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Política

"Anticomunismo" versus capitalismo

26/09/2011

"Anticomunismo" versus capitalismo

Nunca e em lugar algum do universo existe estabilidade e imobilidade.  Mudança e transformação são características essenciais da vida.  Cada estado de coisas é passageiro; cada época é uma época de transição.  Na vida humana nunca há calma e repouso.  A vida é um processo e não a permanência no status quo.  Ainda assim, a mente humana tem sempre a ilusão de uma existência imutável.  O objetivo declarado de todos os movimentos utópicos é o de dar fim à história e de estabelecer uma calma final e permanente. 

Os motivos psicológicos desta tendência são óbvios.  Cada mudança altera as condições externas de vida e de bem-estar e força as pessoas a se ajustarem de novo às modificações de seu meio.  Ela atinge interesses velados e ameaça as formas tradicionais de produção e consumo.  Atrapalha todos os que são intelectualmente inertes e faz com que revejam sua maneira de pensar.  O conservadorismo é contrário à própria natureza da ação humana.  Mas sempre foi o programa acalentado pela maioria, pelos inertes, que obstinadamente resistem a todas as tentativas de melhorar suas próprias condições, melhora essa que a minoria dos ativos iniciou.  Ao empregar o termo reacionário, quase sempre faz-se referência apenas aos aristocratas e sacerdotes que chamavam seus partidos de conservadores.  Mas os melhores exemplos do espírito reacionário foram dados por outros grupos: pelas corporações de artesãos que impediam o acesso à sua especialidade aos recém-chegados; pelos fazendeiros que exigiam proteção tarifária, subsídios e "equiparação de preços"; pelos assalariados hostis ao progresso tecnológico e que instigavam o sindicato a forçar o empregador a contratar mais operários do que o necessário para um determinado serviço, e outras práticas similares. 

A inútil arrogância dos escritores e dos artistas boêmios considera as atividades dos homens de negócios como pouco intelectuais e enriquecedoras.  A verdade é que os empresários e os organizadores de empresas comerciais demonstram maior capacidade intelectual e intuitiva do que o escritor e o pintor médio.  A inferioridade de muitos intelectuais se manifesta exatamente no fato de eles não reconhecerem o quanto de capacidade e raciocínio é necessário para desenvolver e fazer funcionar com sucesso uma empresa comercial. 

O surgimento de uma classe numerosa desses frívolos intelectuais é um dos fenômenos menos desejáveis da era do capitalismo moderno.  Sua atividade importuna impede a discriminação das pessoas.  São uma praga.  Seria desejável que algo fosse feito para refrear sua confusão ou, melhor ainda, eliminar totalmente suas rodas e grupos sociais. 

A liberdade é, porém, indivisível.  Qualquer tentativa de restrição da liberdade dos importunos e decadentes literatos e pseudo-artistas iria investir as autoridades do poder de determinar o que é bom e o que é mau.  Iria socializar o esforço intelectual e artístico.  Talvez não excluísse as pessoas inúteis e discutíveis; mas é certo que iria colocar obstáculos insuperáveis no caminho dos gênios criativos.  Os poderes vigentes não gostam de novas ideias, de novas maneiras de pensar e de novos estilos de arte.  Opõem-se a qualquer tipo de inovação.  Sua supremacia resultaria numa absoluta arregimentação; provocaria estagnação e decadência. 

A corrupção moral, a licenciosidade e a esterilidade intelectual de uma classe de pretensos autores e artistas é o preço que a humanidade deve pagar a fim de que pioneiros inventivos não sejam impedidos de concluir seus trabalhos.  A liberdade deve ser garantida a todos, até mesmo aos mais humildes, a fim de que os poucos que podem utilizá-la em benefício da humanidade não sejam impedidos.  A liberdade de ação que tinham os miseráveis personagens do Quartier Latin foi um dos motivos que tornou possível o surgimento de alguns grandes escritores, pintores e escultores.  A primeira coisa de que um gênio necessita é de respirar ar puro. 

Afinal não são as frívolas doutrinas dos boêmios que causam o desastre, mas sim o fato de o público estar pronto a aceitá-las favoravelmente.  O mal está na reação a essas pseudofilosofias por parte dos modeladores da opinião pública e, em seguida, por parte das massas mal-orientadas.  As pessoas apressam-se a apoiar as doutrinas que consideram como modernas a fim de não serem consideradas ultrapassadas e retrógradas. 

A ideologia mais perniciosa dos últimos sessenta anos foi o sindicalismo de George Sorel e seu entusiasmo pela action directe.  Gerada por um frustrado intelectual francês, logo cativou os literatos de todos os países europeus.  Foi fator de grande importância na radicalização de todos os movimentos subversivos.  Influenciou o monarquismo francês, o militarismo e o antissemitismo.  Desempenhou um papel importante na evolução do bolchevismo russo, do fascismo italiano, bem como no movimento alemão de jovens que finalmente resultou no nazismo.  Transformou partidos políticos desejosos de vencer através de campanhas eleitorais em facções que acreditavam na organização de grupos armados.  Conduziu ao descrédito o governo representativo e a "segurança burguesa", e preconizou tanto a guerra civil como a guerra com outros países.  Seu principal slogan era: violência e mais violência.  O atual estado de coisas na Europa é em grande parte resultado da influência dos ensinamentos de Sorel. 

