Teoria e história - evidências empíricas dos ciclos econômicos
1. Introdução
Este artigo tem o objetivo de evidenciar como se encaixa a teoria austríaca dos ciclos econômicos (TACE) nos fatos econômicos da história pós-revolução industrial. Trata-se de saber se a análise teórica proporciona ou não um esquema interpretativo adequado aos fenômenos de expansão econômica e recessão que a civilização experimentou depois desse marco histórico.
É preciso, no entanto, ressaltar a cautela frente a esse objetivo. Isso porque, ao contrário do que afirma a escola positivista, a evidência empírica não é suficiente para confirmar ou refutar uma teoria econômica válida. Como afirma Mises, a praxeologia busca conhecimento que seja válido sempre que as condições correspondam exatamente àquelas consideradas na hipótese teórica. Sua afirmação e sua proposição não decorrem da experiência; antecedem qualquer compreensão dos fatos históricos. Tendo clara essa relação, podemos seguir adiante.
2. A Teoria
Uma forma de intervencionismo se dá através de controle monetário. A moeda é um poderoso indutor econômico, uma ferramenta poderosa e, por isso, a detenção do monopólio sobre ela proporciona uma vantagem aos governos em relação à moeda livre: a moeda estatal, fiduciária e de curso legal forçado, traz consigo o aumento de possibilidades de financiamento dos gastos dos governos, bem como o estímulo ou desestímulo de setores que atendam aos seus interesses.
Como instrumento, os governos necessitam do sistema bancário para fluir o dinheiro aonde lhe interessa e, por isso, é de seu interesse que ele seja saudável. Tem-se, assim, a origem da relação entre o aspecto político e o aspecto financeiro indutor da atividade econômica:
A causa se encontra (...) no privilégio concedido aos banqueiros para que, em violação dos princípios tradicionais do direito[1] (...) exerçam, portanto, seu negócio com coeficiente de reserva fracionária. Privilégio este de que também se aproveitam os governos para obter financiamento fácil em momentos de apuros e, depois, por meio dos bancos centrais, para garantir facilidade creditícia e liquidez inflacionária que até agora se considerava serem muito necessárias e favoráveis como estímulo para o desenvolvimento econômico. (HUERTA DE SOTO, 2009, p.392). Tradução livre.
Porém, essa relação traz consigo efeitos colaterais sobre a economia real. A expansão monetária e creditícia não sustentada por uma poupança real causa graves distorções na estrutura produtiva da economia. O conflito entre as etapas de produção torna-se inevitável, bem como o aparecimento das recessões. Como resultado, tem-se a concentração forçada de renda devido ao processo de inflação monetária e à dilapidação de capital devido aos investimentos errôneos e insustentáveis.
Tal situação econômica gera desemprego e descontentamento da população. Ela, por desconhecer a teoria econômica, advoga em favor da expansão monetária e creditícia como saída da crise, devido aos benefícios aparentes que ela proporciona na fase de expansão econômica. Nas próprias palavras de Mises:
Quanto maior tiver sido o seu otimismo nos dias do boom, maior será a sua resistência ao ajuste. Chegam a deixar passar boas oportunidades por terem perdido momentaneamente a autoconfiança e a capacidade de iniciativa. Mas o pior é que as pessoas são incorrigíveis. Depois de alguns anos redescobrirão a expansão do crédito e a velha história, uma vez mais, se repetirá. (MISES, 1990, p. 803).
3. A História
Com o início da Revolução Industrial, os ciclos econômicos começaram a se reproduzir com uma grande regularidade, adquirindo os traços típicos expostos pela teoria. No entanto, enquanto Marx culpava a economia de mercado capitalista por esses ciclos, Hume e Ricardo viram o desenvolvimento de outra instituição junto com o sistema industrial e que era a legítima responsável pelos ciclos econômicos: o sistema bancário comercial com reserva fracionária.
