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Economia

A escola austríaca como o novo paradigma

06/09/2011

A escola austríaca como o novo paradigma

Os economistas e analistas de economia estão apresentando sintomas de que estão completamente perdidos.  Um economista famoso aqui no Brasil chegou a confessar, em entrevista na TV, que "não está entendendo o que está se passando", já que, segundo ele, os governos vêm agindo de maneira correta nos Estados Unidos e na Europa, injetando gastos, moeda e crédito nas suas economias, mas elas não dão sinais de que estão saindo da crise...

Não tenho a menor dúvida de que o paradigma que vem reinando na teoria econômica há muitos anos está sendo -- para usar a linguagem de Karl Popper -- falsificado pelos fatos.  Os governos vêm usando e abusando tanto do arsenal keynesiano quanto da armaria monetarista em tentativas desesperadas para vencer a crise, mas a frustração, no que se refere aos resultados dessas políticas sobre a recuperação das economias, é patente e evidente.  Os foguetes keynesianos e monetaristas vêm sendo disparados em larga escala: os governos têm aumentado gastos, na tradição keynesiana e os bancos centrais têm jogado liquidez nas economias, exatamente como Milton Friedman e os monetaristas sempre recomendaram, tudo isso regado a taxas de juros próximas de zero... Como deve ser do conhecimento do leitor, Keynes diagnosticou como causa da Grande Depressão uma "insuficiência de demanda agregada", o que o levou a recomendar que os governos aumentassem os seus gastos e Friedman a relacionou com uma pretensa timidez do Fed que, segundo ele, poderia ter evitado a Grande Depressão, caso aumentasse a oferta monetária e de crédito.

O paradigma keynesiano-monetarista vem sendo usado tresloucadamente.  Fala-se em ampliação do limite para a relação dívida interna/PIB nos Estados Unidos; estimulam-se rodadas sucessivas de QE (quantitative easing), ativa-se impostos sobre operações financeiras e o setor real da economia não reage conforme os economistas dos governos acham que devia reagir, ou seja, como aprenderam nos livros-texto e nos papers em que estudaram.

Os gráficos seguintes mostram o expansionismo fiscal e monetário nos Estados Unidos e na Europa. Vejam o crescimento da base monetária americana.

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Figura 1 - Base monetária ajustada

E, nos dois gráficos seguintes, o crescimento do M1 e do M2 nos Estados Unidos...

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Figura 2 - M1

 

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Figura 3 - M2

E vejam como tem crescido o déficit do governo americano e a relação dívida interna/PIB...

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Figura 4 - Déficit público

 

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Figura 5 - Dívida pública

 

Apesar dessas políticas expansionistas recomendadas pelos manuais de Macroeconomia, as taxas de desemprego vêm aumentando desde a explosão da bolha imobiliária em 2008...

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 Figura 6 - Taxa de desemprego

Na Zona do Euro, as coisas não têm sido diferentes, como mostram os gráficos seguintes, extraídos do site do ECB (banco central europeu). Vejam o aprofundamento do déficit público e da relação dívida interna/PIB...

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Figura 7 - Déficit público

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Figura 8 - Relação dívida interna/PIB

 

E também a frouxidão monetária que vem ocorrendo na Europa...

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Figura 9 - M3

Apesar disso, o desemprego continua resistindo ao velho paradigma...

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Figura 10 - Taxa de desemprego

O que está acontecendo? Por que os economistas parecem perdidos numa noite suja?  Como é possível que tudo o que aprenderam nos manuais macroeconômicos não esteja funcionando?  Para os economistas da tradição austríaca, a resposta é simples, direta e chocante para o establishment acadêmico e profissional: o paradigma keynesiano-monetarista não funciona, porque seus diagnósticos para os ciclos econômicos, simplesmente, estão errados.  E, quando o diagnóstico é falso, a terapia indicada não tem como funcionar.  Na verdade, estamos lidando com algo que transcende a economia: o que está acontecendo é a falência múltipla da social-democracia, prevista por Mises, Hayek e outros austríacos, quando mostraram que os sistemas mistos entre o capitalismo e o socialismo apresentam inconsistências internas fatais e que, portanto, são inviáveis no longo prazo. E o longo prazo chegou.

