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Política

A ficha ainda não caiu em Brasília

03/04/2009

A ficha ainda não caiu em Brasília

O presidente do Ludwig von Mises Institute, Lew Rockwell, cunhou aquilo que hoje é batizado como a Lei de Rockwell:  "Sempre acredite no oposto daquilo que o governo diz, e sempre faça o oposto daquilo que ele recomenda."

Não tem erro.

Primeiro, nosso comediante-em-chefe disse que a maior crise dos últimos setenta anos iria chegar ao Brasil como uma "marolinha", sobre a qual iríamos "esquiar" com tranquilidade e desenvoltura.  Ok, ninguém deu muita bola porque ninguém naturalmente leva as metáforas do sujeito a sério.

Três meses e um milhão de empregos a menos depois, a alta cúpula, o presidente e a ministra-futura-candidata garantiram que o país cresceria 4% em 2009.  (O fato de que o crescimento de uma economia é o resultado da interação diária e voluntária de milhões de pessoas e que, exatamente por isso, é algo um tanto bizarro prever com convicção qual será o resultado numérico disso, é um detalhe que devemos ignorar.  Não vamos perder a crença na infalibilidade "daqueles que nos guiam").

Após os 4%, a "promessa de crescimento" minguou para 3, 2 e atualmente está em 1,2% (estimativa da agência que planifica a economia, também chamada de Banco Central).  Algumas agências internacionais preveem crescimento nulo, enquanto outras juram que será negativo.

Outra coisa que o nosso guia prometeu não fazer é tungar a caderneta de poupança dos mais pobres, mexendo apenas "na poupança dos ricos" (assunto que será tratado mais abaixo). 

Feito todo esse preâmbulo de obviedades, peço ao amável leitor um pouco de paciência.  Mais pra frente deixarei claro onde quero chegar.  Antes, uma voltinha pelo mundo.

Rodando

Nos EUA, acaba de ser aprovado o orçamento do governo americano para o ano fiscal de 2009: meros 3,55 trilhões de dólares.  Tal quantia inimaginável não será - e nem tem como ser - financiada totalmente por impostos.  Também é duvidoso que o governo americano, completamente quebrado, vá conseguir tal volume de empréstimos (recentemente, Hillary Clinton foi à China implorar aos chineses para que continuem comprando títulos da dívida americana.  Apenas se os chineses forem muito otários.  A China é o maior credor dos EUA e sabe perfeitamente bem que jamais irá reaver o dinheiro que emprestou).

Sendo assim, grande parte desses 3,5 trilhões virá mesmo da impressora do Federal Reserve.  Quem detém o controle da criação do dinheiro, detém o poder.  Foi exatamente por isso que, após surgir naturalmente no mercado como sendo o melhor meio de troca (moeda), o ouro foi nacionalizado pelo estado e, finalmente, abolido.  Afinal, ninguém pode imprimir ouro sempre que quiser.  E isso é intolerável para o estado.  Enquanto a moeda for um simples papel sem lastro, os burocratas podem falar de regulação financeira o quanto quiserem.  As crises seguirão impávidas.

Mas estou divagando...  Volto.

Dado que esse valor será impresso pelo Fed, é seguro afirmar que não haverá a mínima chance de recuperação econômica sustentável (como os leitores habituais desse site sabem, imprimir dinheiro para estimular a demanda tem como conseqüência inevitável a geração de maus investimentos - exatamente o que deve ser evitado nesse momento crítico da economia mundial).  Qualquer melhora de curto prazo que os indicadores americanos porventura venham a apresentar, será apesar - e não por causa - desse estímulo.  Ainda assim, é opinião deste instituto que os indicadores econômicos ainda vão piorar bastante antes de melhorar.

Outra notícia que chamou a atenção: Obama recentemente "demitiu" o presidente da GM.  Sim, a mídia reportou que Obama "pediu" a Rick Wagoner que renunciasse.  Mas o fato é que o governo americano é quem está gerindo a GM agora, o que significa que daqui a pouco ela poderá passar a se chamar Presidential Motors.  Slogan: "Uma empresa que será administrada da mesma forma que Obama administra a América!". 

Como disse o humorista Jay Leno: "De acordo com o governo, Rick Wagoner foi forçado a renunciar por causa de sua fraca performance.  Isso é constrangedor.  Você administra uma organização que perde bilhões de dólares e então é demitido por um cara que lidera uma organização que perde trilhões de dólares".

