Nota do IMB: o artigo a seguir faz parte do concurso de artigos promovidos pelo Instituto Mises Brasil (leia mais aqui).
As opiniões contidas nele não necessariamente representam as visões do
Instituto e são de inteira responsabilidade de seu autor.
1.
Introdução
Não é incomum governos criarem planos que visam
um objetivo para determinado país. Os mais comuns são os planos de crescimento
e desenvolvimento econômico. Utilizando como justificativa o crescimento para a
soberania do país ou para a inclusão social, o fato é que tais planos fazem
parte do dia-a-dia do cidadão. No
Brasil, todo governo apresenta uma solução econômica para os problemas do país.
O Governo Lula (2003-2009) defende que iniciou um modelo que, segundo suas
próprias palavras: "combina crescimento da economia com distribuição de renda e
proporciona a diminuição da pobreza e a inclusão de milhões de brasileiros e
brasileiras no mercado formal de trabalho."[1]
Para isso o governo criou um plano com
diretrizes não só para os burocratas, mas para empresas e cidadãos comuns
seguirem. Esses planos vêm com interferência na vida econômica e social. E quem
não se submeter, está sujeito à punição. Em 2007 teve início um novo programa,
apesar de continuar com o mesmo modelo, de desenvolvimento: o PAC - Programa de
Aceleração do Crescimento. As informações do PAC estão na internet (WWW.brasil.gov.br/pac) e mostram a distribuição do dinheiro e obras
que estão sendo feitas pelo país. O governo, através dos seus técnicos, acredita
que conseguiu descobrir de que o país necessita para alcançar desenvolvimento
econômico e social.
Essa atitude de planejamento econômico se
estende para outras áreas, como a monetária. Os bancos centrais têm monopólio
sobre a emissão de moeda e possuem metas que consequentemente influem em toda a
economia. Atualmente, entre essas metas está o controle inflacionário. Tanto os
planos dos governos como o monopólio do banco central ignoram a incerteza hayekiana.[2]
Ou seja, não levam em conta o limite do conhecimento dos agentes. E é sobre
isso que trata o presente artigo: mostraremos como políticas nas quais
planejadores centrais julgam ser capazes de influir positivamente na economia
são falhas pela falta de conhecimento perfeito.
2.
Friedrich von Hayek e a
Incerteza
Alguns economistas não acreditam que o Estado e
entidades monopolistas semelhantes sejam capazes de desenvolver planos pela
impossibilidade de adquirir o conhecimento necessário. Um desses economistas
foi Friedrich Von Hayek, Prêmio Nobel de 1974. Os estudos de Hayek, seguindo a
tradição de seu professor, Ludwig Von Mises, foram focados em críticas ao
modelo de equilíbrio e conhecimento perfeito dos agentes. Para Hayek, o modelo
equilibrador, no qual dadas as informações só resta distribuí-la de forma
ótima, é apenas um exercício de lógica, e não consegue explicar precisamente os
fenômenos econômicos. Para ele, o processo em busca desse equilíbrio é que é o
foco da pesquisa, estudando como o conhecimento imperfeito se dissemina entre
os agentes.
Isso acontece por conta da existência da
incerteza: os agentes não possuem conhecimento perfeito. O mercado justamente é
onde eles vão procurar acabar com essa deficiência. Para explicarmos as
diversas incertezas, vamos utilizar o trabalho feito por Angeli[3].
Um tipo de incerteza que remete à limitada
capacidade dos indivíduos em lidar com a complexa realidade é chamada de
Procedimental. "Ou seja, a capacidade
mental e/ou computacional das pessoas não é totalmente apta a captar,
interpretar e analisar corretamente todas as facetas e dados do mundo. Isso
envolve tanto a impossibilidade de coletar todos os dados quanto a de
processá-los, inclusive através de computadores (que também são
limitados)"(ANGELI, 2007, p.10). Isso ocorre pela subjetividade da valoração
dos indivíduos, onde é impossível mensurar algumas variáveis. Isso implica que
o conhecimento não é concentrado no governo (ou qualquer outra entidade), ele é
disperso pela sociedade, o que nos leva a derivar outro conceito importante: o
conhecimento tácito. Este é não-articulável, dependendo apenas da experiência
pessoal, ou seja, o conhecimento não apenas é disperso, mas também não pode ser
claramente transmitido. É a partir daí que surge o conceito hayekiano de ordem espontânea, pois a economia não é
produto de um plano central, e sim conseqüência do processo dos agentes em
busca de diminuir o problema da informação no mercado.
Já, como explica Angeli, a Incerteza Substantiva
tem subdivisões:
Incerteza
Substantiva Fraca,
onde: "As pessoas não sabem como será o futuro, mas conhecem corretamente as
probabilidades associadas a cada estado de mundo possível"(ANGELI, 2007, p.11).
Continua ainda: "Dequech (1997) propõe
uma divisão entre dois tipos de incerteza fraca encontrados, em geral, na
literatura de inspiração neoclássica:
(i) O risco knightiano apresenta probabilidade
objetiva conhecida a priori (como num jogo de dados), teoricamente
pré-estabelecida, ou probabilidade estatística (como na teoria da
freqüência)15, baseada em dados passados, determinada de forma empírica;
(ii)A incerteza de Savage, por outro lado, é o
tipo de incerteza associado à teoria standard da utilidade esperada subjetiva.
Este tipo de incerteza parece ser mais comumente tratado nos manuais
contemporâneos de microeconomia neoclássica, especialmente em nível de
pós-graduação. Alguns autores adotam uma espécie de "subjetivismo radical",
rejeitando a possibilidade de haver uma probabilidade objetiva, enquanto outros
aceitam a existência de probabilidade objetiva, mesmo que não seja conhecida" (ANGELI, 2007, p.12).
