Esse site usa cookies e dados pessoais de acordo com os nossos Termos de Uso e Política de Privacidade e, ao continuar navegando neste site, você concorda com suas condições.

< Artigos

Economia

Mais Estado, Menos Internet

A intervenção estatal nas Telecomunicações no Brasil e como uma regulação simplificada pode libertar o mercado

16/08/2024

Mais Estado, Menos Internet

A intervenção estatal nas Telecomunicações no Brasil e como uma regulação simplificada pode libertar o mercado

A intervenção estatal é um tema recorrente no debate econômico, especialmente no contexto das telecomunicações brasileiras. Este artigo examina como a intervenção governamental influenciou o desenvolvimento das empresas de telecomunicações no Brasil e a inclusão digital em regiões de baixa densidade populacional, à luz da Teoria Austríaca do Intervencionismo.

 

Histórico das Telecomunicações no Brasil

A história das telecomunicações no Brasil começa com um marco histórico significativo. Em 1876, Dom Pedro II visitou os Estados Unidos e participou da Centennial International Exhibition na Filadélfia, onde encontrou Alexander Graham Bell e testou seu novo invento, o telefone. Impressionado, Dom Pedro II exclamou a célebre frase: "Meu Deus, isso fala!". Devido ao entusiasmo do imperador, o Brasil se tornou o segundo país do mundo a instalar um telefone, ainda em 1877, no Palácio de São Cristóvão, no Rio de Janeiro.

Com o passar dos anos, o setor de telecomunicações no Brasil evoluiu lentamente. Durante as primeiras e segundas guerras mundiais, pouco investimento foi feito na infraestrutura do setor. Foi somente na década de 1930 que começaram as primeiras legislações sobre telecomunicações e radiocomunicações no Brasil.

Em 1962, foi criado o Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT), que estabeleceu o Conselho Nacional de Telecomunicações (CONTEL) e o Fundo Nacional de Telecomunicações (FNT) para financiar o setor. Na época, havia mais de 900 empresas de telecomunicações espalhadas pelo Brasil, com a Companhia Telephonica Brasileira (CTB) e a International Telephone & Telegraph (ITT) controlando a maior parte do mercado. Este marco legal instituiu uma estrutura regulatória complexa e centralizou o controle estatal sobre o setor, visando organizar e expandir os serviços de telecomunicações. A criação da Embratel em 1965, a aquisição da CTB e a desapropriação da ITT pelo governo são exemplos de como o Estado buscou consolidar sua presença no setor. Mesmo após a privatização, a presença estatal se manteve significativa, com altos impostos e regulamentações que restringem o crescimento das empresas de telecomunicações.

 

Privatização e Surgimento das PPPs

Nos anos 90, a privatização do setor de telecomunicações no Brasil trouxe mudanças significativas. A criação da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) em 1997 marcou o início de uma nova era para o setor, permitindo a entrada de novos competidores e promovendo a liberalização do mercado. A ANATEL foi criada para regular e fiscalizar o setor, garantindo a competição e a qualidade dos serviços prestados.

A privatização dividiu o mercado de telecomunicações em várias empresas, com as maiores adquirindo partes significativas do mercado. No entanto, a liberalização também abriu espaço para o surgimento das Prestadoras de Pequeno Porte (PPPs). As PPPs surgiram como alternativas locais e regionais às grandes operadoras, focando em nichos de mercado e áreas onde as grandes empresas não tinham interesse econômico.

As PPPs se beneficiaram de menores barreiras regulatórias e tributárias, o que lhes permitiu competir com as grandes operadoras e atender áreas desatendidas ou mal servidas. O crescimento das PPPs foi exponencial, passando de poucas dezenas de empresas no início dos anos 2000 para mais de 20 mil operadoras de banda larga fixa em 2024. Esta desregulamentação parcial e os incentivos para novos entrantes permitiram que essas pequenas operadoras proliferassem, especialmente em áreas de baixa densidade populacional.

 

Teoria Austríaca do Intervencionismo

A Teoria Austríaca do Intervencionismo, formulada por Ludwig von Mises, é uma crítica contundente às intervenções governamentais no mercado. Mises argumenta que qualquer intervenção estatal, ao distorcer os sinais econômicos naturais, inevitavelmente conduz a alocações ineficientes de recursos e à criação de monopólios artificiais. De acordo com a teoria, a intervenção governamental no mercado altera os preços e os incentivos, levando a uma alocação ineficiente dos recursos.

Segundo Mises, o mercado livre, quando operado sem interferências externas, utiliza os preços como mecanismos de sinalização que orientam produtores e consumidores na tomada de decisões racionais e eficientes. Os preços refletem a escassez relativa dos bens e serviços, permitindo que os recursos sejam direcionados para os usos mais valorizados pela sociedade. Quando o governo intervém, seja através de regulamentações, subsídios, controle de preços ou outras formas de intervenção, esses sinais de preço são distorcidos. Como resultado, os recursos são desviados de suas utilizações mais eficientes, causando desperdício e ineficiências econômicas.

A intervenção estatal é vista como um processo acumulativo e auto perpetuante. Mises afirma que uma intervenção inicial, destinada a corrigir uma suposta falha de mercado, frequentemente cria novos problemas que, por sua vez, demandam mais intervenções. Este ciclo vicioso leva a uma expansão contínua da intervenção estatal, resultando em um controle cada vez maior do governo sobre a economia e reduzindo a liberdade econômica dos indivíduos. A teoria também destaca que as intervenções são frequentemente impulsionadas por interesses políticos e grupos de pressão, que buscam obter benefícios à custa da eficiência econômica e do bem-estar geral da sociedade.

