Esse site usa cookies e dados pessoais de acordo com os nossos Termos de Uso e Política de Privacidade e, ao continuar navegando neste site, você concorda com suas condições.

< Artigos

Economia

Um giro pela tragédia

17/02/2009

Um giro pela tragédia

Então, você quer saber quão ruim a recessão vai ficar?  Ok.  Você não vai gastar mais do que 30 segundos para ver a magnitude da catástrofe atual.  E ainda vai ficar muito pior.

O jornal britânico The Guardian publicou 13 fotos de vários lugares do mundo que mostram a extensão do desastre.  Gaste apenas uns 3 segundos por foto. (Você não vai ver isso na TV aberta).

Jamais vi algo parecido com essas cenas.  Entretanto, ainda estamos apenas no estágio inicial da contração econômica.  O sistema bancário britânico está perto do colapso.  Nas mais altas esferas, já se fala seriamente na estatização de todos os bancos britânicos.  Os mercados de câmbio já estão agindo como se isso fosse quase certo.

Nouriel Roubini, um dos que previu essa recessão em 2007 (um pouco tarde, mas melhor do que a maioria dos economistas acadêmicos - outro que previu com grande acurácia foi Peter Schiff), recentemente deu uma palestra em Dubai.  Ele disse ter estimado que os EUA terão perdas de capital da ordem de $3,6 trilhões, metade ocorrendo nos bancos e corretoras.  A capitalização total dos bancos americanos é de $1,4 trilhão.  Em resumo, disse ele, o sistema bancário americano está beirando a insolvência.  A história está aqui.

Pense nisso.  Hoje, estamos vivendo uma situação na qual todos os bancos americanos poderiam legalmente ir à bancarrota.  Na Grande Depressão, mais de 6.000 bancos quebraram.  Mas a esmagadora maioria era de pequenos bancos rurais e bancos de cidades pequenas.  O Federal Reserve (o banco central americano) assegurou que nenhum grande banco sucumbisse.

Existem várias maneiras de mascarar a atual situação.  Uma delas seria continuar fazendo mais do mesmo - o FED continuar comprando mais ativos "tóxicos" em posse dos bancos e das corretoras.  Outra maneira seria criar uma entidade governamental que iria servir de holding para os ativos depreciados dos bancos quebrados.  É o chamado "banco agregador".  Isso iria salvar os bancos . . . por algum tempo.  O dinheiro utilizado para comprar os ativos iria permitir que os bancos mantivessem suas portas abertas.  O público continuaria tendo acesso aos seus depósitos.  Mas a realidade seria essa: um sistema bancário gerido pelo governo.  Essa abordagem está na lista de discussão proposta por Timothy Geithner, o escolhido de Obama para o cargo de Secretário do Tesouro [o Ministro da Fazenda americano].

RESERVAS FRACIONÁRIAS

No momento, os bancos americanos estão mantendo depositadas junto ao FED não apenas suas reservas compulsórias como também todo o excesso dessas reservas, que não precisariam ser depositadas junto ao FED (ver mais aqui).  Eles estão fazendo isso porque o FED começou a pagar juros sobre essas reservas em outubro de 2008.  Mas como a taxa de juros agora está perto de zero, os bancos já estão começando a despejar esse dinheiro no mercado de crédito.  Isso irá ativar a criação de dinheiro inerente ao sistema bancário de reservas fracionárias.

O sistema bancário americano já tem reservas suficientes para gerar uma enorme expansão da oferta monetária.  A cada vez que o FED compra um ativo e não neutraliza essa compra vendendo um outro ativo de mesmo valor de face, as reservas bancárias aumentam.  Assim, a base monetária (moeda manual + reservas bancárias) americana aumentou de $850 para $1,8 trilhão desde setembro de 2008.  Você pode ver o gráfico aqui.

A base monetária fornece o alicerce para que os bancos emprestem dinheiro.  E eles de fato irão emprestar esse dinheiro.  Todas as reportagens falando sobre a atual recusa dos bancos concederem empréstimos se esquecem de mencionar o óbvio: que os bancos não conseguirão pagar juros sobre os depósitos de seus clientes caso eles, os bancos, não emprestem o dinheiro depositado.  É por isso que eles emprestam cada centavo possível.

