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Economia

A discussão do CEO da Uber com o motorista mostra que, no livre mercado, quem manda é o consumidor

São os consumidores, e não o CEO da Uber, os responsáveis pela queda nos preços

02/03/2017

A discussão do CEO da Uber com o motorista mostra que, no livre mercado, quem manda é o consumidor

São os consumidores, e não o CEO da Uber, os responsáveis pela queda nos preços

A notícia girou o mundo. Em um vídeo divulgado nesta terça-feira, 28/2, pela Bloomberg, o CEO da Uber, Travis Kalanick, apareceu discutindo com um motorista do seu próprio aplicativo após uma corrida

Com cerca de 6 minutos de duração (veja abaixo), o clipe foi gravado no início de fevereiro, no domingo do Super Bowl, nos EUA a partir da câmera colocada no painel do veículo pelo próprio motorista do Uber Black em questão, Fawzi Kamel.

Uma das duas mulheres que acompanha Kalanick no carro diz algo sobre a Uber estar tendo um ano difícil, ao que ele responde: "Eu me certifico de que todo ano seja um ano difícil. É assim que eu faço as coisas. Se for fácil, então eu não estou me esforçando o suficiente".

Pouco depois disso, ao final da corrida, o motorista aproveita a oportunidade de ter o CEO da Uber em seu carro e o questiona sobre os preços cada vez mais baixos do aplicativo.

De acordo com a Bloomberg, o Uber Black começou custando 4,90 dólares por milha rodada e 1,25 dólar por minuto em San Francisco. Atualmente, esses valores caíram para 3,75 dólares por milha e 0,65 centavos de dólar por minuto. O site ainda destaca o fato de outras modalidades da própria Uber, como o Uber X, mais barato, competirem de forma direta contra os motoristas do Uber Black.

Confira o vídeo:

Para resumir: um motorista da Uber, chamado Fawzi Kamel, deu carona para o próprio CEO da empresa, Travis Kalanick. Ao final do percurso, Kamel começou a reclamar com Kalanick sobre a política da Uber de reduzir continuamente as tarifas ao longo dos últimos anos. Kamel alegou ter gasto US$ 97 mil para aprimorar seu carro, mas as receitas não estão cobrindo seus custos.

Kalanick, inicialmente, tentou explicar a Kamel que a Uber teve de reduzir seus preços para permanecer competitiva no mercado. Eis um trecho do diálogo:

Motorista: "Você está elevando os padrões de exigência [para os motoristas], mas está diminuindo os preços."

Kalanick: "Não estamos reduzindo os preços do Uber Black".

Motorista: "Mas, no geral, todos os preços estão caindo."

Kalanick: "Sim, mas isso é algo que temos de fazer, mesmo. Temos concorrentes. Se não reduzirmos os preços, quebramos."

Motorista: "Concorrentes? Cara, você tinha tudo nas mãos. Você poderia colocar os preços que quisesse, mas escolheu dar corridas praticamente gratuitas para todos."

Kalanick: "Não, não, não. Você entendeu errado. De início, começamos como um segmento superior, de ponta. E aí, aos poucos, tivemos de nos popularizar, reduzindo os preços. Nós não nos popularizamos porque queríamos; nós nos popularizamos porque tivemos de fazer isso; caso contrário, não conseguiríamos continuar no mercado e quebraríamos."

Motorista: "O quê, você está se referindo à Lyft? Aquilo ali é moleza, não nos incomoda".

Kalanick: "Parece moleza e não nos incomoda porque nós os sobrepujamos. Mas se eu não tivesse feito as coisas que fizemos, nós é que teríamos sido derrotados, eu lhe garanto".

Motorista: "Mas as pessoas [os outros motoristas] não estão mais confiando em você. ... Já perdi US$ 97 mil por sua causa. Estou quebrado por sua causa. Sim, sim, sim. Você fica mudando o preço diariamente. Muda todos os dias."

Kalanick: "Espera aí, o que eu mudei no Uber Black? O que eu mudei?".

Motorista: "Você mudou o negócio todo. Você baixou os preços."

Kalanick [irritado]: "Quanta merda! Algumas pessoas não gostam de assumir responsabilidade pelas merdas que fazem. Elas culpam tudo na vida delas em outra pessoa. Boa sorte!" [E sai do carro].

Motorista: "Boa sorte para você. Mas sei que você não irá longe".

Após o vídeo ter sido vazado, o CEO Travis Kalanick emitiu um comunicado se desculpando profundamente pelo ocorrido. Segundo ele: "Dizer que estou envergonhado é pouco. Meu trabalho como líder é liderar e isso começa com um comportamento que deixe a todos orgulhosos. Não foi o que fiz. As críticas que recebemos são um lembrete de que eu preciso mudar como líder e crescer. Esta é a primeira vez que admito que preciso de ajuda para liderar e pretendo obtê-la".

O fato é que, embora pudesse ter sido mais convincente -- e mais polido -- em sua explicação, Kalanick está certo e o motorista (Kamel) está errado.

Ao contrário do que pensa Kamel, a Uber não pode simplesmente ditar preços para os consumidores e esperar que eles paguem. Ao contrário, a Uber está à mercê dos consumidores. E se a Uber não responder corretamente ao que os consumidores estão dispostos a pagar pelas corridas, ela irá, como bem disse Kalanick, quebrar.