Como disse Helio Beltrão em palestra na FGV de São Paulo: Você não acha que há algo de errado:

  • na prescrição keynesiana de o governo mandar cavar buracos e em seguida tapá-los caso a economia entre em recessão?
  • que todos os governos do mundo façam questão de ter o monopólio da moeda, mas divirjam sobre outros monopólios (correios, estradas, siderurgia)?
  • que tenhamos bolhas , crises e depressões sem que haja uma explicação satisfatória sobre as causas?
  • que a queda de preços de produtos seja excelente para seu bolso, mas considerada inaceitável para os economistas mainstream?
  • que nos livros e na teoria os economistas defendam o livre comércio, mas na prática sempre defendem um amplo leque de "exceções" e "salvaguardas"?
  • que o aumento de salário mínimo seja defendido como benéfico para a "economia" ou para os assalariados de baixa renda?
  • que "monopólios" privados sejam considerados nefastos e inaceitáveis, mas que monopólios  governamentais sejam aceitos sem questionamento (da moeda, do tráfego aéreo, da justiça, do espectro eletromagnético, do subsolo, das jazidas minerais , dos rios, estradas e ruas, da segurança pública) ?
  • que seja um crime em quase todos os países alguém espalhar um rumor sobre um banco em dificuldades, mas não sobre empresas?
  • que o ouro seja considerado uma "relíquia bárbara", mas seja o ativo financeiro  preferido em momentos de crise?
  • que o valor do dólar em 1900 (pouco antes da criação do Fed) era o mesmo que em 1800, mas que o valor do dólar hoje é apenas 4% daquele de 1900?
  • que a roda tenha sido inventada mesmo sem a proteção da lei de patentes?
  • no comportamento dos economistas de plantão, que se portam como "arquitetos" do mundo ideal"?

A essas pertinentes indagações podemos acrescentar algumas outras: você também não acha que há algo de errado:

  • com a macroeconomia, que considera o estoque de capital como sendo uma "constante"?
  • consequentemente, que as análises sejam conduzidas sem uma teoria do capital que as sustente?
  • que o acúmulo de déficits por parte dos governos estimula o crescimento da relação dívida/PIB e que isso é  imoral, porque significa que gerações passam ônus para as gerações seguintes, sucessivamente?
  • que estimular gastos e acreditar que a formação de poupança gera "desemprego" é "bom" para a economia?
  • quando o governo da Alemanha, por exemplo, cria um imposto para ajudar o governo grego a pagar a farra orçamentária, punindo os pagadores de tributos alemães?
  • quando os bancos centrais salvam bancos para evitar que os investidores percam com as bolhas?

O erro fatal dos economistas da mainstream é que eles, sejam adeptos de Keynes ou de Friedman, tendem a acreditar demais no poder dos governos e na fraqueza dos mercados.

Não tenho a menor dúvida de que o novo paradigma é a Escola Austríaca de Economia. A ABCT (Austrian Business Cycles Theory), ou, em português, TACE (Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos), foi desenhada por Mises em seu tratado de 1912, posteriormente desenvolvida por Hayek nos anos 30 e depois aperfeiçoada por outros economistas da tradição de Menger, dos quais o mais criativo é o americano Roger Garrison.

Quando o governo injeta dinheiro na economia (via mesa de open market do BC), a taxa de juros cai artificialmente abaixo da taxa natural de juros. Os empreendedores entendem que há mais poupança do que realmente há e a demanda por investimentos de longo prazo será maior do que deveria ("boom").  Os investimentos em excesso, mais cedo ou mais tarde, fracassarão e a conseqüente recessão e "desalavancagem" "purificará" e "liquidará" tais excessos.

A TACE é, ao mesmo tempo, uma teoria da moeda, do capital e dos ciclos econômicos. Mostra como a emissão de moeda produz o efeito de diminuir a taxa de juros e, inicialmente, enganar os agentes -- que, acreditando que existe maior poupança, embarcam em investimentos de maturação mais longa, alargando, assim, a estrutura de capital da economia. Posteriormente, quando esses agentes descobrem que na realidade não se tratava de poupança, mas de moeda "fantasiada" de poupança, a taxa de juros sobe e isso leva a um encolhimento da estrutura de produção, fenômeno que produz desemprego (e que ficou conhecido como efeito concertina ou efeito sanfona), que é maior nos setores mais afastados da produção de bens finais, que foram exatamente aqueles setores inicialmente beneficiados pela expansão monetária.

Quando os bancos centrais percebem a tendência de alta das taxas de juros e reagem fixando-as por decreto em níveis ainda mais artificialmente baixos, a crise parece amenizar, mas logo retorna, mais forte e mais rígida. Aumentar gastos públicos e emitir moeda para debelar uma crise como a atual tem o mesmo efeito que receitar doses de açúcar para um paciente diabético.

