Hoppe vs. Milei sobre bancos centrais: analisando as diferenças
Na conferência anual da Property and Freedom Society em setembro de 2024, Hans-Hermann Hoppe criticou o presidente argentino Javier Milei. A crítica de Hoppe é, em resumo, que Milei comprometeu seus princípios ao perseguir seus objetivos, e que ele é mais como um Reagan ou Thatcher do que um libertário radical. Milei respondeu em uma entrevista em dezembro, mas, surpreendentemente, ele só abordou um dos pontos de Hoppe com mais profundidade. Hoppe havia dito que Milei deveria ter fechado o banco central no primeiro dia, Milei respondeu que isso teria criado hiperinflação. O contra-argumento de Milei, assim como a crítica inicial de Hoppe, é uma questão de pura teoria em vez de política prática: é necessário um banco central para garantir o valor do dinheiro fiduciário?
Os argumentos ruins de Milei
Como o fechamento do banco central levaria à hiperinflação, segundo Milei? O argumento é bastante simples: os pesos em circulação na Argentina são um passivo do banco central - como todo dinheiro fiduciário no mundo moderno. Então, se o banco central for fechado, eles perdem seu valor, pois não há mais nenhuma instituição que prometa respaldar ou resgatar os passivos. Isso não é diferente do que acontece com as obrigações de outras empresas e instituições.
Este argumento deve ser visto em conexão com um segundo ponto, que Milei insinuou: o problema do último período. Uma moeda fiduciária só tem valor para um indivíduo porque outros estão dispostos a aceitá-la em troca. No final dos tempos, não haverá mais ninguém disposto a aceitar a moeda fiduciária. Isso significa que, no período imediatamente anterior a esse, ninguém estaria disposto a aceitar dinheiro fiduciário, pois saberiam que não poderiam gastá-lo, e o mesmo aconteceria no período imediatamente anterior a esse período. E assim, em um processo lógico de indução reversa, chegamos à conclusão de que uma moeda fiduciária não pode ter nenhum valor hoje, já que não teria nenhum valor no final dos tempos.
Se o problema do último período destrói o valor do dinheiro fiduciário, o banco central ou alguma outra instituição são necessários para fornecer algum valor positivo ao dinheiro. Mas como isso é feito se não há a conversão do dinheiro em outra coisa? A resposta é o que se chama de teoria do lastro de ativos do dinheiro. Os teóricos do lastro afirmam que o dinheiro é, de fato, lastreado e resgatável em algo - a obrigação de pagar impostos em moeda padrão, ou os empréstimos e títulos no balanço patrimonial do banco central. Isso não é diferente hoje do que era no padrão-ouro, exceto que, no padrão-ouro, a conversão em ouro era uma terceira possibilidade.
Assim, o economista espanhol Juan Ramón Rallo, em sua defesa de Milei, argumenta que o banco central é crucial para a oferta de dinheiro e que os ativos que ele detém determinam o valor da moeda que emite. O que torna o peso uma moeda ruim e inflacionária é a qualidade dos ativos que a sustentam, não a taxa de inflação, e remover todo o respaldo do peso - consequência da abolição do banco central - faria o valor do peso cair para zero, resultando em uma hiperinflação, como afirmou Milei. Embora a teoria do lastro de ativos do dinheiro não seja amplamente conhecida, ela tem uma longa linhagem. Sua formulação moderna provém principalmente dos economistas Thomas Sargent e Neil Wallace, mas é realmente apenas uma versão moderna da antiga doutrina das letras reais. Não é surpresa, portanto, que Rallo, um defensor importante e uma possível influência de Milei, seja conhecido por seu apoio à doutrina das letras reais.
Como o dinheiro realmente funciona
Javier Milei e seu defensor Juan Rallo argumentam contra os princípios fundamentais da Escola Austríaca no campo da teoria monetária, não apenas contra posições únicas de Hoppe. Pois, enquanto os free bankers modernos têm alguma afinidade com a doutrina das letras reais, Mises e seus seguidores estavam e estão comprometidos com os princípios da currency school e da teoria quantitativa, devidamente compreendida. Mas os argumentos de Milei são bem-sucedidos?
