quinta-feira, 24 set 2015
Pronto. Dobramos a meta. O dólar ultrapassou a marca
de R$ 4, quebrando mais um recorde no Plano Real – a maior marca de toda a
história da moeda brasileira –, outro feito nada invejável do atual governo.
Para muitos economistas, câmbio a R$ 4 já uma
realidade difícil de mudar. Os prognósticos variam apenas na intensidade com
que o dólar irá subir nos próximos meses.
Há pouco mais de um mês escrevi um artigo para analisar se o
dólar estava caro ou barato e até onde poderia ir. A conclusão então é a mesma que
segue: o real já está bem subvalorizado, bem abaixo do que seria o seu valor
justo, ou correto, de acordo com a teoria da paridade de poder de compra. O preço
de "equilíbrio" do dólar estaria situado ao redor de R$ 3,15.
Como cheguei a essa conclusão? Utilizando a taxa de
câmbio real (TCR), a qual considera a variação do poder de compra das duas
moedas — real e dólar, calculados pelos índices de preços ao consumidor de cada
país (IPCA e CPI) —, podemos aferir qual seria o valor justo para o câmbio.
Isso não significa afirmar que o dólar a R$ 4,13 esteja errado. O preço
praticado pelo mercado neste momento é esse e ponto.
O que a análise da TCR evidencia é o quão descolado
dos fundamentos está o câmbio. Em outras palavras, levando em conta apenas a
variação da depreciação relativa entre duas moedas — a velha teoria da
paridade de poder de compra —, um dólar acima de R$ 3,15 não pode ser
explicado apenas pelos fundamentos, há outras forças em jogo levando o câmbio
para longe do que seria razoável.
Atualizado o gráfico da taxa de câmbio "correta" com
os dados de julho e agosto, vemos que o dólar de equilíbrio subiu de R$ 3,11,
em junho, para R$ 3,15.

E como evoluiu a própria TCR calculada pelo Banco
Central (Bacen)?

Ao fim de junho, a TCR estava em 99,8; mas após a
subida incansável do dólar, o índice fechou o mês de agosto em 111,61,
apontando um desalinhamento considerável em relação ao valor justo — quanto
mais distante de 100, mais em "desequilíbrio" estaria a taxa de câmbio.
E assumindo que a cotação da moeda americana permanecerá
no nível atual por mais alguns dias, ao fim de setembro a TCR indicará um
descolamento ainda mais proeminente.
De fato, o câmbio atingiu a marca histórica de R$ 4,
superando a cotação alcançada lá no final de 2002 quando o dólar quase chegou
nesse patamar. Mas o câmbio a R$ 4 em 2015 é comparável ao câmbio a R$ 4 em
2002? Para responder essa pergunta, analisemos novamente o gráfico da TCR.
A maior marca registrada pelo índice foi de 206,11
em outubro de 2002, mês das eleições presidenciais quando o câmbio disparou
para cerca de R$ 4. Era o auge da turbulência dos mercados, fruto do temor de
um futuro governo de esquerda ansioso para avacalhar com o Plano Real e minar
os fundamentos da economia.
Hoje, porém, o dólar sendo negociado a R$ 4 não
levará a TCR para 206. Considerando que em agosto o índice alcançou 111, quando
o câmbio estava ainda ao redor de R$ 3,50, a TCR atualmente deve situar-se entre
120 e 130.
O exercício interessante a fazer, então, é: se tivéssemos
hoje o mesmo descolamento entre câmbio vigente e câmbio correto lá de 2002,
qual seria o dólar atualmente? Dito de forma mais direta, se a TCR fosse hoje 206,11,
o mesmo patamar de outubro de 2002, qual seria o dólar implícito hoje? Nada
menos que R$ 6,50!
Essa é a resposta da pergunta feita anteriormente: o
dólar a R$ 4 em 2002 equivale a um dólar ao redor de R$ 6,50 hoje.
Isso quer dizer que em 2002 o descolamento do câmbio
de mercado do seu valor justo foi uma absurdidade, o que comprova o quanto o
mercado desconfiava de um futuro governo petista no poder.
A pergunta que ninguém sabe responder é: será que o
dólar passa de R$ 5? Será que passa de R$ 6?
No artigo
anterior, concluí dizendo que: "Em 2002, as contas estavam ajustadas internamente,
mas um tanto vulneráveis no front externo. Ao contrário daquele ano, hoje o
desajuste está nas contas internas. Mas de forma semelhante àquele ano, o
câmbio virou novamente um termômetro da desgovernança política brasileira".
De fato, a rápida subida do termômetro do dólar
reflete rigorosamente o que ocorreu desde então. Em menos de 30 dias o governo
Dilma Rousseff fez lambança atrás de lambança — como o orçamento com déficit
primário enviado ao congresso, algo inédito na história contemporânea do país —,
levando o mercado a questionar cada vez mais a saúde fiscal do governo e a reduzir
as projeções de crescimento econômico e, de quebra, antecipando o rebaixamento da
classificação de risco do país pela agência Standard &Poors.
Confesso ter subestimado a capacidade do governo de
desgovernar em tão pouco tempo. A aptidão desse time para aprofundar ainda mais
a crise política e econômica é ímpar. Isso o mercado não perdoa, e o câmbio é o
reflexo direto do caos institucional e econômico que vivemos.
A situação atual é semelhante à de 2002? Em parte
sim, pois há uma enorme incerteza quanto aos rumos políticos, cujos
desdobramentos afetarão diretamente a economia brasileira. Mas há diferenças
importantes também.
Naquela época, as contas externas estavam bastante
vulneráveis, hoje não estão. Mas em 2002, a economia real não estava tão
bagunçada quanto hoje está. Não estávamos diante da forte recessão que hoje
bate à porta de todos os cidadãos.
A alta do dólar de 2002 deveu-se a uma crise de
confiança clara e bastante pontual. A correção daquela conjuntura não era uma
tarefa hercúlea. Bastava o governo Lula sinalizar ao mercado que manteria a
política econômica longe das heterodoxias propostas pela ala radical do Partido
dos Trabalhadores e a confiança retornaria para acalmar o câmbio. Foi justamente o que
aconteceu. Felizmente.
Hoje estamos em uma situação muito mais complexa, pois
o quadro político é mais imprevisível que o de 2002, e os ajustes necessários
para reconduzir a economia ao crescimento são muito mais profundos. Por isso
tudo esta já é a pior crise da história do Plano Real com alta probabilidade de
agravar-se ainda mais.
Pode o dólar chegar a R$ 6? Sinceramente, pode. É
claro que pode. É provável? Teimarei mais uma vez em afirmar que não. A verdade
é que na atual conjuntura, qualquer previsão é especulação pura. Wild guessing.
Mas em vez de prever se o câmbio superará R$ 5 ou R$
6, a resposta mais precisa, talvez, seja afirmar que o dólar dificilmente volta
para R$ 3 tão cedo — se é que voltará algum dia. Ao que tudo indica,
dificilmente baixará de R$ 4.
A prosperidade
ilusória da última década acabou. Estamos de volta à realidade.
Mas, em caso de dúvida, compre dólar.