A seguir, será exposta uma síntese dos principais ciclos econômicos pós-revolução industrial até a atualidade, assim como suas características:
a) O pânico de 1819 -- Afetou essencialmente os EUA. O pânico foi precedido por uma expansão da oferta monetária e do crédito sem respaldo de poupança real. Neste processo, o recém criado Banco dos Estados Unidos teve atuação protagonista. A expansão foi bruscamente interrompida em 1819, quando o banco deixou de expandir o crédito e reclamou o pagamento das notas emitidas por outros bancos e que estavam em seu poder;
b) A crise de 1836 -- Ocorreu em consequência da crise essencialmente inglesa de 1825. Novamente, os bancos iniciam uma expansão creditícia, gerando um boom em que se multiplicam as sociedades por ações. Os créditos financiam vários setores e aquecem demasiadamente a economia, refletindo uma subida vertiginosa nos preços. A crise começa quando os bancos decidem deixar de aumentar os créditos por estarem cada vez mais perdendo suas reservas em ouro, as quais fluíam principalmente para os EUA. A partir de 1836, os bancos quebram ou suspendem pagamentos, iniciando uma profunda depressão até 1840;
c) A crise de 1847 -- Em 1840, reinicia-se a expansão creditícia artificial no Reino Unido, estendendo-se pela França e pelos EUA. A bolsa de valores inicia um enorme movimento especulativo puxada pelas empresas de trem, até seu fim em 1846, com a crise na Grã Bretanha. Vale ressaltar que, em 1844, a Inglaterra havia adotado a proibição da emissão de notas bancárias que não tivessem o respaldo de 100% em ouro (Peel's Bank Act). No entanto, tal medida não se estabeleceu em relação aos depósitos e créditos, cujo volume se multiplicou por cinco em 2 anos. A depressão se estendeu à França, especialmente às empresas de bens de capital, agravando o desemprego. É nesse contexto histórico que se insere a revolução de caráter tipicamente socialista que se produziu nesse país em 1848;
d) A crise de 1866 -- Etapa expansiva se inicia em 1861. Têm papel protagonista o desenvolvimento dos bancos na Inglaterra e a expansão creditícia pelo Credit Foncier na França. A influência da expansão é maior sobretudo na indústria do algodão. Em 1866, quebras generalizadas acontecem e se suspende a lei (Peel's Bank Act) que exigia reservas de 100% em ouro para todas as notas bancárias emitidas. A finalidade de tal suspensão é defender as reservas de ouro do Banco da Inglaterra;
e) A crise de 1907 -- Desta vez, as companhias de energia elétrica são as protagonistas e beneficiárias dos novos créditos artificialmente expandidos. A indústria química também participa dessa expansão creditícia. A crise ocorre em 1907, após a qual inicia-se um novo período de expansão econômica artificial, o qual dura até 1913 e a Primeira Guerra Mundial;
f) A grande depressão de 1929 -- A causa dessa crise em nada se difere das anteriores: a expansão creditícia artificial ocorrida na década de 1920 (sob batuta de uma nova entidade chamada Federal Reserve). No entanto, o que a caracteriza é a sua duração e gravidade, que só pode ser entendida pelos erros de política econômica e monetária. Hoover e Roosevelt tomaram medidas contraproducentes para a recuperação, forçando uma manutenção artificial de salários, aumentos de gasto público (aumentando o déficit e decidindo-se equilibrar o orçamento via impostos), aumento de imposto de renda para os mais ricos, entre outros. O financiamento das obras públicas, sobretudo, se deu via emissão de dívida, o que absorveu a escassa oferta de capital disponível, afetando gravemente o setor privado;
g) A recessão do final dos anos 1970 -- A característica mais típica dos ciclos econômicos posteriores à Segunda Guerra Mundial é que tiveram sua origem em políticas deliberadamente inflacionistas dirigidas e coordenadas por Bancos Centrais. Assim, sob inspiração keynesiana, durante as décadas seguintes considerava-se que. mediante uma política fiscal e monetária expansionista, seria possível evitar qualquer crise. Não foi o que ocorreu, sendo a crise manifestada em finais de 1970;
h) A recessão do início dos anos 1990 -- A experiência da década de 1970 poderia ter trazido aos responsáveis econômicos e financeiros do ocidente lições para evitar uma nova crise. Desafortunadamente, uma nova expansão creditícia se iniciou nos EUA em meados dos anos 1980, alimentando um importante boom da bolsa de valores.
