CBDCs: uma arma para desbancar os bancarizados
Um relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) de julho de 2023 resumiu o objetivo da política do Banco Central do Brasil (BCB) como “a transição para um mundo baseado em tokens” – o que inclui, em parte, o lançamento de uma moeda digital de banco central de atacado (CBDC), esperada até o início de 2025. Este “real digital” (RD) “pretende balizar uma infraestrutura blockchain em um ambiente regulado”. (CBDCs “de atacado” servem para uso comercial e de bancos centrais, enquanto CBDCs “de varejo” servem para o resto de nós.)
Embora nem todo problema identificado neste artigo diga respeito ao modelo CBDC de atacado (o objetivo do BCB, ao menos por ora), é notável que há uma pressão global para o eventual uso generalizado das CBDCs de varejo, com o de atacado apenas sendo um passo nesta direção.
Durante a redação deste artigo, de acordo com o site CBDCTracker.org, existem três países ou regiões com CBDCs de varejo já lançadas (Bahamas, Jamaica e Nigéria), outros cinco em fase “piloto” e outros 20 em fase de “prova de conceito”. Muitos outros mais estiveram ao menos pesquisando as CBDCs de atacado. Um relatório do Bank for International Settlements (BIS) lançado em julho resume os resultados de uma pesquisa de 86 bancos centrais e conclui que “haverá ao menos 15 CBDCs de varejo e 9 de atacado circulando publicamente em 2030”.
Quando lemos declarações de funcionários de alto escalão do BIS, dos bancos centrais e de governos, temos a impressão de que as CBDCs são um projeto animador na evolução do dinheiro. O BIS, por exemplo, chama-as de “uma nova ferramenta na caixa de ferramentas da inclusão financeira”. Um discurso coescrito pelo gerente-geral do BIS, Agustín Carstens, e a Rainha Máxima dos Países Baixos, enquadra-as sob o título de “CBDCs para o povo”. Um documento de trabalho do FMI afirma que as CBDCs podem “bancarizar grandes populações sem acesso a serviços bancários” em países em desenvolvimento.
Imensamente impopular e arriscada
Mas, quando uma CBDC foi imposta ao povo nigeriano, os índices de adoção foram terríveis (menos de 0,5%, até mesmo um ano após seu lançamento), e os nigerianos foram às ruas para demandarem acesso ao dinheiro em espécie. As CBDCs também são amplamente impopulares nos Estados Unidos. Uma pesquisa nacional do Instituto CATO publicada em maio descobriu que apenas 16% dos americanos apoiam a ideia, e mais que o dobro (34%) se opõe a ela. Desses, 78% responderam que se uma CBDC fosse ofertada, eles provavelmente não a utilizariam. Quanto aos partidos, enquanto os democratas teriam duas vezes mais probabilidade de apoiar uma CBDC que os republicanos (22% para os democratas, 11% para os republicanos), a mesma porcentagem dos democratas se opõe à ideia, e os restantes 56% responderam que “não sabem”.
Os riscos que as CBDCs representam incluem a perda da capacidade de liquidação definitiva do dinheiro físico (já que a renúncia ao dinheiro acompanha a pressão pelas CBDCs), perda de privacidade financeira, facilidade para apreensão de bens, perda da capacidade de resolver problemas em nível local com um banco comercial (já que seria improvável que um banco central passasse a ser conhecido por seu serviço ao cliente), franca proibição de limites de gastos ou de compras com certos comerciantes ou de certos produtos, e (talvez o mais importante) a mudança paradigmática do dinheiro como um exercício de liberdade econômica para um de engenharia social pelos bancos centrais e seus respectivos governos. O último aspecto poderia ser manifestado de diversas formas, inclusive (para falar apenas de algumas) com taxas de juros negativas (basicamente o confisco de poupança), a expiração do dinheiro de alguém (com uma data determinada pelo banco central emissor ou seu governo) e até mesmo o desencorajamento do consumo de produtos como gasolina, passagens aéreas ou carne vermelha para forçar uma agenda climática.