Incerteza
Substantiva Forte:
dividida entre Ambigüidade e Incerteza Fundamental. A primeira ocorre por fatos
como o processo de descoberta dos agentes, mudança de estrutura no ambiente e
conseqüências não-intencionais da ação humana (ANGELI, 2007). Isso causa uma
definição do futuro, porém, não conhecido pelo indivíduo, pois não há como
associar as probabilidades certas aos ambientes. Já na Incerteza Fundamental a
informação não é apenas desconhecida, como não existe. Apesar de ser possível
tentar imaginar cenários futuros, não há certeza porque é impossível saber
plenamente o que acontecerá. Essa Incerteza ocorre por conta da concorrência
"real" que os autores da tradição austríaca utilizam, diferente da neoclássica,
que acontece numa situação estática, onde, segundo veremos Kirzner explicando
na próxima subseção, não corresponde à realidade, pois trata de uma situação
onde na verdade não existe concorrência[4].
2.1
Elemento empresarial
Israel Kirzner, um dos mais importantes
economistas da Escola Austríaca, expõe em seus trabalhos o elemento empresarial
existente no mercado[5]. Em contraponto ao modelo de
equilíbrio, onde as informações são dadas e os agente apenas devem alocar os
recursos da melhor forma possível, Kirzner concorda com Hayek sobre o processo
de mercado e foca sua análise no empresário, que atua no mercado alerta às
novas oportunidades de lucro. Esse conceito de empresário é diferente daquele
que apenas trabalha buscando maximizar ganhos e minimizar gastos. Ou seja, o
autor critica o puro economizador robbinsiano, e diz que as informações não são
dadas, são descobertas pelos empresários num processo de concorrência, e quem
percebê-las antes dos demais e consequentemente atender a demanda dos
consumidores, sai ganhando.
Com isso, Kirzner não quis dizer que o
economizador robbinsiano não exista, mas trata-se de um caso particular da
praxeologia. Esta consiste no alerta do homem em busca de uma situação mais
confortável que a atual, que através da ação propositada tenta atingir tal
objetivo. Como, segundo Mises, a praxeologia é a priori, todas as leis econômicas depende desse caráter subjetivo
do indivíduo. Essa é inclusive uma polêmica dentro da Escola Austríaca, pois
alguns autores não aceitam o problema de conhecimento como válido. Mas o que
importa para o nosso trabalho é a abordagem de Kirzner, que usa a teoria dos
dois autores (Mises e Hayek) para explicar o processo de mercado.
Kirzner trabalha com a seguinte estrutura de
mercado: consumidores, proprietários de recursos e empresários. Os dois
primeiros dispensam apresentações, já o terceiro é o ponto-chave do trabalho do
autor. Como falamos, o empresário é o que está em estado de alerta. A partir
disso se deriva outro conceito: o empresário percebe a oportunidade e a usa
para conseguir lucro, mesmo que ele tenha que conseguir recursos com o
proprietário de recursos (ou seja o próprio dono), o que ele vai conseguir
graças ao seu alerta é chamado de lucro empresarial puro. Contudo, é importante
ter em mente para o seguinte ponto mostrado por Barbieri[6]:
"O lucro surge como resultado da ação humana, da ação deliberada de implementar
a idéia empresarial, apenas no instante da ação em si. Conforme o tempo
passa, o conhecimento se torna simples recurso" (BARBIERI, p.105).
Outro conceito importante é o de erro
empresarial: a) Overpessimism: a
falha de percepção faz o agente realizar transações em situações mais
desfavoráveis do que poderia ter encontrado em outro lugar no mercado; b) Overoptimism: não faz transações
favoráveis porque acha que pode conseguir algo melhor em outro lugar no mercado
(BARBIERI, 2001). O que Barbieri aponta claramente é o processo de correção
desses erros: o primeiro tem correção automática, o segundo depende do alerta
empresarial. O que se percebe é que, segundo Kirzner, todos os erros derivam da
falta de percepção nas oportunidades.
A atividade empresarial, então, é precedida da
incerteza, pois como o empresário tem como função ficar alerta, isso implica
que ele precisa de informações que não possui para atingir seus objetivos.
Assim encerramos essa subseção, necessária para entender como o mercado gera
incentivos para atender os consumidores sem a necessidade de um planejamento
central.
3.
Incerteza e crise
econômica
Vamos agora mostrar um exemplo de aplicação da
Incerteza hayekiana na atual crise financeira (que começou em 2009). Para tal,
iremos utilizar as quatro etapas que Mark Thornton usou em seu artigo "A bolha
imobiliária em 4 etapas"[7] e depois explicaremos
teoricamente como se deduz a relação da incerteza com a crise.
Para Thornton quatro etapas foram precisas para
se chegar à crise: 1) o corte para 1% da taxa de juros pelo Fed em 2003; 2) a
queda nas taxas hipotecárias; 3) com as taxas baixas, os empréstimos tiveram
recordes; 4) a obrigatoriedade de empréstimos para pessoas com histórico ruim
de pagamento.
Esse caminho, para os austríacos, leva a um
crescimento econômico insustentável por conta da baixa artificial dos juros.
Para um crescimento ter sustentabilidade, com expansão de investimentos, é
necessário a queda consumo. Nota-se que isso contradiz a teoria keynesiana, que
defende uma queda na taxa de juros para ampliar os investimentos aliado ao aumento de consumo. Para
explicar esse ponto e posteriormente associá-lo às quatro etapas, utilizaremos
os triângulos hayekianos usando como fonte Roger Garrison com "Time and Money".[8]
Como falamos, existe um trade-off entre investimento e consumo. Vejamos o gráfico mostrando
a Fronteira de Possibilidade de Produção (FPP):

