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Economia

Exemplo clássico - parte II

09/03/2009

Exemplo clássico - parte II


Por Leandro Roque

 

Na primeira parte dessa postagem, escrita a 1° de outubro de 2008, comentei que o surgimento da atual crise seguiu exatamente a mecânica dos ciclos econômicos descrita pela Escola Austríaca.  Foi um caso de exemplo clássico de livro-texto.

Agora que estamos no desenvolvimento da crise, estamos sendo brindados com outro exemplo clássico. Tal exemplo comprova, ao mesmo tempo, que a teoria austríaca estava certa e que a teoria keynesiana nada mais é do que um engodo.  Mais uma vez, como sempre, o keynesianismo se revelou um fracasso.  A abordagem pregada por Keynes jamais funcionou em lugar algum e jamais deveria ter sido levada a sério.

Vejamos.

Como teorizado pela Escola Austríaca, as recessões nada mais são do que necessárias correções pela qual uma economia que foi artificialmente inflada por injeções monetárias de seu banco central precisa passar para que possa expurgar os maus investimentos que foram induzidos pela manipulação dos juros.  Nessa fase de correção, o governo não deve fazer absolutamente nada que não seja cortar gastos, impostos e regulamentações.  Se o governo resolver interferir no processo de ajuste, aumentando salários, estimulando preços, incorrendo em déficits e aumentando seus gastos desmedidamente, o processo de ajuste não só irá se prolongar, como também, dependendo da intensidade da intervenção, a recessão poderá se agravar. (Leia mais aqui e aqui).

Por outro lado, Keynes dizia que recessões são causadas por uma queda na demanda agregada.  Os consumidores repentinamente ficavam esquisitos, paravam de gastar, começavam a poupar, o desemprego subia, o que diminuía ainda mais os gastos, o que reiniciava o ciclo, até que essa espiral incontrolável jogasse a economia em uma profunda depressão.  Para evitar isso, o governo deveria entrar gastando para suprir a ausência do consumo privado.  Keynes chegou a dizer que não importava em que o governo gastasse; o importante era gastar.  Caso o governo não tivesse dinheiro em caixa, ele deveria se endividar ou imprimir dinheiro, sem se preocupar com o aumento da dívida e/ou da inflação.  O governo tinha de gastar igual a um marinheiro bêbado.

Pois bem.

A atual crise começou em agosto de 2007, quando as bolsas mundiais começaram a cair (nada mais do que o mercado demandando a correção das economias hiperinfladas pelos bancos centrais mundiais, que agiam concertadamente com o Fed).  Desde aquela data, assustados e desnorteados, os governos mundiais sacaram seu manual keynesiano e o aplicaram ipsis litteris.  Juros foram cortados para os menores níveis da história, dinheiro foi injetado em quantias magnânimas em toda a economia mundial, bancos foram nacionalizados, os déficits orçamentários atingiram níveis inauditos, as dívidas internas atingiram cifras praticamente fictícias e a gastança "anti-recessiva" promovida pelos principais governos do mundo parece algo saído de um quadro de Salvador Dali.

Qual foi a conseqüência disso tudo na economia real?  O desemprego disparou.  Exatamente o contrário do que Keynes dizia que iria acontecer já no curto prazo - pois no longo, ninguém mais estaria aqui.

Após 19 meses de intervenções desbragadas, a taxa de desemprego nos EUA pulou de 4,7% para 8,1%.  Mais de 4,5 milhões de empregos sumiram desde dezembro de 2007.  No Reino Unido, outro que seguiu Keynes à risca, tendo como timoneiro um entusiasmadíssimo Gordon Brown, o desemprego foi de 5,2% para 6,3%, também um dos níveis mais altos de sua história.  Em todo o mundo, mais de 15 milhões de empregos sumiram.

E olha que a crise ainda não chegou aqui no Brasil...

Não apenas as intervenções não conseguiram evitar o desemprego, como também destroçaram completamente a saúde fiscal dos governos dos países desenvolvidos.  As dívidas internas atingiram níveis pornográficos.  Jamais serão pagas.

A título de comparação, veja que interessante: no ano 2000, o orçamento total do governo dos EUA foi de 1,8 trilhão de dólares. Em 2009, esse será o tamanho do déficit!