E não para por aí.  O presidente chinês e líder do Partido Comunista da China, Hu Jintao, andou dando pito nos americanos, dizendo que eles devem ter mais disciplina fiscal; o primeiro-ministro da República Tcheca, Mirek Topolánek, afirmou que a gastança de Obama é o "caminho para o inferno".  Até Angela Merkel, chanceler da socialdemocracia alemã, já disse que anda duvidando de que gastos governamentais possam recuperar uma economia (em companhia de Pedro Solbes, ministro das finanças espanhol).  Nesse ritmo, daqui a um ano, apenas Paul Krugman e Obama continuarão acreditando nesse conto de fadas keynesiano.

Por fim, vale à pena conferir o vídeo em que Daniel Hannan, membro do Parlamento Europeu e representante da área sudeste da Inglaterra, deixa Gordon Brown em escombros, dizendo que ele, além de ser um sujeito dissimulado, tornou-se também "o depreciado primeiro-ministro de um governo depreciado" (esse vídeo possui legendas em inglês, fácil de entender).

A melhor frase: "O senhor não pode continuar eternamente esmagando o setor produtivo da economia para financiar um inchaço sem precedentes do setor improdutivo.  O senhor não pode sair de uma recessão através da gastança ou do endividamento... O senhor parece um burocrata da era Brejnev definindo as diretivas."

Ou seja: os dois principais líderes do mundo ocidental estão tomando reprimendas de todos os lados - e lados ideologicamente distintos.  A política adotada pelos EUA e pelo Reino Unido é uma unanimidade: desagrada a todos (fato revelado por recentes pesquisas de opinião: enquanto Brown teria dificuldades em se eleger vereador, Obama já despencou para a casa dos 50% de aprovação, coisa até então impensável para o ungido).

O encontro do G-20, ocorrendo neste momento, muito provavelmente seguirá a cartilha definida por Gary North: sorrisos, elogios mútuos, alguns pacotes, muitas promessas e palavras de consolo; daí todo mundo volta pra casa.  Haverá recuperação momentânea nos mercados financeiros, porém serão apenas movimentos especulativos.  Em menos de uma semana, quando os lucros já tiverem sido realizados, as bolsas voltarão a cair.

Voltando

E o Brasil?  As últimas ocorrências não são muito alvissareiras. 

Como Ludwig von Mises já explicou, uma expansão econômica artificial, como a que o Brasil acabou de vivenciar, provoca um efeito psicológico maléfico nas pessoas.  Acostumadas com o crescimento anormal, elas passam a crer que este será duradouro - ou que, na pior das hipóteses, pelo menos será longevo.

Sendo assim, quando o crescimento é interrompido e a recessão (correção) se estabelece, o baque psicológico é forte.  As pessoas se recusam a aceitar que o período da bonança acabou e que é chegada a hora da correção.  Com o desemprego crescendo, elas exigem do governo ações que supostamente fariam com que o anterior nível de atividade econômica fosse restabelecido.  Elas realmente creem que aquele nível de crescimento é perfeitamente sustentável, bastando apenas alguns estímulos do governo.

O que parece não ocorrer ao governo brasileiro e também a boa parte da imprensa, é que os bons números macroeconômicos que o Brasil apresentou em 2007 e 2008 eram absolutamente fictícios, impossíveis de serem sustentados por muito tempo.  Nossos números só foram bons porque a economia mundial passava por um período de expansão - também artificial - sem qualquer precedente em sua história.  É isso que ninguém parece aceitar.

Por exemplo: desde 2003, quando houve mudança na metodologia de medição do IBGE, o desemprego raramente ficou abaixo de 9,5%.  Porém, entre 2007 e 2008, ainda dentro do período da bonança mundial, o desemprego ficou constantemente abaixo dessa cifra, sendo que em 2008 ele variou entre 8,7% e 6,8%. 

Ora, um país em que o mercado de trabalho é fortemente regulado, com encargos sociais e trabalhistas que podem chegar a incríveis 102% da folha de pagamento (ver mais aqui), com uma carga tributária perto de 40% do PIB e crescendo, e com uma justiça trabalhista que sempre dá ganho de causa para o empregado (o que deixa qualquer um inseguro de contratar), a taxa de desemprego cair a níveis historicamente baixos foi um contrassenso.  Era óbvio que, infelizmente, tratava-se de uma anomalia.  Como explicitado nesse artigo, essa anomalia só foi possível devido à forte expansão monetária havida no Brasil, que por sua vez só foi possível por causa da forte expansão monetária conjunta que houve no mundo.