Outro recurso do CATO focado em identificar os riscos das CBDCs destaca corretamente que uma CBDC poderia reduzir a disponibilidade de crédito, cessar a intermediação de bancos e desafiar a ascensão de criptomoedas. Sem falar, é claro, sobre como negócios que operam legalmente sob a lei estadual seriam tratados por bancos centrais no caso de suas atividades serem consideradas ilegais sob o escopo da lei federal (nacional). Até mesmo atualmente (com nenhuma CBDC ainda lançada nos EUA), empresas que trabalham na indústria da cannabis lutam para obter e manter contas bancárias, já que muitos dos bancos comerciais são regulados federalmente. É difícil imaginar como o sistema federal de governo não seria drasticamente prejudicado sob um modelo de CBDC. (Deveríamos mesmo acreditar que o Federal Reserve seria mais complacente com as empresas de cannabis?) Embora os estados dos EUA gozem de um nível relativamente maior de autonomia de Washington DC que os estados brasileiros de Brasília, isso ainda cria questões interessantes para o modelo de governança brasileiro.
Finalmente, a vigilância aumentada também tem um efeito inibidor sobre o público – mesmo para atividades legais. Gosta de vícios (apostas, pornografia)? Quer comprar uma arma? Agora, talvez você evite viver sua vida como faz atualmente.
Dificilmente inclusiva
Uma breve busca na memória demonstra como a desbancarização de negócios legalmente bancarizados se manifestou historicamente. Uma operação do Departamento de Justiça da administração Obama chamada “Operação Ponto de Obstrução” se dirigiu a comerciantes de armas, agiotas e afins no início de 2013, não acusando funcionários ou proprietários desses negócios por crimes reais, mas aumentando o custo para os bancos fornecerem serviços bancários a eles, lembrando aos bancos de suas obrigações sob a Lei do Sigilo Bancário e as regulações antilavagem de dinheiro (BSA/AML) e as penas pelo seu não cumprimento. O resultado foi (não surpreendentemente) a desbancarização de pessoas e empresas bancarizadas.
Mais recentemente, as criptos entraram na mira, com reguladores fechando bancos comerciais que fornecem serviços financeiros para empresas do setor. Esta última operação foi apropriadamente chamada de “Operação Ponto de Obstrução 2.0” por Nic Carter, que traça paralelos com a primeira operação.
O momento de uma iniciativa de uma CBDC global é também suspeito, dado o ambiente atual cultural e político de se “cancelar” pessoas de opiniões dissidentes e do alinhamento das Big Techs com governos para orquestrar algo que pareça mais com Operações Psicológicas que com “saúde pública” como nós tradicionalmente a conhecemos (como uma evidência revelada por um requerimento da FOIA — o equivalente estadunidense à Lei de Acesso à Informação).
Mesmo que você ache que uma CBDC é uma boa ideia, considere que seu poder pode ser invertido quando o pêndulo político se voltar contra você e suas visões, ou se suas atividades forem consideradas como tabu ou ilegais pelo governo do momento. A verdadeira inclusão digital requer um sistema econômico no qual a censura financeira, por princípio, é mais difícil de consolidar. Dinheiro em papel e Bitcoin ajudam nesta situação.
A propósito, o próprio BIS chama o dinheiro físico de “a forma mais inclusiva de dinheiro que temos atualmente”. Com toda a conversa sobre inclusão financeira, o empurrão global para acabar com ela é, no mínimo, irônico. A maioria das moedas fiat/fiduciárias já é digital. Podemos abordar os diversos defeitos do sistema financeiro tradicional sem introduzirmos outra moeda digital sob a forma de uma CBDC.
O vasto poder que uma CBDC poria nas mãos de um Estado nacional ou de seu banco central aponta na direção de um nível sem precedentes de fiscalização financeira e censura, enquanto e desbancarização dos bancarizados tem potencial de servir a objetivos políticos. Assim, não é muito severo dizer que estamos em uma encruzilhada para a civilização.
Deveríamos, também, ter a sabedoria de considerar as palavras de F. A. Hayek, em O Caminho da Servidão:
“O controle econômico não é apenas o controle de um setor da vida humana, distinto dos demais. É o controle dos meios que contribuirão para a realização de todos os nossos fins. Pois quem detém o controle exclusivo dos meios também determinará a que fins nos dedicaremos, a que valores atribuiremos maior ou menor importância – em suma, determinará aquilo em que os homens deverão crer e por cuja obtenção deverão esforçar-se”.
*Uma versão similar deste artigo foi originalmente publicada em inglês pelo American Institute for Economic (AIER).
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Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil.
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