Em 2008, o orçamento total foi de $3 trilhões, indicando que em 8 anos os gastos cresceram 66%.  Ou seja, já tinha havido uma explosão nos gastos governamentais antes que toda essa balela de "estímulo" fosse implantada.  Por que esse aumento de 66% nos gastos em 8 anos não impediu a depressão?  De acordo com Keynes, era para a economia americana estar bombando.

O que isso prova, mais uma vez, é que gastos governamentais não "estimulam" a economia; ao contrário, eles a deprimem.  A boa teoria já explicava isso.  Quanto maior é o gasto ("estímulo") governamental, mais deprimida fica a economia real - isto é, o setor privado.  O "crowd-out" (o fenômeno em que o investimento privado é deslocado pelos gastos do governo) de fato ocorre.  O Japão fez exatamente isso na década de 1990.  Até hoje o país não se recuperou.

Tomar medidas como aumentar os gastos, aumentar o endividamento e facilitar o crédito para resolver um problema que foi causado justamente por gastos excessivos, endividamentos excessivos e juros excessivamente baixos não é uma solução racional.  Até um leigo em economia sabe disso.  Aparentemente, parece que o requisito necessário para se acreditar nesse absurdo é ter algum doutorado em economia.

Mas por que a economia keynesiana é dominante?  Simples.  Porque ela diz ao regime exatamente aquilo que ele quer ouvir.  Ela fornece o amparo intelectual que justifica a expansão do poder governamental e a tomada de propriedade que os burocratas estatais querem fazer de qualquer forma.  Não é a toa que tal teoria é defendida fervorosamente por professores universitários, lobistas e por todos aqueles que dependem do capital alheio.

A mão invisível?

Não bastasse tudo isso, a moda agora é dizer que o livre mercado falhou fragorosamente e que, por isso, precisamos de mais socialismo.  Ou seja: você pega o mercado, estrangula-o, cria uma miríade de impostos, inventa uma cornucópia de regulamentações, cria subsídios para os protegidos, sai imprimindo dinheiro sem qualquer restrição, pune aquele que lucra, recompensa aquele que perde, restringe o setor de capitais, estrangula os consumidores, sai estatizando tudo e criando todas as barreiras possíveis ao comércio, impede falências, proíbe demissões e, ainda assim, chama isso de mercado.  Aí quando todo o esquema entra em colapso, surge a gritaria: "Ah, viram só? O livre mercado falhou! É óbvio que agora precisamos de um estado mais autoritário!"

O livre mercado sempre é o culpado quando o socialismo fracassa.  Segue uma citação interessante:

"Pode-se supor que haja uma outra mão invisível que atua na direção oposta.  A mão invisível do livre mercado produz ordem e sucesso como conseqüência não-premeditada de vários produtores, vendedores e compradores perseguindo independentemente seus objetivos.  O mercado controlado, por sua vez, produz caos e decadência como conseqüência não-premeditada de vários políticos, burocratas e eleitores perseguindo independentemente seus objetivos.  Ao contrário da mão invisível do livre mercado, a mão invisível do intervencionismo não é benevolente.  Ela é maligna.  Ela é a principal causa dos ciclos econômicos e dos concomitantes êxtases e infortúnios gerados pelos lucros exorbitantes e prejuízos escandalosos que ocorrem ao mesmo tempo em uma economia dirigida".[*]

É por isso que o capitalismo puro e irrestrito (ou, como alguns chamam, "um sistema laissez-faire") é a única forma de sistema econômico que deixa o poder nas mãos dos indivíduos e que coloca sua fé nas decisões tomadas por aquela enorme comunidade onde as trocas são totalmente voluntárias: o livre mercado.

Todas as outras formas de sistema econômico não confiam em ninguém que não pertença àquele aparato de coerção conhecido como o estado.  Esse aparato sequestra o poder decisório da comunidade e o coloca nas mãos de uns poucos privilegiados, sejam eles burocratas, chefes de estado ou reis.