A teoria de Mises sugere que a desregulamentação e a liberalização do mercado são essenciais para promover a eficiência econômica e a inovação. Ao reduzir a intervenção estatal, os recursos podem ser alocados de maneira mais eficiente, e as empresas podem competir em condições mais equitativas, beneficiando os consumidores com melhores serviços e preços mais baixos. No contexto das telecomunicações no Brasil, a experiência das PPPs demonstra que menos intervenção estatal pode levar a um mercado mais dinâmico e competitivo, promovendo a inclusão digital e melhorando a qualidade dos serviços oferecidos.

 

Impacto da Intervenção Estatal x Crescimento e Importância das PPPs

A intervenção estatal no Brasil, ao longo das décadas, criou um ambiente desafiador para o surgimento de novas empresas de telecomunicações. Em 1962, havia mais de 900 empresas de telecomunicações no Brasil, mas a maioria foi absorvida ou extinta devido à regulamentação e ao controle estatal. Somente com a privatização nos anos 90 o setor começou a se abrir para novos competidores.

A regulamentação excessiva imposta pelo governo criou barreiras de entrada significativas para novos competidores. No entanto, a desregulamentação parcial promovida pela ANATEL para as PPPs permitiu um aumento significativo no número de pequenas operadoras de telecomunicações. Dados da agência mostram que as mais de 20 mil pequenas operadoras são responsáveis por mais de 60% das novas conexões de fibra óptica no Brasil, especialmente em áreas de baixa densidade populacional.

 

Simplificação Regulatória e Incentivos

Mesmo contra as influências dos grupos de pressão, ao longo do tempo a ANATEL tem promovido medidas para simplificar ainda mais as obrigações regulatórias das Prestadoras de Pequeno Porte, facilitando o licenciamento e reduzindo a carga tributária e burocrática sobre estas empresas. Em 2023, foi publicado um novo guia de obrigações para orientar as PPPs, destacando a importância da simplificação das regras para promover a inclusão digital. Essas normas foram criadas para aliviar a carga regulatória sobre as pequenas prestadoras, permitindo-lhes operar com maior eficiência e menor custo.

Essas medidas incluem a redução de taxas de licenciamento e a simplificação dos processos de autorização para a instalação de infraestruturas de telecomunicações. Estas ações incentivam a criação de infraestrutura de banda larga em áreas remotas e de baixa densidade populacional, onde a atuação das grandes operadoras é limitada.

A regulamentação assimétrica tem sido fundamental para permitir que as PPPs se desenvolvam e prosperem, oferecendo serviços de alta qualidade e promovendo a inclusão digital em áreas anteriormente desatendidas.

 

Considerações Finais

A análise dos dados coletados e a aplicação da Teoria Austríaca do Intervencionismo indicam que a ausência de intervenção estatal, através da desregulamentação, da simplificação dos processos e da redução das barreiras burocráticas, foi crucial para o desenvolvimento das pequenas operadoras de telecomunicações no Brasil. Essas empresas conseguiram prosperar em um ambiente mais livre, trazendo inclusão digital para regiões de baixa densidade populacional e aumentando a competitividade do setor.

A experiência brasileira mostra que menos intervenção estatal pode levar a um mercado mais competitivo e inovador, beneficiando consumidores com melhores serviços e preços mais baixos. O sucesso das PPPs na expansão das redes de fibra óptica e na oferta de serviços de internet de alta velocidade é um exemplo claro dos benefícios de um ambiente regulatório mais favorável.

Até mesmo a regulamentação da telefonia móvel está em discussão para ser menos intervencionista, permitindo que as PPPs possam atuar mais amplamente neste mercado. A Anatel tem considerado medidas para simplificar as regras e promover a entrada das PPPs na telefonia móvel, o que pode aumentar ainda mais a competição e a inovação no setor.

 

Referências

Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL). Dados sobre banda larga fixa.

Mises, Ludwig von. "Ação Humana: um tratado de economia". São Paulo: Mises Brasil, 2010.

OCDE. Avaliação sobre telecomunicações e radiodifusão no Brasil. Paris: OCDE, 2020.

Teletime. "Os PPPs, o 5G e a expansão da banda larga no Brasil".

Teletime. "Perspectivas regulatórias para a Anatel em 2024".

 

_____________________________________________

Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil.

Sobre o autor

Juelinton Silveira, Adriano Paranaiba & Elaine Arantes

Juelinton Silveira poussi MBA em Gestão Estratégica de Empresas (FGV), Master em Engenharia de Produção (Jean Monnet), é Especialista em Escola Austríaca (Instituto Mises Brasil) e possui Graduação em Engenharia Industrial Elétrica, ênfase em Eletrônica e Telecomunicações (UTFPR). Adriano de Carvalho Paranaiba é Economista, Doutor em Transportes (UnB) e Professor no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Estado de Goiás (IFG). Elaine Arantes possui Pós-doutorado em Ciências Aeroespaciais (UBI-Portugal), Doutorado e Mestrado em Administração (PUC/PR); Bacharelado em Administração (FAE), é Especialista em Escola Austríaca de Economia (Instituto Mises Brasil) e é Docente EAD e presencial do IFPR.

Comentários (7)

Deixe seu comentário

Há campos obrigatórios a serem preenchidos!