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Economia

A ordem espontânea no sistema prisional dos Estados Unidos

04/12/2024

A ordem espontânea no sistema prisional dos Estados Unidos

O livro de David Skarbek, The Social Order of the Underworld: How Prison Gangs Govern the American Penal System, é uma contribuição fantástica para nosso entendimento da ordem espontânea.

O livro, vencedor do Prêmio William H. Riker de 2014, explora as maneiras pelas quais as gangues de prisão conseguem fornecer uma governança extralegal eficaz para os detentos que têm mais demanda por serviços de proteção do que os sistemas prisionais administrados pelo estado podem fornecer.

Devido a essas limitações, os prisioneiros muitas vezes precisam sair do sistema jurídico formal para obter seus produtos e serviços ilícitos. As gangues de prisão conseguem oferecer uma ampla variedade de produtos e serviços ilícitos, que vão de cigarros (proibidos nas prisões da Califórnia) a álcool, drogas, jogos de azar, empréstimos, prostitutas e telefones celulares.

Skarbek explica que o sistema penal da Califórnia operou por mais de 100 anos sem gangues de prisão, mas na década de 1960, quando o número de detentos disparou em todo o país por várias razões, de repente a antiga e descentralizada ordem baseada em normas que governava as interações sociais e econômicas entre os detentos perdeu força, e uma ordem baseada em organizações (gangues de prisão) acabou se formando em seu lugar.

A ordem baseada em normas, antes da década de 1960 (conhecida simplesmente como o “código do detento”), funcionava bem o suficiente porque, devido ao número muito inferior de detentos por prisão, as reputações individuais dos detentos podiam ser conhecidas por todos, então coordenar as ações das pessoas e punir os maus atores era relativamente simples. O código do detento incluía regras como:

Nunca delate um detento. Não seja curioso. Não tenha uma língua solta. Não coloque ninguém contra a parede. Seja leal aos detentos. Não perca a cabeça. Cumpra sua própria pena. Não explore os detentos. Não quebre sua palavra. Não roube de outros detentos. Não venda favores. Não seja um agiota. Não negue suas dívidas. Não enfraqueça. Não reclame. Não admita culpa. Não seja um otário.

Além do simples aumento na quantidade de detentos, ocorreram também outras mudanças demográficas que acabaram por aposentar a ordem baseada em normas: mais infratores violentos, mais detentos primários, mais detentos jovens e uma “mudança radical no histórico étnico e racial dos detentos”.

A nova e relativamente mais centralizada ordem baseada em gangues passou a ser construída em um “sistema de responsabilidade comunitária”. Nesse sistema, a troca impessoal por meio de mercados ilícitos pôde prosperar (embora com interrupções pelos Agentes Penitenciários) por não ser mais necessário conhecer as reputações individuais dos detentos ou mesmo esperar ter interações futuras com um determinado comerciante. Ou seja, para se envolver no comércio com um determinado detento, os detentos de repente precisavam conhecer apenas a reputação da gangue do detento. As dívidas individuais tornaram-se dívidas da gangue. As reputações individuais acabaram tornando-se as reputações das gangues. E as gangues, sendo empresas (ilícitas) em busca de lucro e status como eram (e ainda são), incumbiam seus membros a responsabilidade de manter esse lucro e status.

As gangues de prisão de hoje em dia continuam a fornecer instituições de governança extralegal que estruturam o comércio ilícito, resolvem disputas e (mais importante para seus membros) fornecem proteção para a vida e a propriedade. Elas têm constituições escritas surpreendentemente sofisticadas e sistemas de pesos e contrapesos, incluindo formas de remover líderes de gangues (incluindo “chefões”) que são ineficazes ou agem de forma egoísta contra os interesses da gangue.

Skarbek fornece evidências empíricas de que, independentemente do que possamos esperar, as gangues de prisão (embora às vezes recorram à violência) muitas vezes se esforçam muito para reduzir a violência e melhorar o bem-estar geral de seus membros. Quanto a propostas de política, ele sugere que, em vez de seguir a abordagem usual de redução da oferta – tentando minimizar a influência e a filiação das gangues –, poderíamos nos concentrar em reformar as leis e nossas prisões para reduzir a demanda dos detentos pelos serviços que as gangues fornecem.

Nada disso é para elogiar as gangues de prisão, os serviços ilícitos que elas fornecem ou de isentá-las da responsabilidade do uso da violência quando ela ocorre. É apenas reconhecer que a governança não precisa ser projetada de cima para baixo. Como Skarbek coloca:

Ninguém teve a ideia do sistema de responsabilidade comunitária e a propôs aos outros detentos, após o qual eles a aprovaram e adotaram. A ordem social existente não foi escolhida. Ninguém está no comando. Existem centros de autoridade concorrentes que interagem uns com os outros em um processo iterativo. Não há um planejador central organizando as coisas de cima para baixo. O sistema emergiu à medida que os detentos procuravam maneiras de mitigar o conflito social e aumentar o acesso a bens e serviços ilícitos. Esse processo ascendente de surgimento institucional foi o resultado da própria ação dos detentos, mas não resultado de qualquer projeto que eles tivessem.

Como conceito, podemos pensar na ordem espontânea como o antônimo do design inteligente. À primeira vista, pode parecer contraintuitivo que – especialmente para sistemas complexos – instituições não originalmente projetadas possam ter ordem.

Mas o caos é muitas vezes o produto do planejamento central, e a ordem é frequentemente encontrada em instituições não projetadas, surgindo de um processo de evolução social: dinheiro, lei, linguagem e moral – para citar alguns exemplos identificados pelo economista e ganhador do Prêmio Nobel F.A. Hayek.

A governança extralegal fornecida pelas gangues de prisão americanas fornece mais um exemplo do mundo real.

 

Este artigo foi originalmente publicado em inglês na Foundation for Economic Education (FEE).

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Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil.

Sobre o autor

Emile Phaneuf III

Possui mestrado (duplo diploma) em Economia pela OMMA Business School Madrid e pela Universidad Francisco Marroquín, bem como mestrado em Ciência Política pela Universidade de Arkansas.

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