A mão invisível que funciona no livre mercado nada mais é do que a mente conjunta de todos os indivíduos agindo dentro de sua própria razão e vontade.  É daí que advém o poder de cada indivíduo.  Delegar esse poder a uma autoridade central significa colocar uma coleira em mim mesmo e entregá-la para meu mestre e controlador, eleito democraticamente.  E só quando meu pescoço estiver vermelho e dolorido, e eu, ofegante e sem ar, é que perceberei o erro que cometi ao confiar nesse sistema.

A bolsa e seu dinheiro

Para finalizar, vale a pena apontar o que foi dito pelo investidor americano Peter Schiff, um dos poucos que previu a atual crise (assista a esse vídeo, já visto por mais de um milhão de pessoas).

Segundo Schiff, a General Motors e a General Electric, hoje ambas à beira da falência completa, tiveram boa performance no final dos anos 90 por uma única razão: ambas se afastaram de sua especialidade produtiva e passaram a se dedicar mais aos serviços financeiros, algo bem atrativo à época.  A GM não estava ganhando dinheiro construindo carros (na verdade, ela estava perdendo dinheiro construindo carros); ela ganhava dinheiro financiando carros.  Houve uma divisão da GM - a GMC - que chegou até a mexer com hipotecas.

O mesmo ocorreu com a GE.  Ela se tornou uma financeira.  E todos os ganhos da GE vieram na verdade de serviços financeiros.

As ações de ambas atingiram seu pico no ano 2000.  Desde então, já se desvalorizaram em incríveis 90%.  Isso significa que quase todos os ganhos dessas empresas foram falsos.  Assim como o crescimento econômico americano, tudo foi uma ilusão.  Toda a economia americana se baseou apenas em gastar dinheiro emprestado.  Mas como todo esse dinheiro emprestado foi gasto em consumo - e não em investimento - ele jamais poderia ser pago. 

(O que é algo bem óbvio.  Se você empresta dinheiro para seu amigo fazer um investimento (tipo abrir uma padaria), você ainda tem chance de reaver seu empréstimo com juros.  Mas se você empresta dinheiro para seu amigo comprar uma televisão ou fazer um cruzeiro, então você pode se preocupar.  Ele está apenas consumindo e não investindo.  Foi isso o que ocorreu na economia americana.  Juros artificialmente baixos induziram ao consumo puro e simples, e não ao investimento em projetos viáveis.  Os empréstimos de fato não poderiam ser pagos).

Percebendo isso, Schiff alertou, ainda em 2002, que a GM era insolvente e fatalmente iria quebrar.  Afinal, uma empresa que está ganhando dinheiro apenas com finanças, em uma ambiente em que os juros são manipulados pelo governo, não pode durar muito.  Sempre chegará o dia em que os mutuários (no caso, os compradores dos carros) começarão a dar calotes.

Quanto a GE, Schiff já dizia naquela época que a ela havia se tornado uma hedge-fund disfarçada de empresa de fabricação.  E embora a GE ainda tenha hoje setores viáveis, como o setor aeronáutico, o setor de radiologia e o setor de utensílios, seu passivo adquirido no setor de finanças supera enormemente seus ativos.  Se não fosse pelas intervenções do Fed, a empresa já teria quebrado.

Resumo: duas empresas de fabricação em larga escala estavam tendo lucros apenas em seu setor de finanças e não em seu setor de produção.  Isso não aconteceria em um ambiente de moeda sólida, onde os juros não fossem manipulados por uma autoridade governamental.  É esse tipo grave de distorção que a manipulação dos juros pelo governo provoca.

Conclusão óbvia: nessa crise, não invista em empresas cujo lucro provenha apenas de atividades financeiras.  Uma empresa pode estar indo muito bem na bolsa, porém seus ganhos podem estar vindo apenas de atividades especulativas.  Observe se a empresa tem uma sólida base manufatureira, que lhe permita ganhos futuros.  Caso não tenha, é fria.

As leis econômicas são as mesmas, tanto nos EUA quanto no Brasil.

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Leandro Roque é o tradutor e editor do Instituto Ludwig von Mises Brasil.


[*] Simpson, Peter L.P. "Je m'accuse!" ou Unraveling Collective Financial Responsibility (City University of New York), Mises Institute Working Papers, 2009

Sobre o autor

Leandro Roque

Leandro Roque é editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises Brasil.

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