Resumindo a encrenca
A crise de crédito que teve início em 2007 segue afetando os mercados desenvolvidos, e parece ganhar mais corpo com a crise existencial do euro. Não obstante as injeções maciças de dinheiro público e o estímulo dos juros baixos -- virtualmente zero -- os bancos seguem com problemas de financiamento.
A artilharia governamental tem tido controverso êxito mesmo após 4 anos. As economias dos Estados Unidos e da Europa seguem com crescimento pífio, desemprego alto, e os preços dos ativos não baixaram o suficiente a ponto de catalisar uma recuperação. O custo das intervenções é mais tangível: a dívida líquida em relação ao PIB dos EUA, Reino Unido, França aumentou em mais de 30 pontos percentuais do PIB neste período!
Os depósitos bancários nos bancos sediados nos chamados PIIGS caíram entre 5 e 10% nos últimos seis meses. Faz sentido: afinal, em uma Europa ainda integrada, por que permanecer com dinheiro em um país cujo governo pode transformar a moeda da noite para o dia em um novo Dracma ou Escudo, e impor um corralito à la Argentina de Cavallo?
De posse do monopolista status de "emprestador de última instância", o Fed e o BCE têm sido ainda mais agressivos que os governos para dissipar o receio de quebra de bancos. Os metafóricos dinheirodutos para os bancos por meio do infame quantitative easing (similar à cruel alimentação forçada dos gansos) já triplicaram a base monetária nos EUA, e o BCE segue por caminho similar, ainda que mais comedidamente (um foie gras mais magro). O custo desta política de criação de moeda é mais oculto:
a) as reservas em excesso recém-criadas serão inflacionárias caso se multipliquem em empréstimos via o multiplicador bancário do livro-texto(veja aqui); e, mais importante,
b) as injeções impedem que haja uma saudável e necessária desalavancagem no sistema, que permite a um custo suportável eliminar os excessos e os falsos lucros propiciados pelas taxas de juros artificialmente baixas.
As consequências nefastas de se impedir a desalavancagem do sistema são explicitadas pela Escola Austríaca, e rechaçadas pelo keynesianismo e pela Escola de Chicago monetarista. Representantes desses últimos, partes do chamado mainstream, são apegados à uma panacéia de criação de moeda. Um keynesiano, Paul Krugman, incomodado pelos pífios resultados e altos custos de suas prescrições, partiu para o ataque frontal a Ron Paul, um candidato republicano, e a Peter Schiff, um gestor de recursos, ambos simpáticos à Escola Austríaca. Ambos são exitosos em suas especialidades, mas não são representantes acadêmicos da Escola Austríaca.
Quanto ao ponto a) acima, Krugman afirma que a preocupação com a inflação até agora se mostrou infundada, e que isso comprova o erro da Escola Austríaca. Sim, até agora. Porém, dada a inédita quantidade de reservas injetadas nos bancos, é razoável supor que se tornem no futuro empréstimos em multiplicidade, inflacionários portanto. A ausência de empréstimos multiplicadores até agora em nada contradiz as lições da Escola Austríaca, ao contrário do que afirma Krugman. Os bancos hoje não estão confiantes para emprestar.
Quanto ao ponto b), Krugman (bem como keynesianos e monetaristas) advoga impedir o ajuste do mercado, pois este provocaria uma crise ainda pior. No entanto, as evidências empíricas comprovam que suas prescrições não têm funcionado há muito tempo. Em 2001, após o estouro da bolha da internet, Krugman defendeu um regime de juros baixos para inflar os preços de imóveis. O resultado foi uma bolha maior, que ao estourar causou uma crise mais severa. Suas prescrições para a atual crise deixaram o contribuinte americano mais endividado, e com menos emprego. A política atual remete ao sofrimento do Japão desde 1990. O Japão, inventor do quantitative easing, ainda não venceu a crise mesmo após vinte anos; e o índice Nikkei, que estava em 39.000 em 1989, hoje está em 8.300. No longo prazo, o mercado é mais forte que os desejos dos burocratas.
Os juros baixos atuais são um tipo de heroína financeira. Só visualizaremos a realidade como ela é no momento da abstinência.
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