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Economia

Uma defesa do preço abusivo

12/03/2012

Uma defesa do preço abusivo

A imbecilidade da semana passada (de 5 a 11 de março) em São Paulo deveria entrar para a história.  Foi uma ilustração perfeita de um dos famosos princípios de Rothbard: o governo, ao tentar infrutiferamente resolver problemas antigos, cria problemas novos.  

Assim, para aliviar o trânsito paulistano, a Prefeitura decidiu restringir a circulação de caminhões por vias muito importantes da cidade, como a Marginal Tietê, em horários de pico. Os caminhoneiros, indignados com a restrição que lhes custará tempo e dinheiro, entraram em greve.  Em um ou dois dias de greve, esgotaram boa parte dos estoques de combustível dos postos de gasolina, o que levou muitos deles a aumentarem seus preços.  E aí o governo voltou à cena, punindo os donos desses postos por praticarem "preços abusivos".

José Alberto Gouveia, líder sindical do setor, considera os donos dos postos envolvidos uns "empresários safados que devem ser presos".  Em entrevista a diversas rádios, Paulo Arthur Góes, diretor executivo do Procon-SP, explicou que o que o Procon proíbe nesses casos é a "elevação de preços sem justa causa".  Quem ouviu rádio, viu TV ou leu jornal acompanhou por dias a indignação pública contra esses malfeitores que, se aproveitando da escassez momentânea, ousaram aumentar seus preços.  Esqueceram-se de um pequeno detalhe: se há, neste universo, uma causa justa para a elevação abrupta de preços, é a escassez abrupta do bem em questão.

Pois o valor de um bem é determinado exatamente por sua escassez relativa.  Aqui em São Paulo, uma garrafa d'água vale pouco, pois a água é abundante.  No meio de um deserto, a garrafa d'água é valiosíssima, pois é muito mais escassa.  A necessidade que deixamos de satisfazer ao abrirmos mão de uma garrafa d'água em São Paulo é muito menos importante do que aquela que deixamos de satisfazer ao abrirmos mão de uma garrafa d'água idêntica no meio do Saara.  Aqui, na capital, um diamante compra quantidades enormes de água.  Lá, viajantes perdidos trocariam todas as joias do mundo por um mísero gole.  

Por três dias, faltou combustível em São Paulo. Muitos postos ficaram sem álcool e gasolina.  O valor do combustível, portanto, subiu.  Nada mais justo que os postos subissem o preço cobrado. Não é à toa que o fenômeno não foi caso isolado: pelo menos 18 postos aumentaram seus preços, e estão agora sob investigação.

Qual o efeito deste aumento de preço? Ao preço mais alto, menos gente vai querer comprar gasolina; alguns que planejavam encher o tanque nesses dias simplesmente não o encherão; outros encherão o mínimo possível, e tentarão reduzir o uso do carro se ele estiver com tanque baixo (como todo mundo sabe que em poucos dias a oferta de combustível se normalizaria -- graças ao capitalismo -- a maioria das pessoas com tanque cheio não deixaria de usar seu carro). 

O resultado é uma demanda menor por combustível, o que faz com que o estoque, que escasseou, dure mais e seja destinado aos casos mais urgentes, àqueles que realmente precisam do combustível agora e estão, portanto, dispostos a pagar mais caro.  O posto, ao aumentar o preço para lucrar com a escassez, promove a economia do combustível, que é exatamente a atitude necessária em tempos de carestia.

Se, pelo contrário, os postos se comportarem como exige o Procon, os sindicalistas e os locutores de rádio, o preço dos combustíveis continuaria constante, os consumidores continuariam a consumir como se não estivéssemos atravessando um período de escassez acentuada, e o combustível disponível acabaria muito mais rapidamente, levando a mais filas nos postos e a mais gente que precisa de combustível sem tê-lo.  

O estudante que levou seu carro ao posto por mera conveniência (pois podia, digamos, usar o metrô) consumirá a gasolina do taxista que precisava dela, ainda que cara, para garantir o dia de trabalho.

Fica claro, portanto, que mesmo em um período curto de escassez abrupta é não apenas justificado, mas socialmente bom que os ofertantes aumentem o preço (se assim o quiserem; se alguns quiserem vender barato ou mesmo dar de graça seu produto ao primeiro que aparecer, que sejam livres para tanto). É graças a esse "aumento abusivo" que o produto fica um pouco menos escasso, pois as pessoas adaptam o uso que fazem dele às novas condições de preço. 