Até o momento, os bancos estavam mantendo todo o excesso de suas reservas depositado junto ao FED, que não re-empresta esse dinheiro.  É por isso que o processo de reservas fracionárias ainda não estava atuando.  É por isso que o multiplicador monetário americano estava caindo.  Mas agora que o FED está pagando juros de não mais do que 0,1% sobre os compulsórios, os bancos estão retirando essas reservas em excesso do FED e direcionando-as para a economia geral.

Disseram a você que os mutuários estão receosos de pedir empréstimos e os banqueiros estão com medo de conceder empréstimos.  Seria isso verdade?  Será que o Departamento do Tesouro americano está com medo de pedir empréstimos?  Quando uma instituição incorre em um déficit anual de $1,2 trilhão, garanto a você que ela não tem medo algum de pedir empréstimo.  E os banqueiros? Estariam eles receosos de conceder empréstimos ao Tesouro?  Não.

As pessoas perguntam: "Se os bancos estão temerosos, a quem irão emprestar dinheiro?" Repita junto comigo: "Ao Tesouro americano".

E você acha que as pessoas que estão recebendo cheques mensais do Tesouro irão aos seus respectivos bancos descontar esses cheques, levar o dinheiro para casa e escondê-lo debaixo da cama?  Ou você acha que elas, justamente por mal estarem conseguindo cobrir suas despesas, irão gastar esse dinheiro?

Posso garantir que elas irão depositar os cheques em suas contas bancárias.  O que os bancos irão fazer com esse dinheiro?  Acho que tenho uma idéia.  A base monetária duplicou desde setembro de 2008, aumento esse que se deu quase que exclusivamente pelo aumento das reservas bancárias.  Esse aumento da base monetária se deu quando o FED comprou ativos.  Esse dinheiro foi depositado nos bancos.  Os bancos irão emprestar esse dinheiro, principalmente porque agora eles não mais podem se dar ao luxo de manter o excesso de suas reservas depositado junto ao FED.  Eles irão emprestar ao Tesouro.  E o Tesouro está pronto para gastá-lo.

Se os bancos ainda estão aceitando depósitos de pessoas físicas, é porque eles ainda estão fazendo empréstimos. (Afinal, os bancos precisam pagar juros sobre os depósitos.  E para pagar esses juros, eles precisam emprestar e cobrar juros).  E os tomadores de empréstimos estão gastando esse dinheiro.  O que quer que não seja imediatamente gasto pelos mutuários, é mantido na conta bancária desses mutuários, dinheiro esse que é emprestado a curto prazo pelo banco.

Conclusão (parafraseando Kevin Costner em O Campo dos Sonhos): "Se Ben imprimir, os bancos emprestarão".

Alguém ainda está preocupado com deflação de preços nos EUA?  Podem me explicar por quê?

DESEMPREGO

As notícias relacionadas aos mercados de trabalho ao redor do mundo são sinistras.  Por mais que as estatísticas governamentais sejam falseadas, a taxa de desemprego está aumentando.  A "fórmula" de medição não é alterada constantemente, portanto é a tendência o que importa.  E essa tendência não é nada alvissareira.

A demanda por produtos discricionários - produtos opcionais, dos quais se pode abrir mão - está caindo em todo o mundo.  Alimentos não são produtos muito discricionários, dado que as pessoas acham difícil alterar sua dieta.  Os custos dos alimentos vêm aumentando.  Os índices de inflação apontam isso.  

É de se esperar que esse padrão continue.  Aquelas indústrias que dependem de gastos discricionários, mais notavelmente a indústria automotiva, continuarão vivendo em condições depressivas.  Aqueles cuja sobrevivência depende da venda de carros novos estarão em posição difícil.  Ninguém precisa comprar um carro novo.  Pode-se comprar um carro usado.  Dependendo, é possível comprar dois carros usados e bons pelo preço de um zero e despojado.

Nos EUA as pessoas finalmente começaram a poupar.  Esse fenômeno começou no segundo trimestre de 2008.  A taxa de poupança das famílias como porcentagem da renda disponível (renda menos impostos) subiu para pouco mais de 2%.  Finalmente!  É provável que essa tendência continue.  A recuperação econômica depende da formação de capital. 