Note que o investimento bruto é igual ao capital
de reposição mais o investimento líquido. Esse último é a causa do crescimento
econômico. Garrison continua e mostra um exemplo da economia crescendo em
quatro períodos:

Consequentemente, aumento da poupança permite
que a economia cresça com taxas maiores. O autor compara dois gráficos para
provar:

Tendo isso em mente, podemos finalmente ver como
a taxa de juros se comporta: ela depende da preferência intertemporal dos
agentes. Se estes resolverem poupar a taxa vai cair e os empresários terão
incentivos para pegar dinheiro emprestado. Graficamente temos:

Garrison, depois dessas observações iniciais,
mostra os triângulos hayekianos: eles representam a estrutura de produção em
diversos estágios (utiliza apenas cinco para uma análise simples). Depois
mostra o que acontece com o triângulo quando a economia cresce:


Para explicar essa expansão, o autor esclarece:
- "Um consumo menor enfraquece
a demanda por bens de capital que estão próximos - em termos temporais - do
produto final de consumo. Esse é o efeito derivado da demanda.
- Uma menor taxa de juros,
que significa empréstimos a custos menores, estimula a demanda por bens de capital que
estão distantes, em termos temporais, do produto final de consumo. Esse é o
efeito do desconto temporal - ou simplesmente o efeito da taxa de juros"
(Garrison, 2001).
Agora vejamos como o
triângulo responde a um aumento da poupança:

Tendo esses gráficos em mente, podemos esperar
que aconteçam distorções na economia se o banco central adicionar dinheiro no
mercado de crédito, que refletirá na FPP e na estrutura de produção. Isso
acontece porque a expansão irá enviar sinais incorretos aos empresários, que
julgaram que investimentos outrora fracassados serão lucrativos. Imaginemos que
a taxa onde o investimento seja igual à poupança seja 5%. Se o banco central
baixar a taxa para 4%, investimentos que não seriam realizados agora serão por
conta do falso sinal da preferência intertemporal dos consumidores para com os
empresários. O consumidor vai consumir mais com a taxa menor, e isso levará o
empresário a investir pensando no longo prazo, sendo que esse não é o
verdadeiro motivo do aumento do consumo. Art Carden aponta: "No todo, taxas de juros incorretas criam um cabo-de-guerra entre os
consumidores, que agora preferem consumo presente ao consumo futuro, e
investidores, que estão recebendo o sinal incorreto de que os consumidores
preferem consumo futuro ao consumo presente"(CARDEN, 2009). Isso significa que
os empreendimentos que não eram lucrativos a uma taxa de 5%, não serão também
com a baixa artificial para 4%.
Vamos agora ver como
essa distorção afeta a FPP, o mercado de crédito e o triângulo hayekiano:

Agora vemos
claramente porque os austríacos consideram que o crescimento impulsionado pela
baixa de juros pelo banco central é insustentável. E, seguindo as quatro etapas
de Thornton, agora fica fácil entender a causa da crise financeira: o corte da
taxa pelo Fed para 1% em 2003 deu sinais falsos ao mercado por distorcer a
preferência intertemporal dos agentes (1), isso gerou a queda nas taxas
hipotecárias (2) e os empréstimos recordes (3). Tudo isso foi acentuado quando
o governo obrigou que se fizessem empréstimos a pessoas com histórico ruim de
pagamento (4).
Conclusão
Como Angeli fala em
seu trabalho, a Incerteza Fundamental pode causar desequilíbrios e frustrações
nas expectativas dos agentes por ocorrer no tempo e num ambiente complexo. A aplicação na crise financeira que fizemos
trata desse tipo de incerteza. Os outros tipos são importantes e merecem
atenção por parte dos economistas e da sociedade, mas achamos suficiente o
exemplo que mostramos. Esse tipo de abordagem difere da novo-clássica, onde a
economia está sempre em equilíbrio, mas tampouco concorda com a
novo-keynesiana, onde o governo pode ser usado para estimular a economia. O
realismo de estudar a incerteza é considerar que os agentes não possuem
informação perfeita e, além disso refletir no processo de mercado, reflete
também em tentativas de planejamento estatal. Ou seja, tanto é irreal aceitar
que o agente tem conhecimento perfeito como acreditar que ele pode planejar a
economia.
_________________________________________________
Notas:
[1]: fonte:
http://www.brasil.gov.br/pac/economicas/
[2]: Friedrich von Hayek
desenvolveu uma teoria que explica o limite do conhecimento dos agentes na
economia, conhecida como problema do conhecimento. V. Economics and Knowledge
(http://mises.org/resources/88) e O uso do conhecimento na sociedade (http://www.ordemlivre.org/node/356).
[3]: V. ANGELI, Eduardo:
Hayek e a Teoria das Instituições (Unicamp, 2007)
[4]: V. KIRZNER, I. M.,
Competição e Atividade Empresarial. Rio de Janeiro: Instituto Liberal.
[5]: Idem.
[6]: V. BARBIERI, Fábio, O
Processo de Mercado na Escola Austríaca Moderna (USP, 2001).
[7]: V. http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=168
[8]: Todos os gráficos que
iremos utilizar e vários outros encontram-se em: http://www.mises.org.br/files/RogerGarrison.ppt
Bibliografia:
ANGELI, Eduardo (2007) Hayek e a Teoria das
Instituições: Unicamp.
BARBIERI, Fábio (2001) O Processo de Mercado na
Escola Austríaca Moderna: USP.
CARDEN, Art (2009) Expansão do crédito e
investimentos improdutivos. Instituto Ludwig von Mises Brasil: http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=30
GARRISON, Roger W. (2009) Os triângulos
hayekianos e a estrutura do capital. Instituto Ludwig von Mises Brasil: http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=206
HAYEK, F.A. (1936) Economics and Knowledge.
Ludwig von Mises Institute: http://mises.org/resources/88
HAYEK, F.A. (2009) O uso do conhecimento na
sociedade. Ordem Livre: http://www.ordemlivre.org/node/356
KIRZNER, I. M., Competição e Atividade
Empresarial. Rio de Janeiro: Instituto Liberal.
SHOSTAK, Frank (2009) Expectativas e a Teoria
Austríaca dos Ciclos Econômicos. Instituto Ludwig von Mises Brasil: http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=142
THORNTON, Mark (2009) A bolha imobiliária em 4
etapas. Instituto Ludwig von Mises Brasil: http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=168