Ainda assim, as pessoas e o governo passaram a acreditar que tal nível de atividade e tal (baixo) nível de desemprego, mesmo em um país com todas as restrições acima, eram sustentáveis e seriam constantes dali pra frente.  Pelo discurso atual do governo, pode-se ver que os planejadores da economia seguem pensando ser possível o desemprego ficar abaixo dos 9% indefinidamente, bastando para isso "vontade política".  (Não sei se no íntimo eles já sabem que os tempos são outros; tudo o que posso fazer é analisar o discurso).

Não bastasse todo o cenário econômico desanimador, saiu a notícia de que as contas públicas deram déficit primário em fevereiro.  O que isso significa? 

Até janeiro de 2009, o governo era capaz de custear seus gastos correntes (gastos para manter a máquina e todos os seus programas, exceto pagamento de juros da dívida) apenas com a arrecadação de impostos.  Para pagar os juros da dívida, o governo lançava mais títulos.  Ou seja: ele se endividava para pagar uma dívida.  Isso não é bom, mas num cenário de forte crescimento mundial os danos trazidos por tal método ficam apequenados.

Agora entramos numa fase em que a arrecadação de impostos é insuficiente até para pagar os gastos correntes do governo.

Por que aconteceu isso?  Além da queda na atividade econômica - o que inevitavelmente reduz a arrecadação - o governo não quis contrariar a sua forte base de apoio: o funcionalismo público.  Uma classe para a qual o tempo nunca está ruim, eles acabaram de ganhar um generoso aumento, aumento esse que até poderia ser sustentável durante a bonança (mesmo que isso significasse o arrocho do setor privado), mas que nesse período de recessão será catastrófico para as contas públicas.  Além do gasto com o funcionalismo (ativo e inativo), os gastos com a mais mortífera bomba-relógio de todas - a Previdência Social - também foram expressivos.

O economista José Roberto Afonso, especialista em contas públicas, disse em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo que

"O aumento das despesas de pessoal ativo e inativo e da Previdência Social... é responsável por 47% da deterioração [das contas públicas], mais do que os 45% que podem ser atribuídos à queda da arrecadação tributária (...). A despesa de pessoal ativo e inativo da União foi responsável por um ponto porcentual da perda de superávit entre os dois bimestres, e as do INSS por 0,6 ponto porcentual. Juntas, portanto, estas despesas de caráter permanente correspondem a 1,6 ponto porcentual do PIB, ou 47% da deterioração. Isto é mais do que a perda de receita entre os dois períodos, que foi de 1,53 ponto porcentual do PIB, ou 45% da deterioração. A piora, portanto, é mais explicada por gastos do governo do que pela perda de arrecadação com a recessão."

O que tudo isso significa? 

Para cobrir esse rombo (que, ao que tudo indica, veio pra ficar), o governo tem quatro opções: (1) aumentar a arrecadação, (2) cortar gastos, (3) imprimir dinheiro ou (4) endividar-se (lançando títulos para financiar seus déficits).

A opção número (1) resume-se basicamente a aumento de impostos.  Não apenas é uma opção impopular, como também suicida durante uma recessão.  Dado que o governo baixou as alíquotas do IPI para automóveis, motos e vários aparelhos domésticos, não parece ser esse o curso que o governo vai adotar. Sim, para compensar essa perda, houve aumento do IPI do cigarro. 

O ministro Mantega disse que isso seria bom porque desincentivaria as pessoas a fumar.  De acordo com o preclaro: "É bom para a saúde daqueles que fumam porque vão sentir no bolso, mas é melhor que eles sintam no bolso do que no pulmão (...). Com essa decisão, estamos caminhando em direção daquilo que outros países estão fazendo, que é desestimular o consumo de cigarros. E, com o dinheiro que vamos arrecadar, nós estaremos pagando a conta dessas outras medidas que estamos tomando."  Ora, mas se ele aumentou o imposto justamente para aumentar a arrecadação, então ele não pode estar querendo que as pessoas parem de consumir cigarro.  E, sendo assim, ele não pode estar preocupado com a saúde do cidadão.  Como podem ver, tudo no estado é deformado.  Até a linguagem.

