O que tornou possível Lula ser detido?
A condução coercitiva de Lula, e o avanço da Lava Jato, só foram possíveis com evidências obtidas através das chamadas delações premiadas.
A delação premiada no Brasil é uma versão muito pequena, e estrita, dos acordos penais presentes na common Law (direito consuetudinário) -- conhecidos como plea bargain ou plea agreement.
Partindo do pressuposto de que o indivíduo é autônomo e possui liberdade sobre si próprio, é lícito a ele confessar um crime e negociar a punição com o representante da vítima.
Ganha ele, ao reduzir a pena; ganha a justiça, ao reduzir custos e diminuir a sensação de impunidade.
Os juristas brasileiros são maciçamente contra esse instituto. O pesquisador francês Antoine Garapon apontou que o instituto é igualmente rejeitado pelos juristas de esquerda na França.
Para a esquerda, a ideia de que um indivíduo pode, em nível criminal, negociar sua sentença -- ou mesmo aceitá-la! -- é algo impensável. Os juristas brasileiros de esquerda sabem que é melhor não dar a liberdade de escolha à população, pois a população pode não elegê-los como os representantes de seus "legítimos interesses jurídicos".
Nos EUA, nada menos que 94% dos casos criminais acabam em acordo entre o promotor e o réu.
Autores como John Langbein, da Yale University, apontam que o acordo criminal passa pela ideia -- originária do direito inglês -- de que a persecução penal é algo privado. Ou seja, na Inglaterra da época, a polícia nada mais seria do que uma agência privada de proteção, que litigava contra aqueles que infringiam a vida, a liberdade e a propriedade de seus "clientes" (ainda que, obviamente, ela exerça um monopólio do serviço).
No Brasil, é simplesmente ilógico o processo criminal. Durante todo o procedimento criminal brasileiro, não existe um momento em que o réu pode, antes de iniciar o custoso procedimento, confessar a culpa e aceitar a punição. A irracionalidade econômica é gritante, e isso nos tornou um dos piores países em matéria criminal, pavimentando o caminho para a impunidade e, consequentemente, nos fazendo despontar nos rankings mundiais de homicídio.
No anteprojeto do Código Penal, havia a previsão de acordos penais para crimes, além de tão-somente em casos de delação. A Comissão de Constituição e Justiça do Senado retirou essa previsão, sob o estarrecedor argumento de que "o Brasil não está pronto para isso".
Tradução: os políticos não estavam prontos para isso.
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