Se a falta de combustível durasse mais alguns dias, é muito provável que até mesmo a oferta de álcool e gasolina aumentasse, vinda de canais pouco ortodoxos: pessoas com tanque cheio no início da semana, mas cujo uso do carro não lhe era essencial, ofereceriam, a certo preço, o conteúdo de seus tanques para outros que valorizassem o combustível mais do que eles próprios. 

O mecanismo de preços livres ajuda não só a conter a demanda como também a estimular a oferta.  Mas ele só funciona se o Procon e os sindicatos não se intrometerem.  O único resultado do controle de preços, tenha ele as boas intenções que tiver, é tornar o consumo e a oferta irracionais, promovendo a falta e o excesso indiscriminadamente e sempre no lado errado; levar as pessoas que vivem no meio do Saara a esbanjar água como se vivessem no Brasil.

Algum leitor pode ainda não estar convencido. Pois não parece justo que um posto lucre a mais com base na necessidade do consumidor. Perceba, contudo, que ao dizer isso, se está aceitando o exato ponto que estou defendendo: o consumidor está passando por maior necessidade daquele bem que está em falta; em outras palavras, aquele bem está mais valioso (como água no deserto). E é perfeitamente justo que quem oferta um bem valioso seja remunerado de acordo.

Não é verdade que o posto esteja explorando o consumidor, e é possível provar que o próprio consumidor não pensa assim. Afinal, o que aconteceria se um posto resolvesse dobrar o preço da gasolina do nada, sem que qualquer crise de abastecimento estivesse em curso?  Ele meramente perderia clientes.  Ninguém precisaria denunciá-lo nem nada; todos apenas iriam a outro posto; não por boicote ou outro movimento organizado, mas simplesmente por saber que há preços melhores na praça.  

O vendedor que pratica um preço fora da realidade cava sua própria cova: fica com produto não vendido na mão, consumindo-lhe o capital investido.  A crise atual de abastecimento tinha período esperado para acabar: uns poucos dias.  Assim, um posto que cobrasse R$100,00 o litro da gasolina não encontraria clientes (ao contrário de uma situação hipotética mais grave em que o petróleo de fato acabasse, e daí R$100,00 o litro da gasolina seria uma pechincha inacreditável).

É claro que dá raiva em qualquer consumidor saber que um bem que ele comprava a R$2,90 por litro agora custa R$5,00.  E nossa cultura anticapitalista ensinou os consumidores a direcionar essa raiva (que nada mais é do que frustração frente a circunstâncias mais desfavoráveis do que ele imaginara) aos produtores, que são vistos como inimigos naturais.  São ridículas essa revolta e essa denúncia contra o posto que aumentou os preços.  O posto está ali voluntariamente, oferecendo-lhe um serviço que ele, consumidor, não precisa aceitar.  Se aceita, é porque julga que ele é vantajoso nas condições atuais; ou seja, que o produto vale o que o vendedor cobra.  Se não pensasse assim, não compraria.  

Abster-se de comprar é a punição justa que o consumidor inflige em quem não atende a suas necessidades por um preço que ele considere vantajoso; é assim que funciona a competição no mercado, e é por isso que as necessidades da vida (combustível, água, comida), mesmo sem controle de preços, custam muito menos do que custariam se tivéssemos que nos virar, cada um de nós, para produzi-los individualmente.

Seria ótimo se a gasolina fosse distribuída gratuitamente e mesmo assim sobrasse para todo mundo, como o ar que respiramos. Vivemos, contudo, no mundo real; a gasolina disponível não dá para todo mundo; é escassa. Por isso ela tem preço; e por isso algumas pessoas dedicam seu esforço e inteligência para torná-la disponível aos demais.  Em dias como os da semana que correu em São Paulo, ela ficou mais escassa; seu valor aumentou. Quem protesta contra os preços "abusivos" dos postos protesta contra a própria realidade; o verdadeiro autor de abuso é o Procon, que quer impedir, por um suposto "direito do consumidor de comprar um bem a um preço constante", os membros da sociedade de se adaptarem a novas condições. Quem concorda com ele, vive em um mundo de faz-de-conta no qual o mero desejo humano é o bastante para tornar abundante um bem escasso.  

O grande problema é que carros não funcionam à boa vontade...


Sobre o autor

Joel Fonseca

Economista e filósofo. Colunista da Folha e Exame Hoje. Integrante do MyNews. Youtuber em formação.

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