O problema do último período
Vamos primeiro abordar o problema do último período. Se, em algum momento em um futuro infinito, não houver mais trocas e, consequentemente, nenhuma demanda por dinheiro, isso teria alguma relevância para o valor do dinheiro hoje? A indução reversa a partir de um futuro infinito implicaria que um dinheiro puramente fiduciário não teria valor atualmente. Embora esse raciocínio seja logicamente consistente até certo ponto, ele ignora um fator crucial: a preferência temporal e o desconto intertemporal.
Custos e benefícios esperados no futuro são descontados para o presente quando uma pessoa toma decisões. Os custos futuros de uma determinada ação podem superar os benefícios presentes, mas, ainda assim, uma pessoa pode optar por realizá-la, pois o que realmente importa é o custo descontado no presente. Da mesma forma, no caso do dinheiro, pode ser verdade que o dinheiro fiduciário será inútil em um futuro muito distante, mas essa perspectiva deve ser trazida para o presente através do desconto intertemporal. Na realidade, o "fim dos tempos" provavelmente está fora do horizonte de planejamento da maioria das pessoas e, portanto, nunca entraria em suas deliberações antes de agir. O que importa ao avaliar a posse de dinheiro é seu valor esperado no futuro próximo, e não especulações sobre um futuro indefinidamente distante. Assim, não há dificuldade em compreender por que o dinheiro fiduciário tem valor.
Embora o problema do último período seja geralmente formulado em relação ao dinheiro fiduciário, ele também afetaria outros tipos de dinheiro. Um dinheiro-mercadoria, como o ouro, é valorizado tanto por seus usos industriais e de consumo quanto por sua função monetária. No entanto, mesmo o ouro não teria utilidade monetária no "fim dos tempos", o que significaria que, no presente, ele não poderia ter valor monetário. Ou seja, as pessoas valorizariam o ouro apenas por seus usos não monetários. Mas essa conclusão é realmente razoável? Será que apenas a demanda da indústria e dos joalheiros determinava o valor do ouro durante o padrão-ouro? No entanto, essa é a conclusão inevitável se aceitarmos o problema do último período.
De modo mais geral, o problema só existe no mundo simplificado da economia matemática, onde o tempo é modelado como uma dimensão espacial. Um fato objetivo no final da linha do tempo é, nesse mundo, tão real quanto um fato objetivo no início. Mas esse não é o caso. Como um ponto filosófico, é preciso enfatizar que o futuro não existe - somente o presente existe. E, em economia, o que importa não é o que pode acontecer objetivamente no futuro, mas as expectativas atuais sobre o que pode acontecer e as avaliações subjetivas atuais dos resultados futuros esperados.
O banco central e a teoria do lastro
Como o problema do último período não é um problema real, não precisamos de uma teoria alternativa para explicar o valor do dinheiro. Mas, então, quanto mérito tem a teoria do lastro proposta? Na verdade, muito pouco.
Primeiramente, o dinheiro não é, de forma significativa, uma obrigação do banco central. Se você possui um dólar, não tem qualquer direito legalmente exigível contra o banco central ou o governo dos Estados Unidos. Da mesma forma, uma nota de euro não concede a você um direito contra o Banco Central Europeu, e assim por diante. O fato de os dólares estarem registrados como um passivo no balanço do Fed é um resquício do padrão-ouro, período em que o Fed realmente tinha a obrigação de resgatar as notas emitidas em ouro. O mesmo se aplica a outros bancos centrais. Trata-se apenas de uma ficção contábil, que ajuda o banco central a manter o controle sobre a emissão de moeda, nada além disso.