Assim, a inflação -- ou seja, aquela quantidade adicional de moeda que entrou na economia sem lastro -- acabará provocando o desemprego de fatores de produção.  Como disse Hayek, não há escolha entre comer demais (emitir moeda sem lastro real) e ter indigestão (recessão), porque ambas são inseparáveis, a primeira acarretando a segunda.  Essa conclusão -- de que o desemprego é a consequência natural da inflação -- mostra quão equivocadas são as análises keynesianas que ficaram conhecidas como a curva de Phillips, que postulavam a existência de um trade off ou dilema entre inflação e desemprego, de modo que, se algum governo desejasse combater a inflação, teria que aceitar uma taxa de desemprego de mão de obra maior ou, se quisesse reduzir o desemprego, seria forçado a aceitar uma taxa de inflação mais elevada.

E por que, até o momento, apesar do espantoso crescimento da oferta monetária sem lastro, a inflação não explodiu?  Uma boa parte da explicação é que as empresas chinesas têm tido uma espantosa produtividade nos últimos 15 anos, fazendo com que os preços de computadores, eletrônicos, e outros produtos de exportação tivessem contínua queda de preços.  Como observa Beltrão no trabalho acima citado, "esse efeito deflacionário da China mascarou a inflação de ativos criada pelo Fed".  Além desse efeito-produtividade, não podemos também deixar de considerar a forte deflação nos preços dos ativos financeiros, provocada pelas sucessivas "bolhas".

Para Keynes, a Grande Depressão foi provocada por poupança demais e investimento de menos; para nós, austríacos, é exatamente o oposto: poupança de menos e investimento demais, ou seja, não lastreado em poupança genuína, mas na emissão de papéis com o rosto de George Washington ou de qualquer outro herói nacional (no Brasil, de tanto o governo emitir e trocar de moeda, nossos heróis se extinguiram e hoje vemos onças, macacos e outros bichos).  Qualquer dia desses, nosso Bacen imprimirá cédulas com estampas de pulgas, baratas, mosquitos e aranhas...

Investimentos não lastreados em poupança não têm sustentação.  Imagine que Robinson Crusoé pesque três peixes diariamente, mergulhando e pegando-os com as mãos e que, no final da tarde, os asse e coma.  Imagine agora que, pensando em aumentar a sua produtividade, ele passe três dias seguidos comendo dois (ao invés de três) peixes.  Com isso, no quarto dia ele já acordará com três peixes e terá, portanto, o dia inteiro para construir uma rede de pesca, que lhe permitirá pegar muito mais peixes por dia, trabalhando menos tempo.  Em suma, ao renunciar a um peixe por dia, ele poupou, o que lhe permitiu investir e, assim, melhorar o seu padrão de vida.

Essa é a essência da poupança: para ter mais peixes no futuro, você necessariamente tem que renunciar a comer peixes no presente.  Aliás, essa é a essência da própria teoria do capital e do próprio crescimento econômico, que Keynes subverteu, com seu tão famoso quanto falacioso conceito de "paradoxo da poupança". Não existe paradoxo algum, o que há são governos que gastam demais e emitem moeda de maneira irresponsável.

A Escola Austríaca é a mais antiga na história do pensamento econômico, pois remonta a São Tomás de Aquino e aos escolásticos tardios; é a menor, porque o ambiente intervencionista sempre a tratou como se fosse apenas uma "coisa do passado", sem aplicação ao mundo real; mas é, seguramente, a que mais vem crescendo nesses tempos de crise mundial, porque é a única que conseguiu prever corretamente a crise (embora a fama tenha ficado para o economista Nouriel Roubini, que simplesmente, a advinhou e que atualmente está tão perdido quanto seus colegas de establishment), a única que afirmou que as medidas adotadas pelos governos nos Estados Unidos, na Europa e no Japão a partir de setembro de 2008 apenas agravariam a crise e, por fim, a única que tem a solução para o problema: a economia de livre-mercado, baseada na propriedade privada e na liberdade individual e de trocas, a extinção dos bancos centrais e sua substituição por um sistema de moedas competitivas (free banking), com lastro em ouro.

No novo paradigma, expressões como "política fiscal", "política monetária", "política cambial", "política tributária", "políticas de rendas", "políticas de preços" e outras semelhantes desaparecerão completamente. Os indivíduos -- e não os governos -- é que comandarão suas próprias vidas.

A social-democracia está falida. E enquanto não entenderem isto e insistirem nelas, com pajelanças fiscais e monetárias, seu passivo só irá aumentar.

Nós, os austríacos, chegamos para ficar!


Sobre o autor

Ubiratan Jorge Iorio

Ubiratan Jorge Iorio é economista, professor associado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e é um dos nomes mais importantes da Escola Austríaca no Brasil.

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