardas para patrulhar a fronteira, então seus objetivos poderão ser alcançados.
Ao apresentar seu argumento ao governo, o Sr. P. afirma que é evidente a necessidade de proteger a França contra o ferro belga. Essa proteção beneficiaria a indústria siderúrgica francesa, todas as indústrias associadas que fornecem insumos aos produtores de ferro nacionais e os trabalhadores que atuam nesses setores. A venda a 15 francos possibilitaria que os donos das fábricas expandissem seus negócios, contratassem mais funcionários e aumentassem os salários. Novos edifícios e equipamentos teriam que ser produzidos, e a indústria francesa seria impulsionada por essa demanda adicional. Com salários mais altos, os trabalhadores poderiam melhorar a vida de suas famílias e seu bem-estar material. Todos os produtos que esses trabalhadores passarem a consumir precisarão ser fabricados, e os fornecedores ficarão satisfeitos com o aumento nas vendas.
Quem perde?
Uma característica importante de um bom economista é a capacidade de raciocinar com base em cenários contrafactuais. Essa habilidade não é exclusiva dos economistas, mas é essencial para um bom raciocínio econômico. Basicamente, o raciocínio contrafactual consiste em comparar duas situações hipotéticas e analisar os custos e benefícios de cada uma. Bastiat chama esse método de comparar o que se vê com o que não se vê. Na história, o que se vê é a perspectiva do Sr. P. Os benefícios concentrados geralmente são fáceis de identificar. O desafio, e a habilidade que os estudantes precisam desenvolver, é enxergar o que não se vê: os custos dispersos.
Durante a discussão do livro, meus alunos identificaram cinco grupos que seriam prejudicados pelo plano do Sr. P. O grupo mais óbvio são os consumidores, aqueles que compram ferro, seja direta ou indiretamente. Quando os belgas participam do mercado, os consumidores conseguem adquirir ferro por 10 francos. No entanto, com as barreiras protecionistas, quem usa ferro passa a pagar 50% a mais. Fica claro que esse ganho dos produtores franceses de ferro acontece às custas dos consumidores. Não é um ganho para a sociedade como um todo, mas sim uma transferência de riqueza dos consumidores para os produtores. Como Bastiat destaca, quando um consumidor economiza 5 francos, “ele não os joga no rio, mas (e é isso o que não se vê) os entrega a algum comerciante em troca de algum benefício.” Bastiat sugere que esse consumidor poderia ter usado os 5 francos para comprar um livro. Porém, com o protecionismo, o vendedor de livros perde essa venda, já que o dinheiro foi redirecionado para a indústria de ferro protegida pelo governo. O livreiro representa todos os terceiros prejudicados por essa medida protecionista. Bastiat mostra ainda como esses terceiros poderiam ter feito compras para desenvolver seus negócios e melhorar a vida de suas famílias.
Embora a análise de Bastiat termine aí, o Clube do Livro seguiu adiante em busca de outras consequências não visíveis. Na história de Bastiat, o governo contrataria mais 20 mil guardas para impedir a entrada do ferro belga. Esses guardas não estariam envolvidos em nenhuma atividade produtiva. Haveria muito trabalho de vigiar e revistar cargas, mas nada disso acrescentaria riqueza à sociedade. Na verdade, esses trabalhadores seriam desviados do setor privado produtivo para atividades improdutivas - uma perda líquida para a sociedade.
Além disso, esses guardas e agentes alfandegários não saem de graça. Seus salários, uniformes, armamentos, construções de postos de fiscalização e demais custos exigiriam uma transferência de riqueza vinda dos pagadores de impostos do setor privado produtivo. Mais uma vez, os pagadores de impostos poderiam usar esse dinheiro para comprar livros ou outros bens e serviços de terceiros. E, novamente, esses terceiros deixariam de realizar essas vendas e de fazer compras futuras.
Por fim, há os belgas, que são prejudicados ao serem excluídos do mercado francês. Assim, podemos identificar cinco grupos que saem perdendo com esse plano protecionista: os consumidores de produtos de ferro, os livreiros e outros terceiros, a sociedade como um todo (pela redução da produção ao transferir mão de obra para funções improdutivas), os contribuintes que financiam os guardas e os próprios belgas.
A aplicação para o caso da USAID
A chave de qualquer aprendizado é a capacidade de aplicá-lo a outras situações. Por isso, o Clube do Livro pegou a análise de Bastiat e a aplicou ao desmantelamento da USAID e de outras burocracias. Descobrimos que identificar as consequências não visíveis não é tão difícil assim, basta treinar o olhar. Muitas pessoas sentem empatia pelos funcionários demitidos da USAID. De fato, é difícil assistir pela televisão pessoas chorando por terem perdido o emprego. Mas o que não se vê é que o trabalho delas era semelhante ao dos guardas que barravam o ferro belga.
Em vez de gerar riqueza no setor privado, esses cargos representavam uma drenagem líquida de recursos da sociedade. Ao demitir esses burocratas, pelo menos dois efeitos positivos surgem. O primeiro é que se desvia menos riqueza dos contribuintes. O segundo é que, para se manterem, esses ex-funcionários terão de buscar emprego no setor privado. Ou seja, precisarão começar a contribuir para o aumento líquido da riqueza da sociedade. Murray Rothbard costumava dizer que existem duas classes na sociedade: os consumidores líquidos de impostos e os pagadores líquidos de impostos. Quando um burocrata perde o emprego e vai trabalhar no setor privado, ele deixa de ser consumidor de impostos e passa a ser pagador. Em fevereiro de 2025, havia mais de 23,6 milhões de funcionários públicos nos Estados Unidos. À medida que mais burocratas forem liberados do setor governamental improdutivo e se integrarem ao setor privado produtivo, experimentaremos um aumento líquido no bem-estar nacional.
Além disso, há uma preocupação de que, sem os gastos do governo, o PIB caia e a economia entre em recessão. Embora possamos deixar para outro momento a discussão sobre os méritos do uso do PIB como indicador, o receio faz sentido. É bastante provável que, se ainda não aconteceu, a economia venha, sim, a entrar em recessão. Mas o melhor caminho para a recuperação é aumentar a poupança e a riqueza da sociedade. E a melhor forma de aumentar a poupança é reduzir o consumo. O gasto público é, essencialmente, consumo puro. Ao demitir burocratas e desmontar a máquina estatal, o país redireciona recursos para o setor privado produtivo e se posiciona no melhor caminho para o crescimento econômico.
As lições contidas nos escritos de Frédéric Bastiat são atemporais. Seu valor é evidente. Algumas das melhores ferramentas para ensinar como a economia realmente funciona são histórias bem contadas, com uma dose de ironia, que ilustram princípios econômicos fundamentais.
Este artigo foi originalmente publicado no Mises Institute.
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Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil.
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