Quando as pessoas poupam, elas depositam dinheiro num banco ou num fundo de investimento - que, por sua vez, deposita esse dinheiro num banco.  O dinheiro poupado não vai para baixo do colchão, como Keynes temia.  O dinheiro é gasto.  De novo: quando os analistas dizem que poupar é algo deflacionário, eles não sabem do que falam.  Só existe uma forma de poupança que é deflacionária.  Você vai até seu banco, saca seu dinheiro e o esconde debaixo da cama - ou manda para sua mulher, que está fazendo compras em El Salvador.  Apenas isso reverte o processo de reservas fracionárias.  Nada mais reverte.

Portanto, a menos que algum analista mostre evidências de que é isso que os poupadores estão fazendo com seu dinheiro, não acredite quando ele disser que o aumento na taxa de poupança é perigosamente deflacionário.  A única maneira de um aumento na poupança diminuir os preços é se houver aumento na produção: "mais bens perseguindo uma oferta fixa de dinheiro".  Não há nada de perigoso em relação a um aumento da produção.  Se houvesse, a economia high-tech ocidental teria desmoronado durante a década de 1990 em decorrência da impressionante queda ocorrida nos preços dos computadores e softwares.

É verdade que pessoas desempregadas gastam menos dinheiro.  Mas as coisas não param por aí.  Não caia na falácia das coisas que não podem ser vistas.  O que o desempregado faz?  Ele coleta seu seguro-desemprego, o qual ele gasta.  Seu empregador diminui os preços.  Consequentemente, os consumidores desses produtos irão gastar menos - logo, irão poupar mais.  O que eles farão com o dinheiro poupado?  (1) Eles irão gastá-lo em algo mais. (2) Eles irão investi-lo.  O que o banco faz com esse dinheiro investido?  Ele o empresta.

As análises que ouvimos sobre o fato de o desemprego causar deflação são tolas.  Além de uma contração na oferta monetária, a única coisa que causa uma ligeira queda nos preços é um aumento da produção.  Quando um banco central cria dinheiro, este vai para a conta bancária de alguém.  Ele é emprestado, ele é gasto.

E durante a Grande Depressão?  Não foi o desemprego que causou a queda dos preços? Não.  O que causou a queda dos preços foi a contração da oferta monetária.  Como isso aconteceu?  Por causa de todas as quebras bancárias.  Não existia uma FDIC [agência governamental americana que garante os depósitos em conta-corrente e na poupança até $100.000 por depositante] em 1934.  Quando um banco quebrava, o processo de reservas fracionárias não apenas era interrompido, como também era revertido.  A oferta monetária encolhia.

Se você está empregado em uma empresa que vende produtos ou serviços discricionários, você está encrencado.  Em breve seus problemas aumentarão.  A contração deste setor econômico irá continuar.  Se você trabalha em um restaurante, está em apuros.  Se você trabalha em um supermercado que vende alimentos baratos, não terá tantos problemas.  Vai sobreviver.

O que importa é a demanda pelo seu produto, e não a demanda agregada de toda a economia.  A demanda agregada depende da produção individual.  Se você é produtivo, e se você produz algo para o setor não discricionário da economia, não terá muitos problemas.

Os planejadores centrais keynesianos querem que o contribuinte lhes entregue mais dinheiro para que eles possam manter a demanda agregada em níveis altos.  Mas a melhor maneira de manter a demanda agregada alta é reduzindo o imposto de renda de pessoa jurídica, o imposto de renda progressivo, os encargos previdenciários e trabalhistas, os gastos do governo e, principalmente, parar de regular o que as pessoas devem fazer com seu dinheiro e com suas habilidades.

CONCLUSÃO

A economia vai piorar.  As políticas inflacionistas dos bancos centrais entre 1995-2006 criaram a armadilha.  As políticas desinflacionárias de 2007 até meados de 2008 acionaram a armadilha.  Agora, as atuais políticas monetárias irão criar uma outra armadilha: a inflação de preços.

Eles não sabem o que estão fazendo.  Tampouco os bancos comerciais e os políticos.  O público pagará por essa confusão mútua.

Sobre o autor

Gary North

é Ph.D. em história, ex-membro adjunto do Mises Institute, e autor de vários livros sobre economia, ética, história e cristianismo. Visite http://www.garynorth.com

Comentários (3)

Deixe seu comentário

Há campos obrigatórios a serem preenchidos!