Utopia e paralelos na história
Desde a Covid, o mundo como a maioria de nós o conhecia foi virado do avesso com políticos democraticamente eleitos e burocratas não eleitos aproveitando o momento para acumular poderes enormes para si mesmos que violam liberdades civis em massa. Neste processo, o Fórum Econômico Mundial (FEM) surgiu à mente do público em geral, que até então não conhecia a organização. O fundador da organização, Klaus Schwab, fez um apelo, declarando que “a pandemia representa uma rara, porém estreita janela de oportunidade para refletir, reimaginar e resetar nosso mundo”.
Para muitas entre as bilhões de vítimas das políticas totalitárias da época da Covid pelo mundo e para aqueles que conhecem o rejuvenescimento do pensamento malthusiano do FEM (alertas frequentes de superpopulação), seu apelo para “contrair” a economia global, para inserir insetos em nossa alimentação enquanto consumimos menos carne (ou não a consumimos) e seu estímulo às CBDCs (apesar da grande oposição popular), a “janela de oportunidade estreita” à qual Schwab apela para “resetar nosso mundo” dificilmente implica qualquer entusiasmo. Em vez disso, ela destaca a importância de seguirmos atentos às constantes novas rodadas de violações aos direitos humanos em escala global.
No seu livro Conflito de Visões, Thomas Sowell distingue entre duas visões políticas. A “visão restrita” vê a natureza humana como falha, egoísta e fixa; enquanto a “visão irrestrita” a vê como infinitamente maleável, como argila ou massinha – algo que pode ser moldado a partir da imaginação de um projetista. O psicólogo cognitivo Steven Pinker baseia-se no conceito de Sowell em seu livro The Blank Slate, em que ele argumenta que a “visão irrestrita” (que Pinker chama de “visão utópica”) é uma negação da natureza humana, rejeitando que a mente humana possua uma programação biológica inata. É esta falácia que inevitavelmente gerou algumas das maiores atrocidades do século XX, cometidas em nome do igualitarismo. Entre os vários exemplos, ele cita a União Soviética sob Lênin e Stalin, a Revolução Cultural da China sob Mao Tsé-Tung (responsável por 65 milhões de mortes) e o Khmer Vermelho do Camboja sob Pol Pot (durante o qual um quarto da população do país foi morta).
Pinker cita Maxim Gorky, um admirador de Lênin: “As classes trabalhadoras são para Lênin o que os minerais são para o metalúrgico”. Mao compartilhou esse sentimento ao escrever que “é em uma página em branco que os mais lindos poemas são escritos”. Igualmente, um lema do Khmer Vermelho declarava que “apenas os recém-nascidos são imaculados”.
De algumas formas importantes, nosso tempo assemelha-se à Revolução Francesa. Como Sowell observa em outro livro, Knowledge and Decisions, “a Revolução Francesa baseou-se na especulação abstrata sobre a natureza do homem por intelectuais e sobre a potencialidade do governo como um meio de aprimoramento humano”, enquanto “a Revolução Americana baseou-se na experiência histórica do homem como é e tem sido, e nas fragilidades e nos perigos do governo como de fato observado”.
A tentativa da Revolução Francesa de desenvolver “a perfectibilidade do homem” caracteriza-se pela sua combinação de massacres e execuções públicas de milhares (muitos por guilhotina) durante o “Reinado de Terror” e a afirmação de Robespierre de que o derramamento de sangue só acabaria “quando todas as pessoas se tornassem igualmente dedicadas ao seu país e às suas leis”.
Os revolucionários franceses também buscavam promover um novo homem científico por meio do remodelamento de instituições. Uma tentativa frustrada consistia na instituição da semana de 10 dias que “tinha como objetivo absorver o domingo cristão em um novo ciclo de trabalho e lazer”, já que a semana de sete dias do calendário gregoriano “era vista como não científica e corrompida por associações religiosas”. Em outras palavras, se o povo francês fosse fiel a um poder maior (Deus), isso apenas o distrairia das visões utópicas dos revolucionários, os quais exigiam fidelidade absoluta a si e a seus planos.
Além da semana, a padronização da medição também ocasionou a famosa “revolução métrica”. Conforme James C. Scott observou em seu livro Seeing Like a State, havia uma demanda orgânica do povo de padronizar a medição na França (para facilitar o comércio e a partir da filosofia iluminista), mas “a Revolução e, particularmente, a criação do Estado napoleônico na verdade impuseram o sistema métrico na França e no império”. Em outras palavras, o sistema métrico não foi adotado em massa por mérito próprio; foi necessário um ditador (que até mesmo se autointitulou imperador) e toda a carnificina consequente.
Os Pais Fundadores dos EUA, em contrapartida, (falando genericamente) buscavam lidar com a natureza do homem de frente. Como James Madison escreveu em Federalist 51,
“Se os homens fossem anjos, não seria necessário governo algum. Se os homens fossem governados por anjos, o governo não precisaria de controles externos nem internos. Ao moldar um governo que deve ser exercido por homens sobre homens, a grande dificuldade reside nisto: é preciso primeiro capacitar o governo a controlar os governados; e, em seguida, obrigá-lo a se controlar a si próprio”.
A história é cheia de exemplos instrutivos que revelam tanto as condições que permitem a prosperidade humana quanto aquelas que terminam catastroficamente. Não há escassez de exemplos para sugerir o que poderia acontecer se nós “resetássemos” uma sociedade a partir da imaginação de intelectuais que promovem um plano a ser seguido por todos. A liberdade é, acima de tudo (para citar Sowell), “o direito das pessoas comuns de terem espaço de manobra para si mesmas e um refúgio das agressivas presunções de seus ‘superiores’”.
“Espaço de manobra para pessoas comuns”. Esse é um lema que vale a pena repetir.
Nota: Este artigo foi originalmente publicado em inglês pelo American Institute for Economic Research (AIER).
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Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do do Instituto Mises Brasil.
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