i) A crise de fins da década de 2000 -- essa crise, conhecida como bolha imobiliária, foi caracterizada pelo boom no mercado imobiliário americano. Assim como todas as crises anteriores, foi precedida de expansão creditícia artificial, dessa vez possibilitando a expansão e a criação de diversos produtos financeiros. A subida dos juros e o risco de inadimplência dos financiamentos subprime detonaram a crise em 2008, evidenciada com a quebra do banco Lehman Brothers. Essa crise ainda está vigente.
4. Conclusão: A teoria e a história conjuntamente
O esquema das crises parece apresentar um padrão claro em sequência: expansão creditícia artificial; boom no mercado financeiro, o qual elege algum setor em destaque no mercado de capitais; elevação de riscos no setor bancário devido, justamente, ao esquema Ponzi praticado pelas instituições financeiras devido às reservas fracionárias; crise financeira e quebras bancárias, seguidas de crise econômica com a quebra de empresas, sobretudo de bens de capital (por tornarem inviáveis seus investimentos sustentados por crédito até então artificialmente barato); demissões em massa, já que as etapas produtivas intermediárias são as maiores empregadoras na economia; recessão.
Um novo ciclo se inicia com uma nova expansão creditícia, justamente para tentar sair da recessão que até então atingia a economia.
Nota-se, assim, uma grande coerência na interpretação da história econômica quando submetida a uma teoria prévia. Sob luz da TACE, os fatos históricos nesse período se "encaixam" nas conclusões teóricas. Não enquadremos por isso os eventos históricos em algum padrão quantitativo a fim de predizer algo sobre a economia, até porque, segundo Mises, não é possível saber até quando as pessoas terão fé em alguma ideia errada. Tomemos, sim, essa associação consistente entre a teoria e a história para diagnosticar os erros e não cometê-los novamente. Se as coisas tornarem-se recorrentes, então no futuro só poderemos tirar duas conclusões sobre os (ir)responsáveis financeiros dos governos: ou são ignorantes ou são mal intencionados.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GARRISON, R. Tiempo y dinero. 2.ed Madrid. Unión Editorial, 2005.
HAYEK, F. Desestatização do dinheiro. Disponível em: http://www.mises.org.br/Ebook.aspx?id=57
HUERTA DE SOTO, J. Dinero, crédito bancário y ciclos económicos. 4.ed. Madrid: Unión Editorial, 2009.
MISES, L.; Ação Humana: um tratado de economia; 3.ed. Rio de Janeiro: Instituto Liberal. 1990.
________;Teoría e História. Madrid: Unión Editorial, 2003.
ROTHBARD, M. Depressões econômicas: causa e cura. Disponível em: http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=228
[1] Há uma diferença jurídica entre os contratos de depósito, em que o dinheiro fica em custódia e à disposição imediata do depositante, não havendo transferência de propriedade; e o de empréstimo, em que há a transferência da propriedade do dinheiro e prazos definidos para a devolução. O sistema de reserva fracionária naturalmente provoca o descompasso de prazos entre entradas e saídas de caixa dos bancos em decorrência disso, o que gera um esquema Ponzi que tende a uma grave crise financeira. Devido a essa natureza fraudulenta do sistema bancário baseado na reserva fracionária, o sistema bancário é o único setor da economia que vai á bancarrota de forma sistêmica.
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