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Bens públicos: a teoria mais distorcida da ciência econômica

Sem o governo, quem vai construir as estradas?

14/08/2023

Bens públicos: a teoria mais distorcida da ciência econômica

Sem o governo, quem vai construir as estradas?

Neste texto, quero abordar a fragilidade do conceito de bens públicos e como ele é utilizado de forma desproporcional para justificar a necessidade de intervenção estatal no mercado, sob o argumento de melhorar a oferta destes ditos “bens públicos”. Para isso, quero dividir esse texto em duas partes. Na primeira, apresento o conceito neoclássico e como eles precisam de um malabarismo sem fim para justificar esse conceito. Na segunda parte, vou apresentar a crítica da Escola Austríaca à existência de bens públicos.

 

O que os neoclássicos te contam e o que não te contam sobre bens públicos

Eu trouxe aqui justamente o conceito de bens públicos que é o do professor Mas-Colell, autor do mais importante o livro de microeconomia:

“Um bem público é uma mercadoria para a qual o uso de uma unidade do bem por um agente não impede seu uso por outros agentes” (Mas-Colell, 1995, p.359).

O mais interessante deste conceito é que de fato concordo com ele, mas revela algo muito importante: quantos bens se enquadram nele? O conceito neoclássico nos apresenta algo muito teórico, difícil de achar exemplos práticos, tipo a Teoria das Cordas na Física (você pode conferir aqui). E por que seria tão teórico esse conceito? Porque a primeira regra da economia é que os bens são escassos. As necessidades são infinitas e os bens são escassos. A definição acima aponta que, se o uso de uma pessoa não impede o uso de outra pessoa, efetivamente seria bem público.

Vamos ser sinceros? Da lista que tem na sua mente de “bens públicos”, quantos ainda continuam depois desta informação? Congestionamentos, escolas, ruas, lagos, hospitais, transporte “público”... Até agora ninguém atendeu ao único critério da teoria.

E por que essa questão é tão polêmica? Ela é polêmica porque, no fundo, não existe a discussão de bens que se enquadram neste conceito, mas de bens que o estado acredita que a iniciativa privada não consegue oferecer de forma satisfatória à sociedade. E aí entramos em outras análises, que fogem do cerne da discussão: são interpretações para dar um cheque para os governantes interferirem na economia de mercado.

Como exemplo, temos a abordagem aos bens públicos de outro nome famoso do mainstream, Musgrave:

“Há ocasiões em que as forças de mercado não conseguem assegurar resultados ótimos. Apresenta-se, então, o problema de como a política do governo pode intervir, a fim de que haja uma alocação de recursos mais eficiente” (Musgrave, 1976, p.27).

Veja que o conceito de bem público foi abandonado e a discussão passa a ser sobre como o estado deve intervir. O mais engraçado do professor Musgrave é como ele finge ser a favor do mercado, mas.... existem ocasiões em que precisaremos do governo.

Outro autor que trata do problema de a iniciativa privada oferecer bens públicos é o Samuelson, quando apresenta o conceito de free riders (carona). Mais a pior justificativa vem do Manual de Economia mais famoso, do professor Mankiw:

“O governo pode proporcionar o bem público e pagar por ele com a receita dos impostos, deixando as pessoas em melhor situação” (Mankiw, 2012, p.218).

Esses autores partem do pressuposto de que o estado oferece algo que não tem como a iniciativa privada oferecer, e chamam isso de bens públicos. E pessoas defendem isso como se todos os bens públicos oferecidos pelo estado estivessem funcionando perfeitamente: não tem fila no hospital do SUS, não tem congestionamento das ruas e avenidas e o transporte público é tão bom que ninguém quer usar carro (!!!).

Assim, não existe bem público: o que você conhece é “bem estatal”, e sempre são oferecidos de uma forma pior do que se fossem pela iniciativa privada. Mas e o problema do free rider?  Rádio e YouTube são excelentes exemplos de bens públicos com free riders - um usuário que o usa não impede que outro possa usá-lo. O rádio é concessão estatal, mas as empesas que oferecem o serviço são, veja só que surpresa, privadas. E para surpresa geral, quanto mais free riders elas tiverem, mais elas ganham dinheiro! As pessoas pagam para ter free riders assistindo aos vídeos de graça!

 

A crítica austríaca aos bens públicos

O melhor artigo publicado sobre a crítica austríaca aos bens públicos foi escrito pelo professor Randall G. Holcombe (acesse aqui). Neste primoroso artigo, escrito em 1997, o professor Holcombe utiliza três perguntas para definir o que é um bem público:

  • É um bem de consumo coletivo?
  • Um bem não excludente?
  • Um bem produzido pelo governo?

Na verdade, existe uma quarta pergunta: é as três coisas ao mesmo tempo?

Voltamos para uma lista muito restrita de bens que o próprio conceito neoclássico vai nos apresentar. Mas algo que parece incrível e as pessoas não se dão conta é: o governo não produz bens!

Para que o governo produza, impostos são necessários – e a ineficiência de um imposto é maior que a ineficiência de qualquer mercado, e uma produção governamental irá radicalizar a centralização da produção e as utilidades marginais serão desconsideradas. Isso já aconteceu na história e não funcionou, vide URSS e Alemanha Oriental.

Em 2019, vários sites (como esse daqui) mostraram uma relação de 884 empresas que foram reestatizadas. Se a Escola Austríaca acredita que a iniciativa privada funciona melhor que o governo, por que isso aconteceu?

Em primeiro lugar, nas privatizações não aconteceu o advento do mercado. Mas o que é mercado? Mises explica:

“O mercado não é um local, uma coisa, uma entidade coletiva. O mercado é um processo, impulsionado pela interação das ações dos vários indivíduos que cooperam sob o regime da divisão do trabalho” (Mises, Ação Humana [1949] 2010, p. 315).

Ora, as privatizações não possuem ações de várias empresas, muito pelo contrário: trocamos um monopólio estatal por um monopólio privado. Sobre monopólio privado, Rothbard (1964) aponta que só existe uma forma dele se perpetuar: monopólio é uma concessão especial de privilégio pelo estado para um indivíduo ou grupo. Não existe nem mercado, nem livre mercado, como bem explica a condição o professor Salerno:

“A teoria do preço de monopólio só pode ser aplicada a uma situação em que a curva de demanda de livre mercado enfrentada pelo vendedor de um bem é coercitivamente distorcida e tornada mais inelástica por barreiras legais à entrada impostas pelo governo” (SALERNO, 2003, p.59).

Então vejam: o que temos é o estado, criador de monopólios estatais, apelidando estes de bens públicos, concedendo o uso exclusivo e aplicando a coerção legal para garantir que só um iluminado escolhido pelo estado possa operar o dito “bem público”. Não tem como colocar isso na conta da iniciativa privada.

Termino aqui esse texto da mesma forma que o professor Holcombe (1997, p.22) termina seu primoroso artigo:

“Essa justificativa multifacetada para a atividade do governo serve bem ao governo ao argumentar que suas atividades são meios legítimos de aumentar o bem-estar social, a fim de criar apoio ideológico para o setor público. A teoria dos bens públicos não faz um bom trabalho de explicar o que o governo realmente faz, ou deveria fazer, mas pode ser melhor entendida como uma ferramenta que o governo emprega em seu próprio benefício”.

Sobre o autor

Adriano Paranaiba

É economista, doutor em Transportes (UnB), professor de economia no Instituto Federal de Goiás (IFG), e editor-chefe do periódico acadêmico do IMB - MISES: Interdisciplinary Journal of Philosophy, Law and Economics.

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