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Filosofia

Marxismo como sofisma: um exame crítico do trabalho como mercadoria

20/09/2024

Marxismo como sofisma: um exame crítico do trabalho como mercadoria

Um dos princípios centrais do marxismo é a teoria do valor-trabalho, que afirma que o valor de uma mercadoria é determinado pela quantidade de tempo de trabalho socialmente necessário para produzi-la. Nesse contexto, o próprio trabalho se torna uma mercadoria – algo que pode ser comprado e vendido no mercado. Marx argumenta que, sob o capitalismo, os trabalhadores são forçados a vender sua força de trabalho aos capitalistas, que os exploram pagando salários inferiores ao valor total que seu trabalho produz. Essa diferença – ou "mais-valia" – é apropriada pelo capitalista como lucro. No entanto, essa analogia entre trabalho e mercadorias revela falhas profundas quando examinada criticamente.

A ideia de que o trabalho é uma mercadoria tem sido criticada nas obras de muitos economistas proeminentes, tanto da Escola Austríaca de economia quanto de outras. Friedrich Hayek, em sua obra O Caminho da Servidão (1944), oferece uma crítica mais ampla do planejamento econômico socialista, que inclui o tratamento marxista do trabalho como mercadoria. A crítica de Hayek ao marxismo é que ele leva à centralização do poder, onde o Estado controla o trabalho e outros aspectos da economia. Ele argumenta que tratar o trabalho como uma mercadoria controlada dentro de uma economia planejada mina a liberdade individual e leva a uma forma de "servidão".

De acordo com Hayek, a liberdade econômica, incluindo a liberdade de escolher o trabalho e negociar salários, é essencial para a liberdade política. Sua crítica implica que a abordagem marxista do trabalho, que o trata como uma mercadoria a ser controlada pelo Estado, é fundamentalmente falha e perigosa para a liberdade individual.

Karl Polanyi, em sua influente obra The Great Transformation (1944), introduz o conceito de "mercadorias fictícias" para descrever coisas como trabalho, terra e dinheiro que são tratadas como mercadorias em uma economia de mercado, mas não são verdadeiramente mercadorias no sentido tradicional. Polanyi argumenta que o trabalho é uma "mercadoria fictícia" porque não é produzido para venda, mas é um aspecto inerente da vida humana.

Polanyi critica a mercantilização do trabalho porque reduz os seres humanos a meros insumos no processo de produção, ignorando seu significado social e moral. Ele argumenta que tratar o trabalho como uma mercadoria é não natural e prejudicial, levando à desintegração social e à exploração.

Ludwig von Mises, em sua obra Ação Humana (1949), critica o conceito marxista de trabalho como mercadoria a partir da perspectiva da Escola Austríaca de economia. Mises argumenta que o trabalho não pode ser tratado como uma mercadoria da mesma forma que bens e serviços porque está intrinsecamente ligado à escolha e ação humanas. Mises afirma que o trabalho é uma expressão de preferências e valores individuais, que não podem ser reduzidos apenas a um preço de mercado. Ele critica a economia marxista por não reconhecer a natureza subjetiva do valor no trabalho, argumentando que o trabalho não é uma mercadoria homogênea e varia em qualidade e valor dependendo do indivíduo e do contexto.

Essa crítica desafia a estrutura marxista ao afirmar que o trabalho não pode ser mercantilizado da mesma forma que os bens físicos. A ênfase de Mises na escolha individual e na teoria subjetiva do valor sugere que o tratamento de Marx do trabalho como mercadoria é uma simplificação excessiva que ignora a complexidade do comportamento humano e das relações econômicas.

O estranho caso do trabalho como mercadoria

De acordo com Marx, a força de trabalho é tratada como uma mercadoria que os trabalhadores vendem em troca de salários. Mas essa mercadoria é diferente de qualquer outra. O próprio Marx reconhece que a força de trabalho é única porque está diretamente ligada aos seres humanos; não pode ser separada da pessoa que a fornece. Essa ligação intrínseca entre o trabalho e o trabalhador cria várias contradições na teoria marxista.

Primeiro, se a força de trabalho é uma mercadoria, ela é uma mercadoria realmente muito estranha. Segundo Marx, essa mercadoria é sempre vendida abaixo de seu valor. Em outras palavras, os trabalhadores estão constantemente vendendo sua capacidade de trabalhar por menos do que vale, gerando mais-valia para o capitalista. Mas isso levanta uma questão fundamental: se o trabalho é uma mercadoria, por que é a única mercadoria que é consistentemente vendida abaixo de seu custo? Em qualquer outro mercado, vender uma mercadoria abaixo de seu valor seria considerada uma prática comercial insustentável, levando à falência. No entanto, na teoria de Marx, isso não é apenas comum, mas necessário para o funcionamento do capitalismo.

Essa noção implica que os trabalhadores são essencialmente "empresários estúpidos" que vendem sua mercadoria – trabalho – com prejuízo, todos os dias úteis. Essa caracterização não é apenas humilhante, mas também ilógica. É difícil conceber qualquer ator racional, muito menos uma classe inteira de pessoas, que se envolveria consistentemente em uma prática econômica tão autodestrutiva.