E quanto aos ativos do banco central que supostamente lastreiam sua moeda? Não seria possível resgatar dinheiro por meio dos títulos e outros ativos que ele detém? A resposta é não. O público não tem mais acesso aos ativos no balanço do banco central do que teria ao mercado onde esses ativos são negociados. A única relação entre os ativos do banco central e a moeda emitida é histórica: o dinheiro entrou em circulação inicialmente por meio da compra desses ativos. Não existe hoje um vínculo real entre ativos e passivos, como a teoria do lastro exigiria. O valor do dinheiro fiduciário é completamente independente do valor dos ativos do banco central, pois não há maneira de converter diretamente a moeda nesses ativos, a não ser comprando-os no mercado. Se isso for considerado "lastro", então qualquer bem ou serviço trocado por dinheiro também serviria como lastro. Mas a ideia de que o valor do dinheiro é respaldado por atum enlatado ou serviços odontológicos não soa muito convincente.
A teoria do lastro, como mencionado, é uma variação da doutrina dos "real bills" (letras reais), que já foi amplamente analisada e refutada por economistas austríacos e de outras escolas, mais recentemente por Philipp Bagus. Segundo essa doutrina, um banco pode expandir com segurança a circulação de moeda e aumentar a oferta monetária sem causar inflação, desde que o faça lastreado em letras reais de curto prazo (ou seja, títulos originados de atividades econômicas reais). Enquanto um banco ou banco central agir dessa maneira, ele não poderia emitir mais dinheiro do que o necessário. A partir dessa tese, os defensores do lastro concluem, de forma lógica, que o valor do dinheiro em circulação depende dos ativos que o "lastreiam". No entanto, a doutrina dos "real bills" falha porque ignora que o valor desses títulos não é independente das ações do próprio banco. Se os bancos reduzirem suas taxas de desconto, mais títulos serão apresentados para desconto (inclusive o mesmo título várias vezes), aumentando artificialmente seu valor nominal.
Fechando o banco central
O que realmente aconteceria se Milei seguisse o conselho de Hoppe e fechasse o banco central? Podemos descartar o cenário de hiperinflação que ele próprio mencionou, pois é fruto de teorias equivocadas. Na verdade, o efeito mais provável seria o oposto - o peso se valorizaria significativamente, beneficiando os detentores da moeda argentina.
Como já estabelecemos, o valor do peso é independente dos ativos do banco central argentino, mas isso não significa que o banco central não exerça influência. Sendo o produtor monopolista de pesos, sua própria existência garante a continuidade da inflação. Ao fechar o banco central, o governo argentino daria uma garantia de que, pelo menos no curto prazo, não haveria aumento da oferta de pesos. O estoque de pesos se tornaria fixo, o que melhoraria consideravelmente sua qualidade como moeda. Como consequência, a demanda por pesos provavelmente aumentaria, levando a uma valorização ainda maior.
Para o governo argentino, isso também significaria um benefício financeiro substancial. Como grande parte da dívida do país está denominada em dólares, um peso em valorização reduziria o peso dessa dívida, já que seriam necessários menos pesos para quitá-la (embora, do ponto de vista de uma política realmente principiológica, a solução ideal fosse a moratória da dívida.
Fechar o banco central, portanto, seria a política ideal no curto prazo. Essa estratégia também seria superior à dolarização, como já argumentei anteriormente. No entanto, infelizmente, Milei está preso a teorias equivocadas e cego para essa oportunidade.
Conclusão
Javier Milei afirmou repetidamente ser inspirado por Rothbard e Hoppe e ter lido Ação Humana de Ludwig von Mises várias vezes. Aparentemente, ele não leu o que Mises escreveu sobre o assunto do dinheiro, ou não conseguiu compreendê-lo. Portanto, ele vai desperdiçar sua oportunidade de trazer liberdade monetária para a Argentina.
Isso, é claro, não significa que ele não seja uma grande melhoria em relação aos candidatos alternativos na Argentina - um ponto que Hoppe também fez. Mas Milei não é um austríaco, e o fato de ele ter recorrido a insultos e teorias pseudocientíficas em resposta à crítica calma de Hoppe sugere que ele também não é um grande economista.
Este artigo foi originalmente publicado no Mises Institute.
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Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil.
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