Os intelectuais foram os primeiros a aclamar as ideias de Sorel; eles as tornaram populares.  Porém, o teor do sorelismo era obviamente anti-intelectual.  Era o oposto do raciocínio ponderado e da discussão sensata.  O que conta para Sorel é exclusivamente a ação, ou seja, o ato de violência por amor à violência.  Lutar por um mito, fosse qual fosse o seu sentido, era seu lema.  "Se você se situa no campo dos mitos, ficará a salvo de qualquer tipo de contestação crítica."[1]Que filosofia maravilhosa, destruir por amor à destruição!  Não fale, não pense, mate!  Sorel despreza o "esforço intelectual" até mesmo dos campeões literários da revolução.  O objetivo essencial do mito é "preparar as pessoas para lutarem pela destruição do que existe".[2]

Não obstante, a culpa pela propagação da pseudofilosofia destruidora não cabe nem a Sorel nem a seus discípulos Lenin, Mussolini e Rosenberg, nem aos bandos de literatos e artistas irresponsáveis.  O desastre teve origem porque, por muitas décadas, quase ninguém se aventurou a examinar criticamente ou a acionar a consciência dos bandidos fanáticos.  Até os autores que se abstiveram de endossar francamente as ideias da violência temerária estavam ansiosos por encontrar uma interpretação simpática para os piores excessos dos ditadores.  As primeiras objeções tímidas só apareceram quando -- na verdade, muito tarde -- os cúmplices intelectuais dessas políticas começaram a perceber que nem mesmo o apoio entusiasta à ideologia totalitária os eximia da tortura e da morte. 

Existe hoje uma falsa frente anticomunista.  O que as pessoas -- que se denominam "liberais anticomunistas" e que mais corretamente são chamadas de "anti-anticomunistas" pelas pessoas sensatas -- estão desejando é o comunismo sem as características inerentes e necessárias ao comunismo, que ainda são insuportáveis para os norte-americanos.  Elas fazem uma distinção ilusória entre comunismo e socialismo e -- bem paradoxalmente -- procuram reforçar sua escolha de socialismo não comunista com base no documento que seu autor chamou Manifesto Comunista.  Julgam terem autenticado sua afirmação ao apelidarem o socialismo de planejamento ou de estado previdenciário.  Fingem rejeitar as aspirações revolucionárias e ditatoriais dos "vermelhos" e, ao mesmo tempo, enaltecem em livros e revistas, escolas e universidades, Karl Marx, o líder da revolução comunista e da ditadura do proletariado, como um dos maiores economistas, filósofos e sociólogos, como eminente benfeitor e libertador da humanidade.  Querem levar-nos a crer que o totalitarismo não totalitário, uma espécie de quadrado triangular, é o remédio reconhecido para todas as doenças.  Sempre que levantam uma leve objeção ao comunismo, são levadas a insultar o capitalismo, usando termos tirados do injuriante vocabulário de Marx e de Lenin.  Elas insistem em abominar o capitalismo de forma muito mais veemente do que o comunismo e justificam todos os atos indecentes dos comunistas com base nos horrores indescritíveis do capitalismo.  Em resumo: Fingem lutar contra o comunismo ao tentarem converter as pessoas às ideias do Manifesto Comunista. 

mentalidade.jpgTais "liberais anticomunistas" não lutam contra o comunismo em si, mas contra um sistema comunista no qual eles não são responsáveis.  Estão à procura de um sistema socialista, isto é, comunista, no qual eles mesmos ou os seus amigos mais próximos detenham as rédeas do governo.  Talvez seja exagero dizer que estão ardendo de vontade de liquidar outras pessoas.  Simplesmente desejam não ser liquidadas.  Numa comunidade socialista, apenas o chefe supremo e seus cúmplices têm essa segurança. 

Um movimento "antiqualquer-coisa" demonstra uma atitude puramente negativa.  Não tem a menor chance de sucesso.  Suas críticas acerbas virtualmente promovem o programa que atacam.  As pessoas devem lutar por algo que desejam realizar e não simplesmente evitar um mal, por pior que seja.  Devem, sem quaisquer restrições, apoiar o programa da economia de mercado. 

O comunismo teria hoje, após a desilusão causada pelas façanhas dos soviéticos e das lamentáveis falhas de todas as experiências socialistas, pouquíssimas chances de êxito no ocidente, não fosse esse anticomunismo falsificado. 

A única coisa que pode impedir as nações civilizadas da Europa Ocidental, da América e da Austrália de serem escravizadas pelo barbarismo de Moscou é o amplo e irrestrito apoio ao capitalismo laissez-faire. 

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[1] Cf. O. Sorel, Reflexions sur Ia violence, 3 ed., Paris, 1912, p. 49.

[2] Cf. Sorel, I. c. p. 46.

[Este artigo foi extraído do capítulo V do livro A Mentalidade Anticapitalista]

Sobre o autor

Ludwig von Mises

Ludwig von Mises foi o reconhecido líder da Escola Austríaca, um prodigioso originador na teoria econômica e um autor prolífico. Os escritos e palestras de Mises abarcavam teoria econômica, história, epistemologia, governo e filosofia política.

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