Em outras palavras, se aceitarmos a premissa de que a força de trabalho é uma mercadoria, também devemos aceitar que os trabalhadores estão engajados em uma forma muito peculiar de negócio – uma em que eles consistentemente aceitam menos do que o valor de mercado de seu produto. Isso vai contra os princípios econômicos básicos, onde os vendedores procuram maximizar o preço que recebem por seus bens ou serviços. A ideia de que uma classe inteira de pessoas venderia de boa vontade e consistentemente seu trabalho abaixo de seu valor desafia a lógica e mina a credibilidade da teoria marxista.

Para ilustrar o absurdo de tratar o trabalho como uma mercadoria, considere o exemplo de um encanador autônomo. Um encanador que possui suas ferramentas e opera de forma independente não vende sua força de trabalho a um capitalista. Em vez disso, eles fornecem um serviço diretamente aos clientes e cobra uma taxa por seu trabalho. Nesse cenário, o encanador é tanto o proprietário dos meios de produção (suas ferramentas e habilidades) quanto o provedor do serviço. Ele controla o preço de seu trabalho e as condições em que trabalha.

De acordo com a teoria marxista, no entanto, esse encanador autônomo estaria de alguma forma vendendo sua força de trabalho abaixo de seu valor, mesmo que estabelecesse suas próprias taxas e condições de trabalho. Isso faz pouco sentido. O encanador, agindo como seu próprio "capitalista", naturalmente teria como objetivo cobrar um preço que cobrisse seus custos e proporcionasse uma margem de lucro. Não há nenhuma razão inerente para que sua força de trabalho deva ser vendida abaixo de seu valor, e o conceito de mais-valia torna-se irrelevante nesse contexto. O encanador autônomo não é um "empresário estúpido", mas um ator econômico racional que define preços com base no valor de seu trabalho.

A experiência socialista: vendendo mão de obra abaixo do custo

Os marxistas argumentam que a exploração do trabalho é inerente ao capitalismo e que o socialismo corrigiria isso abolindo a propriedade privada dos meios de produção. No entanto, a experiência de regimes socialistas, como a União Soviética, a China sob Mao e Cuba, conta uma história diferente.

Mesmo nessas sociedades ostensivamente marxistas, os trabalhadores continuaram a vender sua força de trabalho em troca de salários. O estado, em vez de capitalistas privados, controlava os meios de produção e determinava a distribuição da mais-valia. No entanto, isso não eliminou a crítica marxista fundamental de que o trabalho estava sendo vendido abaixo de seu valor. De fato, os marxistas argumentariam que essa exploração continuou, com o estado agindo como o novo capitalista, apropriando-se da mais-valia dos trabalhadores.

Se os trabalhadores sob o socialismo continuam vendendo seu trabalho abaixo de seu valor, então o marxismo falhará não apenas como uma crítica ao capitalismo, mas também como um guia para a construção de uma sociedade sem classes. A persistência dessa dinâmica sob o socialismo sugere que o marxismo é profundamente falho, tanto na teoria quanto na prática.

Marxismo como sofisma

Toda a estrutura marxista se baseia na premissa de que o trabalho é uma mercadoria. Se o trabalho não é uma mercadoria, a consistência lógica do marxismo entra em colapso porque seus conceitos-chave – mais-valia, exploração, contradições no capitalismo e a inevitabilidade da revolução socialista – perdem seu fundamento.

Se o trabalho não é uma mercadoria, então:

- A mais-valia não pode ser calculada da maneira que Marx descreveu, minando o conceito de exploração capitalista.

- A exploração dos trabalhadores, como Marx a definiu, não pode ocorrer se não houver mais-valia sendo extraída do trabalho.

- A contradição entre forças produtivas e relações de produção pode não existir na forma que Marx teorizou, removendo a força motriz por trás do colapso previsto do capitalismo.

- A justificativa para uma revolução socialista é enfraquecida, pois o proletariado pode não experimentar a exploração crônica que Marx acreditava que levaria à mudança revolucionária.

A confiança do marxismo na premissa falha do trabalho como mercadoria o torna fundamentalmente insustentável. Dadas as falhas teóricas e práticas do marxismo, é razoável concluir que o marxismo funciona como uma forma de sofisma na teoria socioeconômica. O sofisma refere-se a um argumento que parece plausível na superfície, mas é fundamentalmente enganoso e, em última análise, impraticável. O marxismo se encaixa bem nessa definição.

 

*Este artigo foi originalmente publicado em Mises Institute.

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Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil.

Sobre o autor

Allen Gindler

É um acadêmico independente especializado na Escola Austríaca de Economia e Economia Política. Ele ensinou Cibernética Econômica, Sistemas de Dados Padrão e Design de Trabalho Assistido por Computador na Ucrânia. Seus artigos acadêmicos foram publicados no Journal of Libertarian Studies e The Independent Review. Ele também contribuiu com artigos de opinião para Mises Wire, American Thinker, Foundation for Economic Education e Biblical Archaeology Review.

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