A opção 2 é a única correta e sustentável.  Justamente por isso, é a única que não será feita.  Cortar gastos (com o concomitante corte de impostos, se possível no mesmo montante do corte de gastos) significa extinguir ministérios, cortar aposentadorias de marajás, subsídios, salários de servidores, acabar com lobistas, com a aposentadoria integral... Enfim, nem vou perder tempo aqui, pois sei que o leitor não está interessado em ficção.

A opção 3 era a que vinha sendo feita abundantemente.  Lembro-me que, de 2004 até o início de 2009, a arrecadação aumentava constantemente em relação ao PIB.  A oposição - o que inclui alguns setores da imprensa - fazia alarde: "Viram só?  O governo está aumentando impostos!".  Os políticos e jornalistas da situação, que entendem tanto de economia quanto os da oposição, retrucavam: "Ah, é? Citem um único imposto que subiu?". E aí o debate acabava. 

De fato, não houve aumento de impostos entre 2005 e 2008 (houve até algumas desonerações). Contudo, a arrecadação em relação ao PIB cresceu continuamente.  Por quê?  Ora, porque o Banco Central estava expandindo a base monetária (novamente, veja um relato completo nesse artigo).  Se você imprime dinheiro em um cenário de crescimento econômico, o volume arrecadado inevitavelmente aumenta.  E como a inflação de preços é sempre menor que a inflação monetária, o resultado é que a arrecadação em termos reais (isto é, já descontada a inflação de preços) será inevitavelmente crescente.  Por outro lado, se a economia desacelerar, tal artifício não surtirá efeito (haverá apenas inflação de preços).  O fato de a imprensa não ter feito essa interpretação (eu, pelo menos, não vi), mostra bem o conhecimento que ela tem sobre teoria monetária.

Finalmente, a opção 4 é a mais provável.  O governo vai aumentar sua emissão de títulos para com isso seguir financiando suas atividades.  Quais as conseqüências?

Em primeiro lugar, ele terá de convencer as pessoas a comprar seus papeis, o que pode significar juros mais altos.  Como isso ninguém quer, o Banco Central terá de imprimir mais dinheiro para forçar a baixa dos juros.  Se a economia não se recuperar nesse ínterim, haverá uma perigosa inflação de preços, bem como os maus investimentos tipicamente empreendidos em cenários de juros artificialmente baixos.

Outro grande problema é que, dada a abundância de economistas keynesianos dentro do governo, é possível que tal grupo convença nossos guias de que é importante gastar muito durante uma recessão (ignore o fato de que tal artifício tem sido um retumbante fracasso em todos os lugares em que está sendo tentado).  Segundo a lógica torta desses acadêmicos, faz perfeito sentido o governo se endividar para gastar.  Ou seja: se o governo retirar dinheiro de um setor e gastar esse dinheiro em outro setor (provavelmente um setor que tenha fortes lobistas), toda a economia irá crescer e todo mundo irá magicamente enriquecer.  É a mesma coisa de dizer que, se você tirar água da parte mais funda da piscina e jogá-la na parte mais rasa, o volume total da piscina irá aumentar.  A lógica é idêntica.

Para agravar ambos os cenários acima, a queda da SELIC tornou a caderneta de poupança bem atrativa (rende quase o mesmo tanto, não tem incidência de imposto de renda e nem taxa de corretagem), o que significa que diminui o interesse do público em financiar as extravagâncias do governo.  Obviamente, o governo já estuda maneiras de acabar com a brincadeira.

O que ele pretende é diminuir na canetada o valor do rendimento da poupança e, com isso, obrigar as pessoas a comprar seus títulos (tanto na forma de Tesouro Direto ou através de qualquer aplicação bancária em renda fixa).  Se o governo não pode contar com o financiamento voluntário, esteja certo de que ele irá partir para o coercivo. 

Os pequenos poupadores, aqueles que não têm tempo nem conhecimento sobre mercado financeiro, e que por isso sempre preferiram deixar seu dinheiro na poupança, são os que pagarão o faisão.

Lula disse que vai analisar bem antes de tomar uma decisão e que não vai prejudicar o pequeno poupador.  Aplicando a Lei de Rockwell, você sabe exatamente o que ele vai fazer.

Sobre o autor

Leandro Roque

Leandro Roque é editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises Brasil.

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