O motorista Kamel, por outro lado, parece estar sob a impressão de que a Uber "tinha tudo nas mãos" -- seja lá o que isso signifique -- e que a empresa "poderia colocar os preços que quisesse".

Kamel está errado. Ao contrário da indústria de táxi, que usufrui um monopólio garantido pelo estado naquelas cidades que proíbem a concorrência, a Uber não detém monopólio de nada. Consequentemente, ela está sujeita à concorrência tanto dos táxis quanto das outras empresas que fornecem o mesmo serviço, como Lyft, Cabify e os próprios aplicativos específicos de táxi que oferecem grandes descontos [no Brasil, a 99taxis].

Dada a própria natureza da Uber e o ambiente jurídico em que ela opera -- apenas em jurisdições onda a concorrência é plena --, a empresa certamente não pode "colocar os preços que ela quiser".

Neste cenário de livre concorrência, é o consumidor quem está, como disse Ludwig von Mises, no comando da situação:

Os capitalistas, os empreendedores e os agricultores são instrumentais na condução das atividades econômicas. Eles manejam o leme e conduzem o navio. Mas eles não são livres para escolher o caminho. Eles não são supremos; eles apenas controlam o leme, estando sujeitos a obedecer incondicionalmente às ordens do capitão. E o capitão é o consumidor.[...]

Os verdadeiros chefes, no sistema capitalista de economia de mercado, são os consumidores.  Eles, por meio de sua decisão de comprar ou de se abster de comprar, decidem quem deve controlar o capital e comandar as fábricas. Eles determinam o que deve ser produzido, bem como a quantidade e a qualidade. Suas atitudes resultam em lucro ou em prejuízo para o empreendedor. Eles transformam pobres em ricos e ricos em pobres. Eles não são chefes fáceis de lidar. Eles se mostram cheios de caprichos e de fantasias, inconstantes e imprevisíveis. Eles não se importam nem um pouco com o mérito passado.

Assim que algo novo que lhes é oferecido cai no seu agrado ou tem um preço mais barato, eles abandonam os antigos fornecedores. Para eles, nada é mais importante do que a sua própria satisfação. Eles não estão nem aí para os interesses dos capitalistas e para o destino dos trabalhadores que serão afetados caso eles não mais comprem o que costumavam comprar.

Adicionalmente, vale enfatizar que o custo operacional tanto para os motoristas da Uber quanto para a própria Uber não determina os preços de seus serviços. Com efeito, custos operacionais, como já explicado em detalhes neste artigo, não determinam os preços finais de nenhum produto ou serviço. O motorista Kamel parece acreditar que ele tem o direito a um certo nível mínimo de renda que cubra seus custos operacionais caso ele opte por ser um motorista da Uber. Mas não é assim que o mundo empreendedorial funciona.

Os preços dos bens e serviços não são resultados dos custos operacionais. Os preços finais de bens e serviços não são determinados pelo valor dos insumos (como mão-de-obra e matéria prima) utilizados em sua produção. Com efeito, preços e custos nem sequer são "determinados" pelos mesmos agentes econômicos.

Os preços são, em última instância, determinados pelos consumidores: por meio de sua valoração subjetiva, eles determinam quanto estão dispostos a pagar pelos bens e serviços fornecidos.

A função do empreendedor é estimar quais serão os preços finais aceitos pelos consumidores e, então, calcular se os seus custos operacionais lhe trarão algum lucro.

Os custos operacionais para cada empreendimento, portanto, dependerão das escolhas -- baseadas na estimativa de como será a situação futura do mercado -- de cada empreendedor.

Em outras palavras, preços não são estipulados pelos empreendedores e seus empreendimentos -- preços são descobertos por eles. Custos, por outro lado, são arcados integralmente pelos empreendedores, os quais incorrerão nestes custos porque estimam que eles serão menores que o preço final do bem ou serviço vendido no mercado.

Caso o empreendedor faça uma estimativa errada -- e os custos acabem se revelando maiores que os preços que os consumidores estão dispostos a pagar pelo produto final --, então o empreendedor arcará com grandes prejuízos. (Veja aqui um artigo inteiro sobre isso).

Portanto, se o motorista Kamel quer preços mais altos para suas corridas, ele deveria reclamar com os consumidores que utilizam os serviços da Uber, e não com o CEO da Uber. O fato concreto é que, ao menos na cidade de Kamel, os consumidores não estão valorando seus serviços em um nível que lhe permita cobrir seus custos.

Logo, se Kamel quiser ser um empreendedor bem-sucedido (todo motorista da Uber tem essencialmente de ser um empreendedor), então ele -- como qualquer empreendedor -- terá de descobrir como fornecer seus serviços a um custo menor que o preço que os consumidores estão dispostos a pagar.

Caso não consiga fazer isso, então Kamel deveria abandonar seus planos de ser motorista da Uber e se concentrar em fornecer algum outro bem ou serviço que possa ser fornecido a um custo menor que o preço determinado pelo consumidor.

Quanto ao CEO da Uber, antes de ele entrar em outra discussão com algum motorista da Uber, ele deveria antes ler Mises e sua teoria sobre a soberania do consumidor em um mercado caracterizado pela livre concorrência. Isso o salvará de novos constrangimentos.


Sobre o autor

Ryan McMaken

Ryan é bacharel em economia e mestre em políticas públicas e relações internacionais pela Universidade do Colorado. É editor sênior do Mises Institute

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